Por que as bolsas dos EUA e do Brasil sobem apesar da pandemia ainda longe do fim – e o que esperar

Aumento da liquidez com estímulos, alguns sinais de retomada econômica e esperança por vacina motivam alta do mercado - mas há muitas incertezas no radar

Lara Rizério | Anderson Figo

(Foto: Getty Images)

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SÃO PAULO – Recorde de casos em um país, mortes constantemente acima de mil por dia em outro, mostrando que a pandemia ainda está longe do fim, conforme ressaltou a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) -, mas as bolsas em alta. Os dois países com o maior número de casos e mortes por coronavírus, Estados Unidos e Brasil, também veem as suas bolsas registrarem altas expressivas, inclusive no período em que a crise se tornou mais aguda.

Em 23 de março, quando atingiram suas mínimas em 2020, os índices americanos Dow Jones e S&P 500 acumulavam perdas de mais de 30% no ano, enquanto a Nasdaq caía 23%. Os investidores estavam assustados com o aumento disparado de casos de Covid-19 na Itália e o alto potencial de disseminação da doença pelo mundo, a partir da Europa.

Desde então, contudo, as Bolsas americanas passaram por uma forte retomada, subindo mais de 30% cada uma. O desempenho mais expressivo tem sido da Nasdaq, que não só devolveu toda a perda de março como também atingiu sua máxima histórica nesta semana, acima dos 10 mil pontos, acumulando ganho de mais de 10% em 2020. Já o S&P 500 está bem perto de zerar seu desempenho no ano, enquanto o Dow Jones reduziu a perda para menos de 10% em 2020.

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Já no Brasil, desde a mínima atingida também no fatídico 23 de março, registrou ganhos de 57% em moeda local, voltando ao patamar dos 100 mil pontos no fechamento de sexta-feira (10).

No caso do Brasil, alguns pontos ajudam a explicar a alta recente das ações. O recorde de estímulos para atenuar os efeitos do coronavírus que, em um primeiro momento, favoreceu os mercados desenvolvidos, também impactou os emergentes, que sentiram posteriormente o impacto das políticas dos governos e bancos centrais. Isso não só através da forte liquidez mundial, mas também com as políticas locais para amenizar a queda do PIB.

Um exemplo disso é que, de acordo com estudos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a injeção de recursos por meio do auxílio emergencial e da ampliação do Bolsa Família — R$ 122,17 bilhões até 3 de julho — ameniza em dois pontos percentuais a queda do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro prevista para este ano. Isso porque a transferência de recursos para famílias com renda mais baixa leva a um aumento praticamente imediato na demanda.

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Alguns dados mostram esses sinais de recuperação da demanda, que deve ter atingido o fundo do poço em maio, sendo também influenciada por reabertura da economia em alguns locais, o que gerou maior ânimo aos investidores e até perspectivas de revisões para cima do PIB por diversas casas de análise.

Conforme aponta a equipe de análise econômica do Bradesco, merece destaque o forte avanço dos indicadores de confiança em maio e junho, ainda que a elevação seja majoritariamente puxada pelos componentes de expectativas. Indicadores de maior frequência, como gastos com cartões de débito e de crédito, tráfego de veículos e circulação de pessoas também sugerem recuperação, refletindo as reaberturas de diversas localidades do país e novas formas de negócios, como intensificação do e-commerce, entregas e drive thru.

“Ademais, as surpresas positivas com a produção industrial e as vendas do varejo em maio não só reforçam que abril foi o pior mês para nossa economia, como também são mais um vetor que aponta para menor queda do PIB no segundo trimestre, em comparação com a anteriormente esperada”, avalia a equipe de análise econômica. As vendas do varejo subiram 13,9% em maio na comparação com abril (bem acima do esperado), enquanto a produção industrial teve alta de 7% (em linha com o esperado).

O ritmo de retomada é bastante similar ao visto no restante do mundo, ainda que a nossa economia seja relativamente fechada – o que também impulsiona o mercado por aqui. Além disso, a retomada da economia global, principalmente da China, e o desempenho positivo do setor agropecuário têm beneficiado as exportações.

Além desses últimos dados da economia terem reforçado o cenário de que “o pior já passou”, apesar do número bastante expressivo de casos, o ambiente de juros baixos leva os investidores a diversificarem as suas aplicações.

Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que representa o setor, a captação líquida foi de R$ 50,1 bilhões no mês passado. Além do estímulo dos juros historicamente baixos, com a taxa referencial Selic a 2,25% ao ano, houve uma mudança no comportamento dos investidores, ressalta a Levante Ideias de Investimento. Nesta crise, o investidor brasileiro manteve as aplicações em fundos mais arriscados, como os fundos de ações e os multimercados.

Os fundos de ações não apresentaram resgates líquidos em nenhum dos meses do primeiro semestre, embora as captações tenham desacelerado entre os meses de abril e de junho. Desde janeiro, esses fundos captaram R$ 49,5 bilhões líquidos. Os fundos multimercados captaram R$ 30,9 bilhões, ficando em segundo lugar.

Vale destacar que, desde o início do ano, houve entrada recorde de pessoas físicas na B3, o que ajudou a atenuar o efeito da saída de investidores estrangeiros. Além dos juros baixos, em relatório recente, o Itaú BBA destacou que i) uma nova geração de investidores que é muito mais propensa a experimentar alternativas de investimento (como ações) e ii) plataformas de distribuição que facilitaram o acesso a produtos de investimentos ajudam a explicar esse movimento. A B3 atingiu em junho 2,648 milhões de investidores ativos pessoas físicas.

Jorge Junqueira, sócio da Gauss Capital, reforça que, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, há muitas pessoas físicas participando do mercado, diretamente ou indiretamente, através de fundos. “Os preços baixos das ações são atraentes para elas. Há também que ser considerado o custo de oportunidade: os juros no Brasil estão muito baixos. Em uma conta rápida, toda vez que a gente vê uma queda de 0,1% dos juros longos, a Bolsa deveria se apreciar 1%”, avalia.

“Claramente, os investidores estão adotando uma lente otimista para interpretar os dados econômicos. Decerto, o baixo custo de oportunidade, representado pela Selic próxima de 2% ao ano, contribuiu de forma determinante para essa postura. O fluxo de investidores individuais foi fortemente positivo nos meses de março/abril e continuou robusto em maio/junho. No mês, houve uma entrada de R$ 3,6 bilhões. O comportamento deste segmento pode ser considerado atípico na atual crise”, avalia Frederico Sampaio, diretor de investimentos da Franklin Templeton no Brasil, em carta mensal aos investidores.

Para Junqueira, contudo, as ações de injeção de dinheiro na economia pelo Banco Central foram positivas, mas não bastaria se não houvesse perspectivas de juros menores. “Houve uma mudança estrutural no nosso juro. O nosso portfólio tem um quarto de sua composição alocada em ativos que se protegem de uma eventual inflação, mas não vemos isso acontecendo. E, enquanto não há inflação, os juros podem continuar baixos”, afirma.

Além disso, o Banco Central tem ido além de injetar dinheiro, tem tomado medidas que estão desburocratizando setores, reduzindo spreads do setor financeiro, isso tudo torna o ambiente melhor para as empresas e para as pessoas, reforça.

Incertezas no radar

Para os Estados Unidos, Junqueira destaca alguns pontos que têm sido emblemáticos nessa trajetória de recuperação. Um é o avanço do mercado online, das empresas de tecnologia, que disparou. “Mas não foram só ações, esse mercado tem crescido suas receitas também em um ritmo muito mais acelerado do que o comum, por isso não entendo que estejamos criando uma bolha”.

Por outro lado, há preocupação com as empresas entrando em recuperação judicial. “Por lá, a Hertz vinha em alta na bolsa e até ia fazer uma emissão de ações para pagar sua dívida. Quando entrou em recuperação judicial, suas ações valiam cerca de US$ 1, mas nos dias seguintes subiram para cerca de US$ 5, sendo que a oferta pública foi barrada pelo órgão regulador”, ressalta Junqueira.

Assim, o maior ânimo dos mercados no Brasil e nos EUA também pode revelar uma certa fragilidade na trajetória de recuperação.

Para Otavio Costa, gestor da Crescat Capital, a disparada das Bolsas americanas se deu principalmente apoiada na enxurrada de dinheiro que o Federal Reserve (banco central dos EUA) despejou na economia, através de programas para combater os efeitos negativos da crise. São trilhões de dólares que, na visão dele, ofuscam o fato de as empresas e o próprio governo americano estarem quebrados.

