Os dois cisnes negros que abalaram o mercado no início de 2020 – e as lições que o investidor pode tirar deles

Tensão entre EUA e Irã, forte volatilidade do mercado com o coronavírus e a importância de uma carteira diversificada

Lara Rizério

Cisnes negros (Alexas Fotos/Pixabay)

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SÃO PAULO – Em meio à forte alta de 31,58% do Ibovespa em 2019, no quarto ano seguido de valorização, as expectativas eram de continuidade dos ganhos ao longo de 2020, embalado pelas perspectivas de aceleração da economia brasileira em meio às reformas econômicas e queda dos juros.

Tendo em vista esse otimismo, a B3 dobrou sua base de investidores pessoas físicas em 2019, passando de 813,3 mil CPFs registrados na central depositária para 1,678 milhão.

Contudo, um fator era visto como de risco para o mercado neste ano: o cenário externo, em meio à alta polarização política e “desglobalização”, além das incertezas sobre a guerra comercial.

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Janeiro chegou e com ele, uma queda para as bolsas globais e, consequentemente, para o Ibovespa, confirmando a tese de que o cenário externo poderia ser um fator de risco. O principal índice da bolsa brasileira fechou o primeiro mês do ano com queda de 1,52%, o pior mês desde fevereiro de 2019. O dólar comercial teve uma reação ainda mais forte: alta de 6,8%.

Os motivos para a maior aversão dos investidores, porém, foram considerados verdadeiros “cisnes negros” para os mercados, ou seja, eventos considerados improváveis mostrando que, a despeito de todas as projeções, estamos constantemente à mercê da imprevisibilidade.

O primeiro dos “cisnes” – e com menor efeito no mercado, mas que foi sentido logo no início do ano – foi a eclosão da tensão entre EUA e Irã após o ataque promovido pelos americanos (ordenado por Donald Trump) que culminou na morte do chefe da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani, considerado um dos homens mais poderosos de Teerã.

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Isso desencadeou uma escalada de tensões que leva a uma forte alta do petróleo e queda das bolsas internacionais neste início de ano, que havia começado com tom positivo, depois de um ano brilhante para a maioria das classes de ativos em 2019: as ações dos EUA registraram um dos melhores anos da década passada.

Dias depois do ataque, ocorrido na madrugada do dia 3 de janeiro, o Irã atacou duas bases americanas no Iraque, sem vítimas humanas, e disse que adotou medidas proporcionais de autodefesa e que “não buscava a guerra”. No mesmo dia, Trump falou em novas sanções contra o Irã, mas descartou guerra, o que ajudou a acalmar os mercados.

Mas o grande fator de risco para o mercado em janeiro foi a eclosão dos casos do novo coronavírus. Os casos da doença, que se assemelha a uma pneumonia, começaram a aparecer em dezembro, mas os números de infectados e vítimas fatais escalaram e ganharam contornos de uma emergência de saúde global na segunda quinzena de janeiro.

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Desde a máxima de fechamento do Ibovespa registrada em 20 de janeiro, quando atingiu os 118.573 pontos, até o último dia de janeiro, quando foi aos 113.760 pontos, a queda foi de 4,06%, com os investidores temendo as consequências para a economia e para os diferentes setores da bolsa com a epidemia. Papéis de ações dos setores de commodities, frigoríficos e aéreas foram as que mais sofreram no período, principalmente por sua dependência com as vendas para a China.

A lição para os iniciantes na bolsa

Mas, para além desta queda, praticamente todas as sessões guiadas pelas notícias sobre o coronavírus foram de forte volatilidade para o Ibovespa, notoriamente as sessões do dia 21 (queda de 1,54%) e do dia 27 (baixa de 3,29%) do mês passado.

Se tais movimentos extremos muitas vezes podem assustam os investidores, mesmo os mais experientes, eles podem ser bem mais impactantes para os novos entrantes na bolsa brasileira que sustentaram os ganhos do índice no ano passado e pouco conheciam movimentos tão bruscos ou não estavam acostumados com tamanhos períodos de queda.

