Juro alto impacta consumidor e leva empresas a adiarem investimentos

Varejistas, empresas de shopping centers e de bens de consumo projetam melhora só quando os juros se reduzirem

Rodrigo Petry Vitor Azevedo Augusto Diniz

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O impacto negativo da alta taxa de juros apareceu nos resultados das empresas neste início de ano, sobretudo nas ligadas ao consumo, e isso deve seguir atingindo o desempenho delas ao longo dos próximos trimestres, já que seu efeito é cumulativo, tanto pelo lado do consumidor quanto das companhias.

Um exemplo disso vem da retração das vendas. Isso porque os juros altos encarecem o crédito, afastando o consumidor das lojas e do comércio eletrônico. Com um custo de financiamento maior, se reduz o poder de compra, pois uma parte maior do orçamento fica comprometida com o parcelamento de bens.

No lado das empresas, o juro alto eleva as despesas financeiras, prejudicando o resultado líquido e elevando os custos dos empréstimos aos clientes, tirando rentabilidade.

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Para a XP, o setor de varejo teve, em sua maioria, desempenho fraco, com pressão nas dinâmicas de receita, queda na lucratividade, prejuízos líquidos e consumo de caixa.

Especialmente entre as varejisas de vestuário focadas no público de renda média, aponta a XP, elas enfrentaram obstáculos macroeconômicos e climáticos, além da maior pressão negativa nos serviços financeiros.

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As varejistas de alimentos, por sua vez, registraram desaceleração do crescimento das vendas em mesmas lojas – embora ainda acima da inflação –, e pressão na lucratividade devido aos planos de expansão já em curso e aumento da competição.

Por fim, destacou a XP, as empresas de comércio eletrônico tiveram um desempenho fraco, com crescimento tímido na receita, apesar da fragilidade de Americanas, em meio ao cenário macroeconômico desafiador, além de lucratividade pressionada e consumo de caixa ainda elevado.

Consumo fraco e menor investimento

Uma das empresas que mais sentiu esse efeito foi Magazine Luiza (MGLU3). Após a divulgação de seus resultados, as ações da companhia desabaram incríveis 23%, por conta do maior prejuízo para um primeiro trimestre desde que entrou na Bolsa.

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O que levou Magazine Luiza a tamanho prejuízo? Exatamente as despesas financeiras, decorrentes da alta taxa de juros, combinadas à antecipação acelerada de recebíveis de cartão de crédito. Cabe lembrar que a taxa Selic saiu de 9,25% ao ano no começo de janeiro de 2022 para 13,75% ao ano final de março de 2023.

Assim, as perdas financeiras líquidas saltaram de R$ 422 milhões para R$ 632 milhões em um ano. Dessa forma, a proporção destes gastos financeiros saltou de 4,8% para 7% da receita líquida. Em um setor de baixa margem líquida, essa elevação compromete – e muito – a rentabilidade da operação.

“No nível macroeconômico, como esperávamos, ainda enfrentamos um ambiente desafiador no online, mas também no mercado offline (lojas físicas). Acho que tínhamos uma expectativa de que isso ia acontecer”, desabafou Fred Trajano, CEO do Magazine Luiza (MGLU3), na teleconferência de resultados do 1T23.

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Outro efeito perverso dos altos juros, que se distribui de forma mais ampla, pois afeta a geração de empregos e a capacidade de crescimento no futuro, encontra-se na postergação de investimentos.

No Assaí (ASAI3), por exemplo, a companhia anunciou que deixou de lado seus planos de abrir novas lojas. “Não estamos cancelando nenhum projeto (em execução), mas queremos reduzir o nível de alavancagem e vemos uma redução de expansão no mercado como um todo”, pontuou Belmiro Gomes, o CEO do atacarejo.

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“Há um custo de carregamento maior de dívida pelo momento em que estamos. Vamos terminar as conversões (das lojas Extra em Assaí), não há planos de interrompê-las”, completou o executivo.

Portanto, a intenção do Assaí, diante das altas taxas de juros, é reduzir futuros investimentos e focar na melhor gestão do caixa da empresa.

“Sabíamos que teríamos uma alavancagem mais elevada. Temos uma taxa de juros e um custo de captação altos”, comentou o CEO do Assaí.

De olho na alavancagem

Outros segmentos de consumo também seguem atentos à disciplina financeira, avaliando investimentos e aquisições, por conta das altas taxas de juros e consequente elevação dos custos de captação e refinciamento de dívidas.

“Quanto à alavancagem, estamos muito disciplinados nos investimentos, do ponto de vista da estrutura de capital”, comentou Guilherme Strano Castellan, CFO da Natura (NTCO3). A companhia, na apresentação dos resultados do 1T23, disse que o consumo “está brando” e que não é “nenhuma novidade”, mas pode virar um “problema no futuro”.

A operadora de shoppings centers Iguatemi (IGTI11), por sua vez, afirma que aquisições e fusões seguem no radar, mas o cenário faz a diretoria descartar isso nesse ano.

“A gente continua olhando, mas não no curto prazo, é mais no médio prazo”, afirmou Cristina Betts, CEO da empresa, mencionando dificuldades macroeconômicas. “O foco agora é a busca de eficiência, gerando caixa e reduzindo alavancagem”, completou.

Nada de investimentos

A Multiplan (MULT3), outra operadora de shopping, pegou o mesmo caminho, e tem focado em expansões e revitalizações em vez de investir em novos empreendimentos.

Eduardo Peres, CEO da Multiplan, disse na teleconferência de resultados do último trimestre que a empresa busca oportunidades no mercado, mas a prioridade é o portfólio existente, diante do cenário do varejo desafiador.

“A gente segue na dinâmica de melhorar e crescer naquilo que a gente já tem”, comentou. “Expansões e revitalizações a gente não vai parar”, destacou o executivo.

Melhora no futuro?

Mas há quem fale em tom otimista. “Havendo juros mais baixos no futuro, talvez tenhamos o início de um ciclo melhor para o varejo. E isso deve impulsionar nosso core business, que é o cashback“, afirmou Marcio Loures, CFO da Méliuz (CASH3).

“O Desenrola (programação de renegociação de dívida a ser implementado pelo governo federal), o acerto de contas e o início da queda dos juros nos fazem acreditar que podemos ter uma melhora a partir do segundo semestre”, ressaltou Daniel Martins, CFO da Lojas Renner (LREN3).

Para a XP, com aprovação do novo arcabouço fiscal, aliado a dados mostrando uma desaceleração da inflação, as discussões sobre o início de um ciclo de flexibilização monetária voltaram.

“Nossa equipe de Economia projeta uma redução na taxa Selic na reunião de agosto, encerrando 2023 em 12% e chegando a 11% no primeiro semestre de 2024”, escreveram os analistas Fernando Ferreira, Jennie Li e Rebecca Nossig, da XP.

“Esse ciclo de flexibilização deve ser um catalisador positivo para as empresas brasileiras em 2024”, acrescentaram.