Reforma tributária e revisão de incentivos: quais as ações mais impactadas com essas discussões no radar do mercado?

Fim do JCP, taxação de royalties de empresas de commodities, possível suspensão de isenções fiscais: analistas traçam desenhos de reforma e impacto em ações

Lara Rizério

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Discussões sobre como se dará o aumento da carga tributária para cumprir o arcabouço fiscal na semana passada se uniram ao debate mais extenso sobre a reforma tributária (que voltou a ser monitorada pelo mercado no novo governo) e impactam o mercado de ações.

Nesta terça-feira, em evento, o diretor de Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Rodrigo Orair, disse que há deficiências no modelo atual de juros sobre capital próprio pago pelas empresas a seus acionistas, mas que eventuais sugestões de mudanças no âmbito da proposta de reforma tributária serão definidas no segundo semestre, quando o governo pretende discutir a tributação sobre a renda.

Orair ainda afirmou que a prioridade da equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é discutir a tributação sobre bens e serviços, que pretende ver aprovada neste ano no Congresso.

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Leia mais: Entenda o que é o arcabouço fiscal e qual a sua importância

Olhando para o âmbito das empresas, estão no radar o fim dos JCPs já citados e taxação de royalties são alguns temas sobre a reforma tributária, assim como mudanças nos incentivos fiscais para elevar a arrecadação e cumprir as metas de superávit.

Em relatório, o Morgan Stanley estimou um impacto líquido de uma possível reforma tributária (com um desenho traçado por eles) em -14,3% do market cap (capitalização de mercado) ao somar as 110 empresas brasileiras que o banco cobre, uma vez que elas devem pagar US$ 13,4 bilhões (cerca de 0,7% do PIB) em seu cenário base, e de -11,2% se for reduzido o payout (pagamento em relação ao lucro) dos proventos para 25% e aumento do dinheiro aos acionistas por meio de aumento dos programas de recompras de ações.

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Os detalhes da reforma para as empresas seriam, conforme aponta o Morgan Stanley a) 20% de taxação sobre os dividendos, b) eliminação do benefício fiscal dos juros sobre o capital próprio (JCP), c) royalty de 5% sobre o lucro antes de impostos das empresas de commodities e d) redução em 2 pontos percentuais (p.p.) do IRPJ (Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas), de 34% para 32%.

Os estrategistas do Morgan citam três pontos principais de sua análise, listados a seguir:

1. Necessidade de receita maior. A apresentação do arcabouço fiscal, agora com mais detalhes a serem divulgados em sua apresentação para o Congresso, tem o potencial de reduzir a incerteza macroeconômica, enquanto iniciativas para um aumento permanente da receita tributária são necessárias.

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Eles avaliam que encontrar receitas fiscais adicionais em 1 ponto percentual (p.p.) do PIB não é uma tarefa fácil, e isso ainda seria menos do que os quase 3 p.p. do PIB necessários para fechar a conta fiscal e estabilizar a relação divida/PIB. Além disso, necessitaria de um forte “empurrão” político no Congresso.

2. Premissas da reforma tributária. O impacto líquido de uma potencial reforma tributária, como já citado, seria em 14,3% do market cap no cenário base.

No cenário base, a taxação de dividendos levantaria US$ 7 bilhões por ano (equivalente a 0,37% do PIB), o fim do JCP levaria a um aumento de arrecadação de US$ 6,3 bilhões (0,33% do PIB), enquanto que o royalty sobre commodities arrecadaria US$ 2,2 bilhões (0,11% do PIB), o que iria contrabalancear a redução de 2 p.p. do IRPJ, este último levando a um ganho de US$ 2,1 bilhões para as empresas. Assim, o impacto negativo final seria de US$ 13,4 bilhões.

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3. Cenário alternativo, setores e ações. Em um cenário alternativo em que as diretorias financeiras das companhias redirecionariam os recursos dos dividendos para programas de recompra de ações, a perda anual originalmente estimada em US$ 7 bilhões seria limitada em US$ 4,1 bilhões. O impacto seria de 11,2% neste cenário.

Setores mais impactados

Olhando para os setores, as premissas de reforma tributária impactariam negativamente mais energia/óleo e gás, matérias-primas e empresas financeiras. Já empresas de saúde, indústria e bens de consumo discricionários seriam menos impactadas levando em conta essas premissas do cenário base.

“Por exemplo, calculamos o impacto para energia/óleo e gás, matérias-primas e financeiras equivalente a -25,0%, -17,5% e -16,7% de seus respectivos valores de mercado, enquanto para saúde, indústria e consumo discricionário é equivalente a apenas -3,9 %, -5,1% e -5,5%”, apontam.

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Olhando para as empresas, o banco destaca que Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3) corresponderiam a uma perda conjunta de um terço (ou -5% dos -14,3%) da perda total em market cap do mercado acionário. Além disso, apenas o royalty sobre minério e petróleo corresponde a cerca de 2,5% da perda estimada total para o mercado acionário.

