Por trás da queda da Voyager: a empresa de criptomoedas que agiu como um banco e faliu

Empresa que chegou a ter 3,5 milhões de usuários sofreu com queda do mercado e entrou com pedido de recuperação judicial nos EUA

CoinDesk

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Em seu auge, a empresa de empréstimo e rendimento com ativos digitais Voyager Digital ostentou 3,5 milhões de usuários (próximo do que a Coinbase tinha em 2015) e US$ 5,9 bilhões em ativos, comparável a um pequeno banco regional ou a uma respeitável empresa de gestão de patrimônio nos Estados Unidos.

Cerca de 97% dos clientes da Voyager tinham menos de US$ 10 mil investidos na plataforma, sinalizando uma ampla base de investidores pessoas físicas. Era uma potência no setor de empréstimos e negociação de criptomoedas – uma das poucas corretoras de ativos digitais listadas em bolsa (no Canadá, não nos EUA, onde fica a sede da empresa).

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Mas, tudo mudou recentemente. A empresa sediada em Nova Jersey, nos EUA, agora é conhecida por ter feito imensos empréstimos sem garantias ao Three Arrows Capital (3AC) – hedge fund cripto que passa por processo de falência e parece ter deixado de cumprir todas as suas obrigações – além disso, os fundadores supostamente sumiram.

Isso por si só já seria problema e tanto. Mas, em 1º de julho, a Voyager congelou o dinheiro dos clientes e poucos dias depois, entrou com pedido de recuperação judicial em Nova York, em busca de uma reestruturação.

A Voyager está agora em uma situação delicada. “Os devedores estão enfrentando uma ‘corrida ao banco’”, afirmou a empresa em comunicado apresentado por Steve Ehrlich, CEO da empresa, no processo de falência.

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Como uma empresa de empréstimo de criptomoedas que já foi gigantesca e bem conceituada chegou aqui? Em resumo: a Voyager era muito boa em atrair dinheiro, mas nem tanto na hora de emprestá-lo.

Por que a Voyager faliu?

Segundo descreve o CEO da Voyager no processo de falência da empresa, tudo começou com o colapso do ecossistema da blockchain Terra (LUNA) e o contágio que se seguiu.

A Voyager se apresenta hoje como uma vítima do “criptopocalipse”, não por conta de qualquer exposição direta a ativos como a stablecoin TerraUSD (UST) e o token LUNA, mas porque teria tido “azar” com parceiros de negócios.

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A Voyager disse que mudou rapidamente suas estratégias para se proteger quando o inverno cripto começou no início de 2022, em parte reduzindo empréstimos e mitigando riscos. Esse esforço foi bem-sucedido “na maioria dos casos” e conseguiu segurar a empresa por um tempo.

Mas em junho, as coisas azedaram. O Three Arrows Capital (3AC), que tinha empréstimos em todo o setor e investimentos na indústria inteira “estava correndo o risco” de não honrar seus pagamentos. Suas próprias posições no token LUNA, por exemplo, haviam implodido em um buraco negro de perdas.

E não para por aí. O Three Arrows também estava afundado em posições de Staked Ether (stETH), um derivado de ETH, e em cotas do Grayscale Bitcoin Trust, o maior fundo de Bitcoin (BTC) do mundo – ambos com problemas de liquidez quando o mercado começou a desabar.

Como funcionava a Voyager?

Para entender o colapso da Voyager, primeiro é preciso compreender como ela realmente funcionava.

Para os depositantes, parecia muito com um banco, mas com algumas diferenças. Em uma ponta, os usuários depositavam criptomoedas em vez de dinheiro.

Na outra, enquanto um banco de verdade pode gerar receita transformando depósitos em empréstimos para habitação, por exemplo, a Voyager estava envolvida (ao que parece) em empréstimos muito mais arriscados.

A Voyager é uma das várias instituições de criptomoedas de varejo que geram juros sobre depósitos ao emprestar criptoativos a traders e instituições. Empresas de investimento e hedge funds, como o Three Arrows Capital, lançam mão desses empréstimos para fazer grandes negócios.

Eles recebem capital de plataformas como a Voyager, compram ou vendem uma grande quantidade de ativos arriscados, investem em empresas em estágio inicial (early stage) – e, se tudo der certo, obtêm retornos altíssimos com relativa rapidez.

Alguns desses retornos voltam como pagamentos de juros para as plataformas de empréstimo que, por sua vez, repassam uma fatia dos juros aos clientes. A Voyager funcionava assim.

Para quem deposita as criptomoedas, esse processo é quase irrelevante – e, com certeza, não é transparente. Tudo o que os clientes veem é um bom retorno no fim do dia – até algo dar muito errado.

Quando os preços dos ativos caem ou quando alguém deixa de pagar um empréstimo alto, os credores ficam com buracos nos balanços. E foi o que aconteceu, de forma sistêmica, não apenas com a Voyager, mas também com a Celsius e com a Babel Finance, todas com saques congelados e, aparentemente, insolventes.

