8 pontos para entender a regulação de criptomoedas aprovada na Câmara

Texto prevê licenças para corretoras e novos tipos penais; entenda esses e outros trechos da lei

Paulo Barros

Plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Beto Barata/Agência Senado)

Publicidade

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (30), após sete anos de discussões, o marco regulatório do mercado de criptoativos no Brasil. O Projeto de Lei nº 4.401, de iniciativa do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade), já havia passado pelo Senado e, por esse motivo, segue diretamente para sanção presidencial. Após sancionada a promulgada, a nova lei entra em vigor dentro de seis meses.

Defensora ferrenha de que a votação acontecesse antes do final do ano, a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), que engloba algumas das principais exchanges de criptomoedas com atuação no Brasil, comemorou a aprovação afirmando que a lei “estabelece regras claras quanto às responsabilidades das empresas e do regulador”, ressaltando que se trata de um “primeiro passo de muitos que serão dados em relação à criptoeconomia no Brasil”.

Mas, que regras claras são essas? Confira, a seguir, os principais pontos trazidos pelo projeto que deve virar lei em breve.

Masterclass

As Ações mais Promissoras da Bolsa

Baixe uma lista de 10 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de valorização para os próximos meses e anos, e assista a uma aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

1. Corretoras precisarão de licença

A nova lei tem impacto principalmente nas empresas que atuam no setor de criptoativos, como as exchanges, criando a figura das prestadoras de serviços de ativos virtuais. Pela nova lei, corretoras cripto precisarão solicitar licença para operar no país, a exemplo de instituições financeiras. As empresas também serão obrigadas a ter CNPJ e a se reportar a órgãos como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

No entanto, os detalhes para a obtenção da licença ainda serão definidos no ano que vem pelo órgão supervisor que será designado pelo Poder Executivo, provavelmente o Banco Central. Até que essas normas sejam divulgadas, corretoras de criptomoedas que não têm presença no Brasil podem continuar operando normalmente sem, com isso infringir, a lei, como é o caso de Binance.

2. Banco Central e CVM deverão regular

A regulação delimita o escopo de atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apenas para criptos enquadradas como valores mobiliários. Recentemente, a autarquia divulgou um documento em que lista características que ajudam a definir se um criptoativo precisa de aval do órgão antes de ser emitido ou ofertado no mercado.

Continua depois da publicidade

“O fato de adicionar a CVM em casos mais específicos será saudável para o mercado e dará mais segurança aos investidores”, opina José Artur Ribeiro, CEO da Coinext. “Na prática, todas as exchanges já estavam sujeitas a algumas regras do mercado financeiro se oferecessem valores mobiliários. O projeto só torna um pouco mais claras essas condições”.

Já o Banco Central sai na frente como principal candidato a ser designado pelo Executivo para liderar a criação de normas específicas que deverão reger, por exemplo, o sistema de licenças. Espera-se que o BC lidere audiências públicas onde serão discutidas normas como, por exemplo, a exigência de capital mínimo ou de auditoria periódica, entre outros possíveis requisitos para liberação de exchanges no país.

3. Exchanges licenciadas só em 2024

Agora que já passou pelo Senado e pela Câmara, o PL foi encaminhado à Presidência e poderá ser sancionado ainda em 2022, o que o faria entrar em vigor entre maio e junho de 2023 – ou seja, 180 dias após sua promulgação, como prevê o texto aprovado pelo Congresso.

A existência de licença para exchanges, no entanto, que é a principal mudança proposta pela lei, ainda deve demorar mais tempo para sair do papel.

Após a lei começar a vigorar, o Banco Central terá mais seis meses para divulgar as normas do licenciamento, ou seja, até o final de 2023. O BC pode ainda trazer novos prazos para pedidos e análise de licenças, fazendo com que a primeira exchange devidamente regulada do Brasil surja possivelmente apenas em 2024.

Até a divulgação do regramento das licenças pelo BC, exchanges estrangeiras deverão poder continuar a operar normalmente no país, como acontece hoje.

4. Nada muda por enquanto para o investidor

Do ponto de vista do usuário, nada muda para quem apenas compra e vende criptos. Permanece, por exemplo, a obrigatoriedade de declarar ativos digitais como bens no Imposto de Renda, e os ganhos de capital provenientes do trade de criptos mensalmente à Receita Federal.

Segundo especialistas, o principal benefício está na possibilidade de cobrar autoridades de maneira mais clara em caso de problemas com prestadoras de serviços, uma vez elas sejam obrigadas a operar com licença.

“Há uma previsão de incidência do código de defesa do consumidor nas relações entre esses investidores e os prestadores de serviços de ativos virtuais. Então nesse sentido há uma proteção daquelas pessoas que têm menos informação e sabem menos sobre a tecnologia, a natureza e a complexidade desses serviços”, explica Isac Costa, do Ibmec.

Ainda assim, investidores só poderão cobrar por eventuais perdas em crimes tendo como base a nova lei a partir de meados de 2023, e exchanges licenciadas poderão ser acionadas na Justiça, possivelmente, só em 2024.