A legislação tributária destacada pelo banco deve impactar negativamente a Randon (RAPT4); -36,1%), a 3R Petroleum (RRRP3;-29,8%) e a Enauta (ENAT3;-29,7%), enquanto a Marfrig (MRFG3;+0,7%), a MRV (MRVE3;- 0,4%) e Locaweb (LWSA3;-0,8%) são as menos.

No cenário alternativo,  haveria redirecionamento dos valores dos pagamentos de dividendos para programas de recompra de ações como um plano livre de impostos alternativo (pelo menos temporariamente) para retornar a acionistas. Por exemplo, se uma empresa tiver um índice de pagamento de dividendos maior do que o mínimo de 25% exigido por lei (ou seja, 75%), deve reduzir seu payout ratio para 25% e redirecionar a diferença (50%) para recompras. Enquanto isso, se uma empresa tiver um dividendo payout igual ao mínimo de 25% exigido por lei não haveria como evitar o imposto.

As empresas de telecomunicações, utilities e do setor financeiro teriam mais espaço para diminuir o impacto do imposto com os programas de recompra. Randon (RAPT4), Caixa Seguridade (CXSE3) e CPFL (CPFE3) teriam mais espaço para essas mudanças, enquanto Yduqs (YDUQ3), Via (VIIA3) e Locaweb (LWSA3) teriam menos.

Revisão de isenções

O Bradesco BBI também aponta que, no âmbito das discussões em curso sobre a âncora fiscal e a Reforma Tributária, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou a possibilidade de rever isenções fiscais para determinados setores e de tributar as apostas eletrônicas em jogos esportivos.

Em 2022, os setores de Transporte e Bens de Capital publicaram alíquotas médias efetivas de imposto de renda de 20% e 21%, respectivamente. A dedução fiscal dos juros sobre o capital próprio explica 9 pontos percentuais (p.p.) de quase 14 pontos da diferença face ao IRPJ total de 34%.

O BBI também destaca que a eventual eliminação dos juros sobre o capital próprio pode ser parcialmente compensada pela redução da alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica.

“Observamos, no entanto, que a eliminação dos juros sobre o capital provavelmente seria proposta após a Reforma do imposto sobre valor agregado (IVA), e a meta do Governo de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões viria de outras fontes”, apontam os analistas do BBI.

Para bens de capital, o setor também conta com benefícios fiscais específicos, como a lei nº 11.196/05, para estimular a inovação tecnológica. Este benefício fiscal representa 5 pontos percentuais da redução da alíquota de IR deste setor.

“No entanto, não esperamos que o Governo Federal suspenda esse incentivo fiscal, devido ao seu valor estratégico para fomentar investimentos”, avaliam os analistas do banco.

A suspensão de outras isenções de imposto de renda não podem ser compensadas pelo Governo Federal. Com base nos resultados de 2022, JSL (JSLG3), Rumo (RAIL3) e Randon (mais uma vez citada) possuem maior exposição a esse risco.

Preços de transferência

Outro tema no radar é sobre a medida provisória que regulamenta os preços de transferência, publicada no fim do governo passado e que altera a regulamentação dos preços de transferência. Isso fez parte dos esforços necessários para que o Brasil ingressasse na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“Esperamos que esta medida provisória seja votada pelo Congresso para transformá-la em lei”, avalia o BBI. Na semana passada, a Câmara aprovou a lei e o Senado tem até junho para votá-la. O próximo passo seria a Receita Federal regularizar esse projeto de lei e então ele seria obrigatório em 2024 ou 2025.

Se assumir que a WEG (WEGE3) aumentará a margem de lucro de 15%, definida pela Receita Federal para todas as empresas, para sua margem bruta de 29% em 2022, a alíquota efetiva do imposto de renda aumentaria 3,5 pontos percentuais, resultando em um impacto negativo de R$ 1,40 por ação WEGE3.

Os preços de transferência são cobrados da empresa em transações no exterior com outras do mesmo grupo, geralmente em condições fora das normais de mercado. A MP estabelece nova sistemática que terá que ser considerada pelas empresas nessas operações.

O Grupo GPS (GGPS3) não possui nenhum benefício fiscal para redução da alíquota de imposto de renda de pessoa jurídica de 34%. No entanto, o BBI ressaltas que a Top Service do Grupo GPS é a única empresa de terceirização de gestão de facilities a se beneficiar de créditos tributários de PIS/Cofins sobre custos de mão de obra. “Em nossa visão, esse benefício poderia ser revogado com a Reforma Tributária para implementar o novo imposto sobre valor agregado (IVA). De acordo com nossas estimativas, essa alteração poderia reduzir nosso preço-alvo em R$ 1,30por ação GGPS3. Por enquanto, nosso modelo mantém nossa alíquota atual de PIS/Cofins”, avalia o banco.