Como terminou

Para entender porque o negócio ficou insustentável, é preciso checar as taxas pagas pelos tomadores dos empréstimos.

Segundo comunicado do CEO da Voyager, a Genesis pagava 13,5% de juros e a Alameda Research até 11,5%. Já o Three Arrows Capital desembolsaria apenas 10% sobre os mais de US$ 650 milhões emprestados. A Voyager depositou no 3AC uma confiança acima da média, fornecendo seu maior empréstimo e sem exigir garantias.

Mas isso não foi um problema inicialmente. Durante a pandemia, com o boom das meme stocks impulsionado pelos investidores de varejo, com a compra de ações da GameStop até Dogecoin (DOGE), o modelo de negócios das empresas de empréstimos de cripto foi um sucesso.

Entre 2020 e o começo de 2022, a Voyager saltou de 120 mil para 3,5 milhões de usuários, beneficiada pelas baixas taxas de juros nos EUA e pelo entusiasmo com relação às criptos.

Mas, como fazem as bolhas, essa também estourou e, no final de 2021, os ativos começaram a perder valor. A guerra na Ucrânia, o aumento da inflação e o aumento dos juros nos EUA abalaram ainda mais as criptomoedas. Entre novembro de 2021 e abril de 2022, os preços dos criptoativos caíram, em média, cerca de 33%.

Efeito dominó

Foi então que, a partir do início de maio, a stablecoin UST iniciou uma “espiral da morte” que eliminou bilhões de dólares da economia global de criptomoedas. Em poucos dias, uma blockchain que Ehrlich afirmava ser “amplamente vista como um projeto promissor” foi praticamente destruída.

Enquanto isso, dois buracos estavam se abrindo. A partir do início de 2021, as cotas do fundo Grayscale Bitcoin Trust (GBTC) começaram a ser negociadas com preço bem abaixo do Bitcoin, o qual deveria rastrear. Já o stETH começou a ser negociado com desconto em relação ao ETH.

Ambos os movimentos significavam que os investidores teriam que arcar com grandes perdas se quisessem transformar posições nesses ativos em dinheiro vivo.

Um dos grandes detentores de GBTC e stETH era justamente o Three Arrows Capital, que acabou também perdendo US$ 200 milhões em Luna quando o projeto Terra colapsou. Mas a Voyager já havia emprestado US$ 350 milhões em USDC e 15.250 BTC para o Three Arrows.

Com isso, US$ 650 milhões da Voyager, incluindo muitos depósitos de clientes, simplesmente desapareceram. A queda do projeto Terra levou ao default do 3AC, que derrubou a Voyager. Um efeito dominó.

Contágio continua

Para evitar maiores perdas, a Voyager negociou, em meados de junho, um empréstimo de quase US$ 500 milhões com a Alameda, uma grande firma de trading ligada ao bilionário Sam Bankman-Fried, destinado a apoiar as finanças de curto prazo da empresa.

Na melhor das hipóteses, seria uma solução paliativa para problemas de liquidez alimentados pelo contágio exacerbado da maior perda do mercado de criptomoedas.

Para piorar as coisas, a Celsius, outra gigante de empréstimos de criptomoedas, estava desmoronando ao mesmo tempo. A plataforma congelou os saques de clientes em 12 de junho, abalando a confiança mais ampla nos credores e nos mercados – até pedir falência nesta quinta-feira (14) nos EUA.

A situação levou os clientes da Voyager a correrem em busca de segurança. A redução dos limites diários de saques de US$ 25 mil para US$ 10 mil em 23 de junho pretendia interromper as retiradas e ganhar tempo para a empresa.

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Mas, não foi suficiente diante do que Ehrlich descreve como “uma onda de saques” que ameaçava “a capacidade da empresa de atender os clientes que permaneceram em sua plataforma”. A Voyager entrou então no que pode ser descrito como “modo pânico”.

Após o empréstimo da Alameda, a assessoria contratada pela Voyager conseguiu chegar a “60 potenciais parceiros financeiros e estratégicos” – ou seja, potenciais compradores – de acordo com o CEO. No final, apenas uma proposta surgiu, mas a oferta era muito baixa e nenhuma outra opção apareceu.

“Ficou claro que uma potencial transação estratégica só surgiria depois que a empresa solicitasse a ajuda da lei de falências”, disse Steve Ehrlich, CEO da Voyager.

Nos tribunais, a Voyager diz que planeja voltar, e que uma reestruturação permitiria à empresa se livrar de dívidas e se reerguer, em vez de ter que liquidar seus ativos.

Um plano de reestruturação anunciado na segunda-feira (11) compensaria os usuários com ações e tokens da Voyager. Mas, é improvável que isso deixe os usuários particularmente felizes, embora possa dar a eles um incentivo para continuar usando o serviço.

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