“A impressão monetária [injeção de dinheiro] acaba não arrumando o problema econômico, não há crescimento orgânico. O déficit do governo deve continuar”, disse. “Investidores iniciantes estão tomando riscos desnecessários, comprando empresas que estão indo à falência, que estão sendo negociadas a 160 vezes seu lucro anual”, completou.

O setor de tecnologia foi um dos que mais subiu recentemente — as ações da Zoom, por exemplo, uma empresa que disponibiliza uma plataforma online para videoconferências, saíram da casa de US$ 67 no fim de dezembro para os atuais US$ 266. Em maio, a empresa chegou a valer mais do que as sete maiores companhias aéreas do mundo juntas.

O estrategista-chefe da Avenue Securities, William Castro Alves, concorda que os preços de muitos papéis nas Bolsas americanas, especialmente no setor de tecnologia, estão esticados e descolados dos fundamentos. No entanto, ele ainda enxerga oportunidades nos demais setores.

“Apesar de a gente ver o Nasdaq batendo recordes e diversas empresas de tecnologia com preços bastante esticados, há companhias que não surfaram tanto essa onda e que podem, sim, ter uma oportunidade de entrada. Alguns nomes que não participaram desse ‘oba oba’, estão Disney e Coca-Cola”, afirmou.

“Hoje em dia, o investidor consegue ter exposição a setores promissores através de ETF, sem ter a necessidade de fazer o stock picking”, destacou. “Há alguns riscos para a sustentação desse movimento de alta do mercado. Há o risco de China, aumento do embate com os EUA. Há o risco de valuation, claro, concordo que há papéis com preços muito esticados. E há o risco das eleições presidenciais nos EUA em 2020, os protestos e a piora econômica. Meu contraponto é que a economia americana é muito dinâmica e se recupera rápido”, concluiu.

O que esperar?

Assim, apesar do maior ânimo dos investidores, a fragilidade da recuperação econômica – ainda mais levando em conta o risco de futuros lockdowns gerando, novamente, paralisia da atividade -, é um risco considerável tanto para o mercado brasileiro quanto para o americano, sendo em grande parte o motivo para a volatilidade do mercado.

Com isso, há quem veja com cautela o ambiente de maior otimismo dos investidores.

“Continuamos acreditando que o movimento recente foi muito forte, dadas as incertezas ainda presentes no cenário econômico. Neste sentido, não participamos do movimento do mercado de ‘tomada de risco’ e continuamos privilegiando empresas com perspectivas de consistência de resultados e com valuation normalizados atraentes, ainda que não tenham boas perspectivas no curto prazo”, afirma Sampaio, da Franklin Templeton.

Na mesma linha, a gestora Verde Asset destacou em carta enviada a cotistas que, apesar da forte valorização do mercado, o grau de incertezas aumentou “de maneira importante”, chamando a atenção para a segunda onda de contaminações pelo coronavírus nos Estados Unidos, em especial em estados como Texas e Flórida.

Segundo a gestora, enquanto grupos de pessoas ao redor do mundo decidirem não usar máscaras e frequentar lugares fechados, uma queda sustentada dos números de novos casos de Covid-19 deve ser mais difícil.

No Brasil, dado o contexto da pandemia ainda sem sinais evidentes de desaceleração, a Verde avalia que o risco político está reduzido, dada a “guinada na direção do modelo histórico de presidencialismo de coalizão”, mas as sequelas fiscais dos gastos da pandemia deverão permanecer por muitos anos.

Reforçando a maior cautela, estrategistas de mercado, segundo pesquisa feita pela Bloomberg, esperam em média que o Ibovespa encerre o ano a 100 mil pontos.

“Em uma escala de 0 a 10 — com 10 sendo mais otimistas –, estamos 6 em Brasil”, disse Daniel Gewehr, estrategista do Santander. Ele cita como preocupação a diferença entre o crescimento esperado para os lucros das empresas e para a economia. Enquanto o consenso projeta uma taxa de crescimento anual composta de -1% para o PIB brasileiro em um período de dois anos, a projeção para os lucros corporativos é de +4,9%.