Incentivos fiscais e varejo

Outra discussão que ganhou força logo após o anúncio do arcabouço fiscal e que impactou o mercado na última segunda-feira foi sobre as possíveis mudanças nas regras envolvendo os incentivos do ICMS dados pelos estados às companhias, notoriamente no setor de varejo, o que poderia inclusive afetar o lucro das empresas.

Na véspera, as ações do setor caíram após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dizer em entrevista à GloboNews que uma das ideias do Governo é justamente mexer no incentivo do ICMS, já que a União perde R$ 90 bilhões de arrecadação por ano com a exclusão do ICMS da base de cálculo.

A ideia seria proibir que empresas com incentivos fiscais concedidos por estados, via ICMS, possam abater esse crédito da base de cálculo de impostos federais, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), em casos de atividades de custeio (ou seja, mantendo o benefício apenas em casos de investimentos). O impacto estimado é de R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões em receitas.

O Grupo Soma (SOMA3) chegou a encabeçar a lista de maiores baixas do Ibovespa na última segunda, e ainda que tenha reduzido perdas, fechou o pregão da véspera com queda 5,80%, a R$ 7,64, de olho em como isso pode afetar o lucro. Lojas Renner (LREN3) recuou mais um pouco, fechando em queda de 7%, a R$ 15,41.

Durante a sessão, o JPMorgan divulgou um relatório sobre o tema e apontou que as empresas de varejo em sua cobertura estão significativamente mais expostas do que as de saúde. Importante sinalizar que as discussões em torno da reforma tributária devem trazer ainda mais barulho ao ações, pois devem ir além dos incentivos, avaliam os analistas.

Na cobertura do varejo, as empresas em que os incentivos fiscais mais contribuem para o valor justo dos ativos é a Soma, com 50%, seguida por Vivara (VIVA3) em 44%, enquanto há o argumento de que os incentivos relacionados à Zona Franca de Manaus seriam preservados (caso da Vivara). Na sequência, estão Arezzo&Co (ARZZ3) com 27%.

Petz (PETZ3), Natura&Co (NTCO3), Magazine Luiza (MGLU3) e Carrefour Brasil (CRFB3) possuem contribuição zero ou insignificante desses incentivos para o valor justo das ações.

No setor de saúde, Hypera (HYPE3) e Viveo (VVEO3)  têm 30% e 23% do valor justo provenientes de incentivos fiscais, sendo os dois únicos da cobertura do banco no setor que possuem exposição direta relevante a incentivos fiscais.

Impactos no longo prazo

Os números apresentados até aqui podem indicar impactos negativos para alguns setores, mas o Morgan Stanley destaca os benefícios de uma reforma tributária feita de forma a corrigir a redução das distorções fiscais do complexo sistema tributário, citando assim os estudos de Borges (2020) e Domingues e Freire (2019) sobre o tema.

A má alocação de capital ocorre nos níveis federal e estadual no Brasil. No nível estadual, o fato de o imposto estadual (ICMS) ser cobrado na origem dos produtos e não no destino cria uma competição entre os estados para atrair produtores, na tentativa de aumentar suas receitas.

Além disso, na esfera federal, a economia conta com diversos benefícios fiscais federais – IPI, PIS e Cofins – direcionados a itens específicos, como fertilizantes e itens da cesta básica (incluindo arroz, carne, manteiga etc.). A reforma eliminando estas distorções e assim reduzindo materialmente a má alocação de capital pode desencadear um aumento do investimento através da melhoria dos negócios, cita o Morgan.

O impacto direto deve ser sentido mais claramente no longo prazo do que no curto prazo. A razão para esse impacto de longo prazo é que a reforma tributária tem um longo período de transição – 10 anos – para que os agentes econômicos se acostumem com as mudanças e o governo tenha a oportunidade de analisar o poder e a sensibilidade de novas alíquotsa, substituindo parcialmente as existentes.

“Como consequência, o impacto do novo sistema de arrecadação nos primeiros anos após a aprovação da reforma deve ser muito limitado e, portanto, dificilmente aumentará a arrecadação nos próximos quatro anos, durante o atual governo”, avalia o banco.

Contudo, os efeitos indiretos podem aparecer muito antes. Isso pode vir tanto do risco-país mais baixo quanto das taxas de juros de longo prazo. Enquanto isso, o Brasil pode enfrentar uma melhora na relação dívida bruta/PIB à medida que o PIB potencial começar a aumentar, mantidos os outros fatores constantes.

Esses efeitos podem alimentar as expectativas dos agentes econômicos, potencialmente melhorando a precificação de mercado e resultando em uma maior taxa de investimento no Brasil. Borges (2020) estima que esses efeitos indiretos podem aumentar em até 12% o PIB potencial nos próximos quinze anos.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.