De Magalu (MGLU3), Via (VIIA3) e shoppings a bancos: como a bomba contábil da Americanas (AMER3) impacta outras empresas da Bolsa?

Desafios na Americanas podem levar a uma perda de participação para concorrentes; visão para bancos é incerta, mas analistas projetam maiores impactados

Lara Rizério

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As inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões apresentadas pela Americanas (AMER3) na noite de quarta-feira (11), que levaram à derrocada de quase 80% das ações na véspera, não só representaram uma mudança total nas expectativas para a varejista, mas também trouxeram diversas questões para outros setores.

O mais óbvio deles é o setor em que a Americanas está inserida, o de varejo, com destaque para os seus pares mais diretos, caso de Mercado Livre (MELI34), Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3).

Ao mesmo tempo que havia a avaliação de que a notícia negativa para a Americanas poderia favorecer alguns pares do setor – porque quem busca exposição ao varejo, agora, dificilmente o fará pela companhia – também havia o temor de que as mesmas práticas contábeis feitas pela Americanas poderiam ser feitas pelas outras empresas.

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Afinal, os problemas que levaram a tais inconsistências contábeis decorreram de diferenças de contabilização do custo financeiro de dívida bancária em relação à dívida com fornecedores, o que poderia acontecer também em outras varejistas. A Fitch aponta que as mudanças na contabilização dessa conta elevariam a alavancagem da Americanas de 5,5 vezes a dívida líquida ajustada sobre o Ebitdar (lucro antes de juros, impostos, depreciação, amortização e custos de reestruturação ou de arrendamento) no fim do terceiro trimestre para 11,9 vezes. Sergio Rial, ex-CEO da companhia, destacou que será preciso fazer uma capitalização para equilibrar a estrutura de capital na companhia.

Na véspera, as empresas do setor foram a mercado dar mais informações sobre o seu balanço. O próprio Magalu buscou esclarecer em conversas com agentes de mercado durante a sessão que não recorre a financiamentos bancários para pagar fornecedores com prazo adicional. Já a Via divulgou comunicado na noite de ontem apontando que todas as suas operações de risco sacado estão registradas nas demonstrações financeiras da companhia em conformidade com as normas internacionais de contabilidade.

Cabe ressaltar que, na reta final do pregão desta sexta-feira (13), após uma alta de mais de 5% na véspera, as ações do Magalu registram novo dia de fortes ganhos, de mais de 10%, enquanto a Via passou a ter queda após chegar a registrar alta mais cedo, em mais um dia volátil para ambos os ativos.

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O Goldman Sachs destacou, em conversa com o setor, quais são as práticas de outras companhias com relação às contas de fornecedores.

“Entendemos que as operações de financiamento de fornecedores (muitas vezes chamadas de “risco sacado”) são comuns no Brasil, permitindo que os fornecedores antecipem as obrigações de pagamento dos varejistas. O lojista garante essa antecipação por meio da obrigação de pagar diretamente à instituição financeira”, destaca.

Com base em análise preliminar das demonstrações financeiras detalhadas e conversas com a administração e as equipes de RI, os analistas entenderam que o Magazine Luiza reconhece o passivo dessas operações em contas a pagar. No terceiro trimestre de 2022 (3T22), o MGLU tinha R$ 4,0 bilhões em tais contas.

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A Via reconhece o passivo de tais operações no contas a pagar de fornecedores – convênio. No 3T22, tinha R$ 2,5 bilhões nessa linha, ressalta o banco. Já para o Mercado Livre, o Goldman destaca que a empresa tem uma exposição em estoque próprio (1P) muito baixa (cerca de 5% do volume de mercadorias brutas total, ou GMV), o que também significa que os contratos com fornecedores são muito menos relevantes do que para os outros pares listados.

Olhando para a dinâmica do setor, o Morgan Stanley (que na véspera colocou a recomendação dos ativos AMER3 em revisão) apontou que, após o escândalo contábil, é provável que a Americanas tenha queda na sua participação de mercado (atualmente em 15%) no e-commerce brasileiro. Já o Mercado Livre deve liderar a captura de mercado deixada pela Americanas, enquanto Magalu e Via estão entre os potenciais beneficiários.

Os analistas apontam que, em call com os investidores, os executivos da empresa não citaram nenhum impacto para as operações em andamento.

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“No entanto, vemos riscos potenciais em torno da capacidade de manejar estoque e também na capacidade de investir para o crescimento, especialmente quando se considera a rotatividade da alta administração”, aponta. Cabe lembrar que a divulgação da inconsistência contábil ocorreu simultaneamente ao anúncio da saída do seu presidente, Sergio Rial, e do diretor de relações com investidores, André Covre, de seus cargos após apenas 10 dias da posse.

