Vítimas da FTX: brasileiros perdem de economias pessoais a empréstimos após exchange falir

Centenas de brasileiros não tiveram tempo de sacar seus recursos e podem ter perdido tudo na quebra da corretora

Paulo Barros

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A FTX faliu há pouco mais de uma semana deixando cerca de um milhão de credores, segundo estimativas da gestão que assumiu após o fundador e CEO, o ex-bilionário Sam Bankman-Fried, deixar o cargo. Apesar de não ter presença formal no Brasil, sem um CNPJ registrado, a corretora tinha vários usuários no país – e, com isso, mais de mil pessoas podem ter dinheiro preso na empresa, sem previsão de recuperá-lo.

São muitos os relatos nas redes sociais de quem perdeu tudo. “Eu tô muito mal porque perdi mil dólares quando eu mais preciso”, diz um usuário. “Caramba, eu perdi 46 mil dólares. Ainda estou sem acreditar. Era meu futuro e foi por água abaixo”, conta outro. “Não brinquem com isso, eu tô com depressão também pois perdi tudo na FTX”, desabafa alguém em resposta a piadas envolvendo o caso.

R. M., 33, engenheiro civil de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, tirou todo o lucro que havia conseguido na bolsa no final de 2020, juntou com dois empréstimos bancários e investiu tudo em criptomoedas na FTX. O valor, equivalente a R$ 700 mil, ficou totalmente preso na corretora.

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“Um amigo meu me avisou segunda [dia 7 de novembro] que era para tirar o dinheiro da FTX, mas eu não prestei muita atenção porque estava viajando. Tentei tirar na quarta, não consegui. Tentei na quinta, na sexta. E aí comecei a fazer provas do que eu tinha, até os saldos serem zerados”, conta o engenheiro, em referência ao sumiço das criptos da exchange após um suposto hack ocorrido na madrugada do dia 12 de novembro, horas após a decretação da falência.

Hoje, especula-se que o governo das Bahamas, onde a FTX é sediada, pode ter tido papel no desaparecimento dos saldos. A CVM local confirmou que ordenou a corretora a transferir recursos para carteiras controladas pela administração pública como meio de preservar ativos de clientes do país.

“Afeta muito o psicológico”, conta R.M., que se arrepende de ter usado o dinheiro dos empréstimos em criptoativos na FTX. “Deixei de comprar apartamento. Cheguei a fazer contrato, mas desisti porque queria esperar mais um pouco”. Ele preferiu não ter o nome citado pela reportagem com receio de ser ridicularizado por conhecidos, ou descoberto pela família. “Eles nem sabem dos meus empréstimos”, confessa.

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Juliano Prado Carvalho, 35, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, virou trader há dois anos quando a empresa do setor de turismo onde trabalhava reduziu os salários em 75% em razão da pandemia. “Diante dessa situação, eu precisei buscar outras fontes de renda. Foi quando eu encontrei o mercado de criptoativos”.

Atraído pelas ferramentas de trading da FTX, Juliano abriu uma conta na corretora e começou a usá-la como única plataforma quando foi demitido e passou a se dedicar integralmente à atividade. Ele teve um prejuízo de cerca de R$ 110 mil.

“Era tudo o que eu tinha. Perdi tudo. E não só o meu dinheiro. Tinha também dinheiro da minha mãe envolvido. Foi um buraco bem fundo”.

Traders confiavam muito na FTX. Ao contrário de casos de esquemas de pirâmides envolvendo criptos que explodiram no Brasil entre 2018 e 2019, na última baixa do Bitcoin, a FTX tinha um produto concreto, e ganhava adeptos, entre outros motivos, porque a plataforma oferecia vantagens competitivas para quem era trader.

“A ferramenta da FTX era muito boa para trade. A gente tinha muita confiança nela”, conta Juliano. Para ele, esse dado concreto, aliado à fama da corretora, era suficiente para garantir que os recursos depositados ali não corriam risco. “Na minha cabeça, era o mesmo risco que colocar dinheiro no Itaú. Você não imagina que amanhã o Itaú vai declarar falência”.

A aura de segurança atraiu até investidores mais experientes, como M. Cervelin, 52, de São Paulo capital, que trabalhou 28 anos no Itaú. Apesar de não se considerar atido a grandes riscos na hora de investir, abriu uma conta na FTX para comprar uma criptomoeda desconhecida recomendada por um amigo. Ele até chegou a tentar realizar a operação em um protocolo DeFi, mas achou a experiência difícil demais para um leigo no mundo cripto.

“Confiei nos rankings das corretoras [e abri a conta na FTX]. Não confiei muito na [carteira de criptomoedas] MetaMask. É complexo demais para quem não está acostumado. Se errar uma coisa perde tudo, tinha que fazer [as transferências] aos poucos”, explica. Aproximadamente US$ 6.500, o equivalente a R$ 35 mil, ficaram retidos após tentar sacar, sem sucesso, no dia 11 de novembro, quando a corretora já havia decretado falência.