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Quem entrou na bolsa com muita sede ao pote e se decepcionou com as fortes quedas do mercado acabou aprendendo valiosas lições na prática, conforme destaca Thiago Salomão, analista da Rico Investimentos, destacando principalmente a importância de ter uma carteira diversificada e a importância de proteger o caixa.

“Mesmo sendo mega entusiasta na Bolsa, sempre é importante ter uma exposição em renda fixa, seja para reserva de emergência, seja para proteger o capital ou para ter caixa. A única coisa que muda é o percentual que vai ter alocado em cada ativo num momento. É óbvio que um investidor poderia ter mais exposição em renda variável do que em renda fixa. Mas o desconforto com a carteira neste momento mostra que ele tem mais renda variável do que realmente deveria ter”, avalia Salomão.

Ele reforça ainda que é normal que, na renda variável, haja movimentos de volatilidade, ou por notícias que impactam o mercado ou por investidores embolsando lucros e indo para novos mercados após fortes altas.

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Exposição em fundos cambiais e investimentos no exterior são alternativas interessantes de modo a formar uma carteira diversificada. Porém, é preciso ter cuidado para não elevar a posição justo nos momentos de maior aversão ao risco para o mercado brasileiro, o que poderia fazer com que o investidor eleve a posição no pior momento.  “Neste caso, a diversificação tem que vir antes das quedas”, avalia.

É essencial também a alocação de uma parcela do capital em reserva de emergência e caixa livre através de investimentos que permitam resgate imediato tais como CDB de liquidez diária, fundos DI e Tesouro Selic que, mesmo que não alcancem alto rendimento, podem promover mais segurança e flexibilidade para o investidor ir às compras (inclusive se expondo em ativos mais arriscados).

O investidor também precisa estar preparado para ter cautela e manter os investimentos até segunda ordem, principalmente quando se expor em renda variável. Isso pode ser observado nas últimas sessões: após últimos meses de forte alta para o mercado de forma geral, períodos como das últimas semanas foram de baixa – e é preciso sangue frio para lidar com esses movimentos.

Em meio a eventos como a crise entre EUA X Irã e a eclosão do coronavírus, a tendência é de que os preços fiquem instáveis em um primeiro momento e depois sigam determinada direção.  Caso o investidor faça a liquidação de suas aplicações de imediato, pode sofrer vendendo na baixa e observando a subida dos preços logo em seguida.

No cenário atual, mesmo com a economia global podendo desacelerar e em um cenário de incertezas sobre os reais impactos do coronavírus, a expectativa é de recuperação no médio e longo prazos. Conforme destacou em gráfico a Charles Schwab ao mencionar casos como do coronavírus, as epidemias afetam os mercados no curto prazo, mas não são capazes de mudar a tendência no longo prazo.

Especificamente sobre a bolsa brasileira, de acordo com analistas ouvidos pelo InfoMoney, a tendência apontada é de alta também em meio ao cenário de reformas econômicas e juros baixos. Por enquanto, poucas casas de análise revisaram suas projeções para o índice no final do ano que, na média de 11 casas de análise consultadas, é acima de 132 mil pontos.

Um bom exemplo da recuperação do mercado – e que muitos investidores poderiam ter perdido caso saíssem em momentos de “desespero” – acontece nos primeiros dois pregões do mês de fevereiro, em que o Ibovespa aponta para ganhos de cerca de 2%, principalmente com alta de ações ligadas a commodities que tiveram forte queda nos pregões em que a tensão com o coronavírus tinha encontrado até então o seu ápice. As medidas da China para conter o impacto da doença na economia estão sendo acompanhadas com ânimo pelos investidores.

Porém, com os desdobramentos do surto de coronavírus ainda acontecendo, os movimentos bruscos de alta e queda do mercado podem ser frequentes nos próximos pregões. Assim, reforça-se a importância de ter uma carteira diversificada e uma reserva, de forma a se preparar para possíveis novos solavancos na bolsa – venham da onde vierem.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.