“Vemos o Mercado Livre como o provável principal beneficiário, pois vemos as vendas online da Americanas como mais amplas em comparação com seus pares brasileiros Magazine Luiza e Via. Porém, inicialmente, não esperamos uma grande mudança de cenário”, avaliam os analistas.

Embora pondere que seja muito cedo para avaliar como as notícias sobre a Americanas podem impactar a dinâmica do setor, o Goldman Sachs pondera que qualquer enfraquecimento ou interrupção do posicionamento competitivo da empresa pode criar oportunidades de participação de mercado para seus principais concorrentes.

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“Acreditamos que o negócio de comércio eletrônico 1P de cerca de R$ 15 bilhões da Americanas compete mais diretamente com o Magalu e a Via”, aponta o Goldman, ao estimar que cerca de 70% do volume bruto de mercadorias (GMV) de estoque próprio da Americanas esteja em bens duráveis/eletrônicos, o que implica em cerca de R$ 11 bilhões em GMV nessa categoria.

“Também pode haver exposição à categoria por meio de seu marketplace (3P), mas acreditamos que seja consideravelmente menor (estimamos cerca de 35%)”, apontam os analistas. Nas lojas físicas da Americanas, os analistas estimam a exposição a bens duráveis em cerca de 25% (principalmente TVs, smartphones e eletrodomésticos portáteis). Isso implicaria em cerca de R$ 23 bilhões em vendas de bens duráveis/eletrônicos.

Impacto limitado para a Vibra

Analistas também se debruçaram sobre os possíveis impactos para a Vibra (VBBR3), ex- BR Distribuidora, uma vez que, em fevereiro do ano passado, foi anunciada parceria com a varejista para a exploração do negócio de lojas de pequeno varejo, dentro e fora de postos de combustíveis, através das redes de lojas Local e BR Mania.

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Para o Bradesco BBI, o imbróglio na Americanas não deve afetar a joint venture. O banco aponta ainda que o empreendimento foi avaliado em R$ 995 milhões (R$ 497 milhões líquidos para a Vibra) pelos sócios quando da criação da joint venture. “Assim, mesmo no pior cenário de extinção da empresa, isso representaria uma queda de apenas R$ 0,40 por ação para a Vibra (2% do valor de mercado atual)”, avalia o banco.

O Morgan Stanley também destaca que a joint venture é uma parte muito pequena do negócio e, embora seja prematuro traçar cenários, na pior das hipóteses a Vibra perde o parceiro e volta à estaca zero em sua estratégia de expansão do negócio de conveniência.

“Em um cenário levemente negativo, se os parceiros continuarem ativos, mas começarem a ter problemas com fornecedores, poderia haver implicações negativas nas operações do dia-a-dia das lojas. No entanto, dada a escala muito pequena do negócio em comparação com o segmento de distribuição e a recente contribuição das energias renováveis, o impacto financeiro seria insignificante [para a Vibra]”, aponta o Morgan.

Shoppings

A Americanas tem uma grande presença em shoppings. Contudo, na avaliação do BTG, o impacto em receita e Ebitda é limitado.

“Todas as empresas do setor listadas estão expostas à Americanas (como uma das principais varejistas brasileiras, é uma importante loja âncora na maioria dos shoppings). Analisando as carteiras das empresas listadas, observamos que a Americanas está presente em 56-83% dos ativos totais: (i) a Aliansce Sonae (ALSO3) possui 41 lojas Americanas (de uma carteira de 52 ativos); (ii) a Iguatemi (IGTI11) possui 9 (de 16 shoppings); (iii) a Multiplan (MULT3) tem 14 (de 20); e (iv) SYN (SYNE3) tem 5 (de 6)”, aponta o banco.

Contudo, pode representar apenas entre 1% e 2% da receita de aluguel, segundo os analistas. Uma loja típica de shopping da Americanas tem uma Área Bruta Locável (ABL) de 1.000-1.500m², o que significa que ela provavelmente aluga apenas: (i) 2,3% da ABL da Aliansce Sonae; (ii) 1,6% da Iguatemi; (iii) 1,9% da Multiplan; e (iv) 3,0% da SYN.

Lojas âncoras como a Americanas costumam ter um custo de ocupação muito baixo em relação às lojas satélites (ou seja, menor aluguel por m², cerca de 50% abaixo do aluguel médio dos shoppings). “A Americanas, apesar de estar presente em muitos shoppings, provavelmente representa cerca de 1% da receita de aluguel dos shoppings”, avalia o banco.