“Não dá tempo de fazer nada, infelizmente. Se você é um pouco mais ligado e acompanha os rumores, e entende bem do mercado, dá tempo de sair. Mas quem trabalha direto, na loucura da vida para lá e para cá, ou seja, 99% das pessoas, só vai ver o estrago depois que aconteceu”, justifica.

Ele se culpa por ter deixado o dinheiro na corretora enquanto procurava a alternativa considerada mais segura, de guardar as criptos em uma carteira de custódia pessoal. “Comecei a ver a hard wallet, ou o chaveiro como eu chamo. Mas precisava estudar como funciona. Foi quando vi a reportagem [sobre a falência da FTX] e falei: ‘Não é possível’. A falta de experiência me deu uma rasteira grande”, diz.

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A situação é parecida com a de Marcelo Rocha, 35, empresário do ramo de software de Xangri-lá, no Rio Grande do Sul, que fazia swing trade na FTX. Ele transferiu cerca de 95% do que tinha em uma hard wallet para a corretora, com o objetivo de realizar uma operação de 15 dias. Mas, a três dias de terminar a operação planejada, a exchange bloqueou saques e ele nunca mais recuperou os recursos – cerca de US$ 17 mil (R$ 91 mil), seus investimentos de um ano, ficaram travados.

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“Eu queria um presente nesse Natal. Mas quanto tentei sacar, para minha surpresa, passaram 5 horas e nada do saque cair. E daí descobri todo esse escândalo”, conta.

O empresário diz ter aprendido a fazer trades por conta própria com influenciadores na Internet, dos quais inclusive também recebeu a indicação de operar na FTX. “Eu seguia três ou quatro influenciadores, e eles estavam recomendando a FTX”, comenta. Após o caso vir à tona, ele procurou conhecer as pessoas que estavam por trás da empresa, por meio de entrevistas disponibilizadas na web. “Se tivesse visto isso antes, nunca teria colocado meu dinheiro lá”.

Via judicial não é promissora

Os brasileiros que perderam tudo na FTX alimentam esperanças de recuperar o dinheiro, seja por via judicial ou em um improvável resgate por uma empresa disposta a tampar um rombo estimado em US$ 10 bilhões. O caminho para obter um ressarcimento dos valores, no entanto, tem obstáculos.

A FTX não tem filial nem representantes legais no Brasil após o antigo responsável pela operação local, Antônio Neto, pedir demissão, junto com outros funcionários, no mesmo dia da decretação de recuperação judicial nos EUA – Neto não quis conversar com a reportagem.

Diante disso, as barreiras para ingressar com uma ação contra a FTX já começam desde a citação da empresa no exterior. “A burocracia para um ato muito simples, que no Brasil demora dias ou semanas, pode demorar de 3 a 5 anos fora do país”, explica o advogado Ricardo Kassin, especialista em ações envolvendo empresas do ramo de criptoativos.

No caso específico da FTX, há ainda o agravante de a empresa ter sede nas Bahamas, que não tem acordo com o Brasil para o compartilhamento de informação entre os sistemas judiciários. Além disso, ainda não está claro se os investidores brasileiros serão contemplados no processo de recuperação judicial pelo qual passam várias empresas do grupo nos Estados Unidos.

“No caso da Latam, que abriu recuperação judicial nos Estados Unidos, os credores brasileiros não estão sendo beneficiados”, exemplifica Kassin. Desse modo, esclarece, é preciso esperar pela decisão do juiz no processo da FTX nos EUA para saber se os brasileiros farão parte da lista de credores. A conclusão de uma ação como essa para quem mora no Brasil, diz, pode levar de 5 a 10 anos.

“Uma ação dessas não vale a pena para um investidor que não teve um valor multimilionário [preso na corretora]. Tem que pagar também as custas processuais, a carta rogatória para citação, fora que o processo é muito moroso para ele, e o desgaste é muito grande quando não tem uma resposta do Judiciário”, pontua.

Ainda assim, os investidores brasileiros, como R.M., de Passo Fundo, se apoiam nisso para tentar levar a vida. “Eu ainda tenho esperança, se não fico ainda pior. É o que eu uso para conseguir viver o meu dia a dia. A situação só não é pior que um luto, mas é muito parecida. Perdi um amigo muito próximo recentemente e meu pai há 10 anos. O sentimento é parecido”, diz.

Juliano, de Ribeirão Preto, foca em tentar reconstruir a vida em busca de um emprego formal. “São salários de dois, três salários-mínimos, que a gente sabe que, hoje, no Brasil, não bancam as contas do mês. E ainda está muito difícil concorrer a uma vaga. Foi por isso que eu acabei focando nas criptos. Mas, agora, sem nada, preciso pagar as contas, preciso sobreviver. Não sobra nenhuma opção a não ser distribuir currículo e tentar arrumar um emprego, seja lá o que for”.

Paulo Barros

Editor de Investimentos