Além disso, a retomada da agenda de reformas, que foi deixada em segundo plano em meio à crise, também é vista como crucial para uma melhora sustentável no longo prazo. “O debate voltou à mesa, mas ainda não temos a convicção de que uma série de reformas ocorrerá em 2020”, disse David Beker, estrategista de ações para América Latina do Bank of America.

Contudo, eles acreditam que há oportunidades no mercado de ações nacional. Vale (VALE3), Petrobras (PETR4), BTG Pactual (BPAC11) e Lojas Renner (LREN3) estão entre as preferências do Morgan Stanley, enquanto o JPMorgan recomendou que os investidores foquem em nomes que foram muito descontados recentemente. Os nomes “baratos” incluem Banco do Brasil (BBAS3) — que negocia abaixo de seu valor patrimonial — e GPA (PCAR3) — que acumula queda de quase 20% no ano.

Já análise feita pela Oxford Economics aponta que ações cíclicas e mercados no Canadá, Brasil e Europa podem liderar a próxima etapa do rali do mercado de renda variável, à medida que os ganhos nos EUA começarem a desacelerar. Afinal, apesar do rali desde a mínima atingida ao final de março, a bolsa brasileira segue sendo uma das piores do mundo em dólares.

“Os papéis cíclicos, da “velha economia” provavelmente liderarão a próxima etapa do mercado em alta”, destacou o estrategista Daniel Grosvenor em nota publicada na última semana. “Esses setores parecem baratos e devem cada vez mais se beneficiar de uma aceleração no ciclo de crédito da China”. Grosvenor atualizou o setor de commodities para overweight (exposição acima da média do mercado) e reduziu o setor de healthcare para neutro. Os mercados de Brasil e Canadá foram elevados para overweight.

Já Mark Mobius, considerado o guru dos mercados emergentes, avalia que a recuperação do mercado acionário brasileiro ainda tem fôlego e o índice Ibovespa deve retornar à máxima histórica até o fim do ano. “Estou positivo com o Brasil”, disse Mobius, em entrevista à Bloomberg. Entre as ações de companhias brasileiras, Mobius tem focado em empresas de varejo, internet e tecnologia.

O otimismo é escorado pelo cenário de juro baixo e pelo fato de que um ‘shutdown’ da economia como visto em outros países não se materializou, segundo ele. Alguns estados, incluindo São Paulo, já começaram a retomar gradualmente os negócios.

Contudo, vale destacar: enquanto os setores de varejo e a indústria mostram uma recuperação mais forte, o setor de serviços registrou em maio uma queda de 0,9% na base mensal, na quarta baixa seguida, jogando um balde de água fria em quem previa uma recuperação generalizada e forte da economia brasileira.

Além disso, uma recuperação modesta vista em maio mostrou perda de força em junho, conforme afirmou recentemente o diretor do Banco Central Fabio Kanczuk, descartando a possibilidade de uma recuperação em forma de “V“.

“Como descobriram os donos de empresas que estão tentando retomar as operações, o medo de ser contaminado pelo vírus mantém muitos clientes em casa, mesmo com a reabertura das lojas”, destacou recentemente reportagem da Bloomberg em que traçou um panorama sobre o “fator medo” também afetando a retomada.

“A velocidade que os mercados se recuperaram e a diferença com a economia real nunca foi tão acentuada”, aponta Leonardo Linhares, sócio da SPX.

Dessa forma, a grande esperança de uma recuperação mais forte dos mercados e da economia globais fica para vacinas e/ou medicamentos que sejam capazes de combater e tratar o novo coronavírus. Aliás, a notícia de que o medicamento remdesivir, da Gilead Sciences, reduziu o risco de mortalidade de pacientes com Covid-19 em 62% em comparação com o tratamento padrão foi o grande catalisador para que o  Ibovespa voltasse aos 100 mil pontos e para que as bolsas americanas tivessem um dia de fortes ganhos na última sexta-feira. Além disso, há mais de cem vacinas em estudo, sendo que 21 delas já são testadas em humanos.

Contudo, ainda pode demorar para que alguns desses tratamentos sejam viabilizados para a população em geral. Até lá, ainda que as bolsas continuem em trajetória de ganhos, as incertezas sofre a pandemia também devem seguir impactando os mercados, principalmente em meio aos temores por uma segunda onda.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.