Crédito caro e escasso dificulta acesso ao consumo e empresas “financiam” fornecedores

De locadoras de automóveis, passando pelo varejo até a construção, a preocupação é geral com os juros elevados

Rodrigo Petry Augusto Diniz Vitor Azevedo

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Com taxa de juros e índice de inadimplência de empresas e pessoas físicas em patamares elevados, o sistema de crédito tornou-se mais restritivo. O financiamento mais caro atingiu empresas que vendem bens duráveis e imóveis, além daquelas que precisam comprar insumo para produzir.

Empresas de diversos segmentos relataram, em algum nível, este tipo de dificuldades, por conta do crédito apertado e menos disponível.

Gustavo Moscatelli, CEO da Movida (MOVI3), disse que a locadora chegou a ter um bom resultado com a venda de carros seminovos no primeiro trimestre do ano – alta de 28,8% e preço médio 16,5% maior, em relação ao primeiro trimestre de 2022 –, mas apontou preocupação para o restante do ano.

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“O mercado de seminovos está bastante duro. A gente viu no primeiro trimestre o mercado aceitando determinados perfis de carro, mas de forma geral está bastante duro por conta do cenário macroeconômico”, disse ele a analistas de mercado.

“A restrição do crédito está impactando no mercado de carros. A gente vê muito mais negativas nos créditos que os clientes estão solicitando aos bancos”, ressaltou.

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Menos lançamentos

A manutenção da taxa de juros em 13,75%, acompanhada da contração do crédito, fez a Moura Dubeux, que atua no segmento imobiliário de médio e alto padrão, cortar drasticamente os lançamentos no primeiro trimestre e focar na venda de estoques.

Os lançamentos de novos empreendimentos caíram 55,7% no primeiro trimestre do ano em relação ao trimestre anterior e são 26,7% menores do que no mesmo período de 2022.

Diego Villar, CEO da Moura Dubeux, disse a analistas que, “propositalmente”, se decidiu concentrar na venda de estoque, sem necessidade de dar desconto. “O que a gente percebeu é que o Brasil entrou em um novo governo e a gente tem uma preocupação tanto do ambiente político quanto econômico, com a taxa de juros mais alta”, ressaltou.

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O executivo acrescentou que a palavra agora na empresa é “cautela”. A Moura Dubeux relatou que em tempos de juros altos, com exposição a períodos mais prolongados do que o previsto, o posicionamento cauteloso se deve ao atual cenário macroeconômico, ainda mais num modelo de negócio de capital intensivo e alta alavancagem.

A Moura Dubeux diz trabalhar com a perspectiva de uma redução futura na taxa de juros e uma melhora do ambiente econômico, e acrescenta que pesquisas internas indicam existir uma inflexão na curva de intenção de compra de imóveis nos próximos meses.

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Ajuda à cadeia de abastecimento

Já a Arezzo (ARZZ3), empresa de calçados e acessórios de uma dezena de marcas, encarou a escassez de crédito de olho na cadeia de produção.

Depois de pedidos insistentes de seus fornecedores, antecipou os pagamentos para que eles pudessem honrar seus compromissos e, ao mesmo tempo, amenizasse a dificuldade dos mesmos de obtenção de crédito no sistema financeiro.

“Nesse primeiro momento de 2023, com aumento da taxa de juros, alguns fornecedores pediram para que adiantássemos os pagamentos. Nós entendemos a situação deles e resolvemos assumir as consequências disso aqui no nosso balanço, que é um balanço mais robusto do que do fabricante”, explicou Alexandre Birman, CEO da Arezzo.

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“Temos total consciência de que é uma atitude correta, dentro de um momento de tanta estafa para os nossos fornecedores”, acrescentou.

A empresa reforçou, no entanto, que partir das compras de verão, ela retornará aos prazos de pagamento históricos aos fornecedores. Ademais, garantiu que a cadeia de fornecedores da empresa “está sólida” e as parcerias que construiu estão saudáveis financeiramente.

“Tomamos uma decisão momentânea num momento de mundo mais incerto, de taxas mais elevadas, e até de escassez de crédito para determinadas empresas”, disse Rafael Sachete, CFO da Arezzo.

Frigoríficos

O movimento de financiamento dos clientes, porém, não se limita ao varejo e chega aos frigoríficos. Segundo Edison Ticle, CFO da Minerva (BEEF3), o crédito secou no Brasil.

“No capital de giro, independente de termos operações iguais ou diferentes da (varejista) Americanas, os bancos ficaram muito mais conservadores. Linhas de convênio e risco sacado ficaram menos disponíveis. Uma parte do limite de crédito nosso é alocado para que nossos fornecedores antecipem recebíveis, com o banco assumindo nosso risco de crédito. Os bancos reduziram as linhas disponíveis para todos os setores e tivemos de financiar nossos fornecedores”, explicou o executivo.

Para Ticle, após as linhas de crédito “secarem” no primeiro trimestre, elas devem voltar um pouco no segundo trimestre, “mas ainda longe do que eram”.