Evergrande não é o Lehman Brothers, mas pode ter expressivo impacto para a economia da China

Governo chinês deve buscar uma solução para a crise da incorporadora, mas isso não será feito sem traumas

Ricardo Bomfim

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SÃO PAULO – Uma das maiores empresas do setor de construção e incorporação da China, a Evergrande, com sua dívida de US$ 300 bilhões, já tem sido comparada ao banco americano Lehman Brothers, que faliu em 2008 no evento que iniciou a crise financeira daquele ano, com impactos desastrosos em toda a economia global.

Embora haja semelhanças, e uma delas seja o tamanho da empresa e sua capacidade de causar um efeito contágio em outras companhias, analistas consideram que as particularidades da China e de seu sistema imobiliário tornam improvável que esse evento cause uma nova crise financeira como a de 2008.

Arthur Kroeber, sócio fundador da Gavekal Dragonomics, explicou em evento promovido pela XP Investimentos que o setor imobiliário ainda é muito importante como motor da economia chinesa e que as pessoas estão certas em se preocupar, pois a quebra da empresa teria impacto nos preços do minério de ferro e do aço, além de desacelerar o crescimento econômico da China. No entanto, ele lembra que diversas empresas grandes já colapsaram no país nos últimos cinco anos.

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O co-fundador da Gavekal, Louis-Vincent Gave, conta que quando o grupo HNA teve dificuldades parecidas se dizia que aquele seria o momento Lehman Brothers da China, e não foi. O mesmo com o Anbang Group Holdings.

“O crescimento da China vai decepcionar, mas isso não significa que teremos uma implosão. A tentação com a China é de reduzir tudo a preto e branco. Ou a China vai puxar todo o bem-estar do mundo ou vai levar à maior recessão global de todos os tempos”, aponta Louis-Vincent.

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Uma visão semelhante é exposta pela equipe de analistas da Levante Ideias de Investimento. Explorando a comparação com o Lehman Brothers, a Levante explica que, enquanto o banco americano tinha como contrapartes praticamente todas as instituições financeiras globais, a atuação da incorporadora chinesa é menos internacionalizada.

“A Evergrande é uma incorporadora cujas atividades estão restritas à China e que não tem operações cruzadas com os bancos. E apesar das reiteradas declarações de líderes do Partido Comunista Chinês (PCC), de que será difícil haver socorro estatal para a empresa, as coisas não são tão simples.”

Para a Levante, como o desenvolvimento imobiliário representa 25% da economia chinesa, deixar a Evergrande falir pode não ser algo tão simples para o governo ignorar os reiterados pedidos de socorro da empresa. “Uma desaceleração nesse setor pode dificultar a recuperação da economia chinesa, algo que o governo não quer nem pensar. O PCC é único e autocrático. Porém, ele justifica a manutenção do poder apresentando as credenciais do crescimento econômico.”

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Em artigo para o InfoMoney, Roberto Dumas Damas, professor do Insper, apresentou o mesmo ponto de vista. Na opinião dele, economia, sociedade e política estão intimamente relacionadas, de modo que se a economia vai mal a possibilidade de haver protestos contra o Poder aumenta.

“Qualquer tensão social exacerbada, resultado de uma quebra descontrolada da Evergrande, que emprega mais de 200 mil trabalhadores diretos e 3,8 milhões de indiretos por ano durante a fase de projetos, e com 1.300 empreendimentos ainda não entregues, principalmente em cidades de baixa renda, certamente será evitada e controlada.”

Dumas entende que o sistema financeiro chinês será preservado. “Algum custo será imposto a alguns players, mas longe de ser um problema semelhante ao da subprime de 2008.”

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Outro ponto a se levar em consideração, Arthur Kroeber ressalta que a crise de 2008 nos EUA não foi provocada pela queda nos preços dos imóveis, e sim pelo grau de alavancagem das empresas do setor financeiro que bancavam a expansão do crédito imobiliário.

“A natureza e a escala da bolha imobiliária na China hoje é bem diferente dos Estados Unidos em 2008. O sistema financeiro naquela época tinha o Lehman Brothers alavancado em 33 vezes para uma. Se olhar para as condições na China, tivemos um ano, e não cinco, de muita compra especulativa de imóveis. E não há um banco emprestando com um nível de alavancagem comparável ao do Lehman Brothers.”

Kroeber diz que para esse ser um “momento Lehman” chinês, o governo teria que não conhecer a magnitude do impacto nos bancos que emprestaram dinheiro para a empresa, algo que não faz sentido na China, uma vez que é o próprio PCC que é dono da maioria desses bancos.

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Efeito contágio

Apesar de não ser um Lehman Brothers, a Evergrande tem sim a possibilidade de impactar a economia global. Em relatório, a equipe de análise do UBS destaca que conduziu três testes de estresse com severidade progressiva.

“1) um default da Evergrande; 2) uma inadimplência de nove incorporadoras imobiliárias de alto risco (incluindo Evergrande, excluindo duas incorporadoras sem dados disponíveis) que identificamos; 3) um pico em todo Índice de inadimplência do setor do desenvolvedor imobiliário em 15 pontos percentuais”, detalham os analistas.

Nesses três casos, os índices de inadimplência coletivamente crescem em 11 pontos-base, 29 pontos-base e 80 pontos-base respectivamente. “Enquanto isso parece gerenciável do ponto de vista do sistema bancário, os impactos serão sentidos desproporcionalmente, com o Joint-Stock Bank (JSB) atingido com mais força devido à sua maior exposição a desenvolvedores imobiliários.”

O impacto na economia real, comentam os analistas é projetado em uma queda de 8% nas vendas de imóveis na comparação anual e uma retração entre 8% e 10% ano a ano no segundo semestre dos novos imóveis.

No cenário mais pessimista, a avaliação é de que o efeito contágio da Evergrande corte de um a dois pontos percentuais no Produto Interno Bruto (PIB) da China nos próximos meses. “No entanto, o impacto macro do pior caso de efeito de contágio seria provavelmente será menor do que a desaceleração imobiliária de 2014-15, já que os estoques permanecem baixos e o excesso de capacidade nos setores de material de construção upstream diminuiu”, ressalva a equipe do UBS.

A equipe de análise do Morgan Stanley também projeta um impacto de um ponto percentual no PIB do quarto trimestre da China devido à situação da Evergrande.

“Novos começos de construções podem permanecer fracos no segundo semestre de 21, já que incorporadores preferem preservar caixa em meio ao atual ambiente”, prevê o banco americano.

Para a equipe da Levante, o Brasil sentirá o efeito do default da Evergrande via Vale (VALE3), já que a empresa tem na China seu maior cliente para o minério de ferro, o que já vem sendo sentido nas ações da companhia na Bolsa. 

O lado bom para a mineradora é que, como lembram os analistas, a companhia está em uma fase diferente do passado, com todos os investimentos pesados e necessários já tendo sido realizados em grande parte.

“O segundo ponto é que, com o aumento de produção contratado e projetado, a companhia será capaz de produzir minério de ferro com custo caixa marginalmente abaixo do atual, que já é a menor do mundo na produção por tonelada de minério.”

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.