5. Proteção ao investidor é limitada

Os deputados votaram pela rejeição da chamada segregação patrimonial, dispositivo que obrigaria exchanges a separar recursos próprios de contas de clientes. O tema é defendido principalmente por corretoras nacionais e atacado pelas plataformas globais.

A solução, que acabou ficando de fora da matéria aprovada, é apontada por especialistas como benéfica por criar barreiras para o possível uso indevido do dinheiro de investidores, como aconteceu com a FTX, que faliu após usar criptos depositadas por usuários em operações alavancadas.

“[Com a segregação patrimonial], a FTX não poderia dispor dos recursos dos clientes, que estariam em contas de depósitos submetidas a determinadas restrições. Na prática, a segregação patrimonial garante que os patrimônios sejam distintos e, diante de uma situação de insolvência, você pode pedir imediatamente a restituição do que é seu”, explicou o advogado Isac Costa, professor do Ibmec, em entrevista o Cripto+ (assista a íntegra no player abaixo).

“O grau de proteção a ser dado aos investidores será conferido pelo órgão regulador, de modo a evitar aventuras financeiras com as que resultaram na falência de gigantes do mercado como a FTX e a BlockFi”, avalia Thiago Barbosa Wanderley, advogado sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados.

Ele faz referência à possibilidade de o BC retomar a discussão sobre a segregação em 2023, exigindo que a prática seja um requisito para conceder licença a exchanges. Analistas, no entanto, avaliam que o tema é delicado, e que, mesmo com o BC encampando a volta desse trecho, quem se opuser a ele poderá fazer a exigência cair por meio de medidas judiciais.

A exigência da segregação, de qualquer forma, é vista ainda como algo indefinido e que deve dominar a discussão sobre a regulação do setor no ano que vem.

6. Capacidade de atração de investimentos divide opiniões

Para Juliana Walenkamp, diretora de vendas institucionais da custodiante BitGo, a lei é positiva da maneira como foi aprovada, pois traz algum tipo de proteção ao investidor e a empresas do setor que querem entrar no Brasil. “A grande questão é entender quais organizações estarão dentro dos parâmetros de avaliação de qualidade e de segurança [em relação a] possíveis medidas que conseguem proteger os clientes em caso de falência”, explica.

Guilherme Rebane, head da OSL para a América Latina, aponta que a aprovação do projeto de lei abre caminho para, a curto e médio prazo, acelerar a entrada de instituições financeiras e empresas, aumentando ainda mais o interesse de players estrangeiros em relação ao Brasil. “Temos agora um horizonte muito positivo que deve não só trazer maior segurança a consumidores, como pode aumentar a confiança para investidores institucionais para que grandes empresas e instituições financeiras entrem nesse mercado”.

Por outro lado, Alexandre Ludolf, diretor de investimentos da QR Asset, põe em dúvida o potencial da nova lei para atração de investidores no curto prazo. “O impacto imediato de mais acesso dos investidores institucionais será limitado. Principalmente porque arcabouços regulatórios globais como da NYDFS/BitLicense do estado de Nova York, nos EUA, que obriga a segregação da custódia de clientes, são mais sólidos e oferecem melhores proteções aos investidores”.

7. Pena maior para crimes com criptos

Quem aplica golpes utilizando ativos virtuais também passa a ser passível de pena majorada em um a dois terços por crimes contra o sistema financeiro. A lei introduz ao Código Penal o crime de fraude na prestação de serviços de ativos virtuais, que começará a vigorar em meados de 2023, seis meses após a promulgação da lei.

A novidade é comemorada por parlamentares que defendem um combate mais efetivo a golpes com criptomoedas, como nos casos do Faraó do Bitcoin e, mais recentemente, do Sheik das criptomoedas, acusados de operar esquemas de pirâmide.

Por outro lado, segundo especialistas, ainda não se sabe qual esfera seria competente para julgar os crimes. “Causa grande insegurança jurídica tanto para os intervenientes como para os próprios fiscalizadores”, comenta Victor Jorge, professor da FGV e sócio do escritório Jorge Advogados.

8. DeFi continua não regulado

Um dos pontos silentes do marco regulatório é sobre temas específicos do mundo cripto, como NFTs, DeFi e Web 3, que não foram mencionados no texto. Espera-se, porém, que o Banco Central possa criar regras que esbarrem nesses setores e afetem investidores a partir de 2023.

Quem atua no ramo, entretanto, vê com bons olhos o silêncio sobre essas questões na regulação aprovada na Câmara.

“Não existe a possibilidade de regular todo o mundo cripto em um ‘mesmo pacote’, explica Leonardo Carvalho, CEO e co-fundador da Nftfy. “Por exemplo: empresas custodiais que prestam serviços, como são os casos de corretoras e plataformas de investimento, precisam de regulamentação agora. Porém, as empresas DeFi devem ser reguladas por outro modelo completamente diferente e que ainda deve ser estudado”.

Paulo Barros

Editor de Investimentos