Assim, destaca a equipe de research do BTG, a varejista não é muito relevante para os operadores de shoppings listados. Desta forma, o banco mantém sua visão do setor, como bastante atraente em termos de valuation (todas as empresas negociando bem abaixo do valor presente líquido e múltiplos de valuation abaixo dos níveis históricos), mas também há poucos gatilhos de curto prazo, principalmente após um ano forte de crescimento de vendas. Assim, os desempenhos das ações são mais macrodependentes (principalmente taxas de juros), avaliam os analistas.

Impacto incerto nos bancos

Um dos focos de atenções também está voltado para os bancos. Com isso, as casas de análise traçaram cenários, ainda que não haja informações individualizadas sobre a relação da varejista com os credores.

O Itaú BBA enxerga dois cenários principais que podem se desenrolar relacionados aos bancos credores: dar baixa no crédito no caso de inadimplência técnica, em que a Americanas não consiga captar novo capital ou renegociar sua dívida com os credores; ou aumentar provisões, se a dívida for reestruturada e/ou a varejista for capitalizada.

No caso da baixa, Pedro Leduc e equipe exemplificam que um banco com uma exposição de R$ 1 bilhão, por exemplo, levaria toda a baixa após seu benefício fiscal de cerca de 45% para um impacto de R$ 550 milhões no lucro líquido.

No caso das provisões, eles afirmaram que uma provisão de 20% a 30% é “um bom palpite”, portanto, uma exposição de R$ 1 bilhão representaria R$ 200 milhões a R$ 300 milhões em provisões, antes de qualquer benefício fiscal. “Acreditamos que o cenário de continuidade é mais provável.”

Os analistas do Itaú BBA também avaliam que os bancos podem não aumentar sua exposição ao crédito ou renovar as linhas de crédito após o pagamento, mas afirmam que uma renegociação pode ajudar a evitar uma perda total e outras consequências indiretas que possam existir.

“As principais coisas a monitorar são como o ‘equity’ pode entrar em jogo – os acionistas de referência sinalizaram apoio- , quanto tempo leva para o balanço ser auditado e como os fornecedores e detentores de títulos se comportam”, citaram.

Eles também chamaram atenção para a exposição do BTG (BPAC11), calculando que do total de R$ 130 bilhões em exposição de crédito, uma parcela de R$ 21 bilhões é classificada como pequena e média empresa (PME), que consiste quase inteiramente em financiamento da cadeia de suprimentos para diversos setores.

“Estimamos que isso tenha sido responsável por 4% do faturamento do banco no terceiro trimestre de 2022. Este produto não apenas traz receita de juros, mas também tem sido a porta de entrada do BTG no setor bancário/crédito para PMEs”, escreveram, afirmando acreditar que a Americanas foi um dos clientes usuários desse produto.

“As inconsistências contábeis da Americanas estavam exatamente na forma como a varejista contabilizava as dívidas e os custos decorrentes das linhas de financiamento da cadeia de suprimentos. Se a indústria como um todo reduzir o uso de financiamento da cadeia de suprimentos após esse episódio, isso poderá desacelerar essa importante via de aquisição e monetização de clientes para o BTG.”

O Credit Suisse aponta que os bancos têm uma exposição de 3,7% na carteira de crédito do varejo.

“Não se sabe a exposição individual a Americanas. Então, apenas para referência, os dados refletem a exposição dos bancos aos seus maiores devedores”, apontam os analistas. Eles estimam saldo médio de crédito dos bancos por grupo econômico dentro das 11-20 maiores exposições em torno de R$ 1,9 bilhão (1,6% do patrimônio líquido), indicando baixo risco de concentração.

De acordo com o banco de dados de dívida corporativa da Economatica, em setembro de 2022, a Americanas tinha aproximadamente R$ 20 bilhões em dívidas, ocupando a 26ª posição em tamanho de dívida no setor corporativo do Brasil e representando 15% do endividamento do varejo, destacam.

Na véspera, o Bradesco BBI também destacou em estudo quais seriam os possíveis impactos para os bancos. 

“Dada a pouca visibilidade, decidimos avaliar qual seria o pior cenário – ou seja, bancos credores tendo que dar baixa em R$ 20 bilhões. Em tal caso, nós estimamos que esse valor impactaria o patrimônio líquido dos seis bancos brasileiros que cobrimos em 4,5%. No entanto, deve-se notar que não temos divulgação sobre a exposição do AMER3 por banco, portanto, o melhor exercício seria ser apresentar a exposição de cada banco ao segmento de varejo, a nosso ver”, aponta. Cabe ressaltar que os analistas não fizeram as contas para o Bradesco (BBDC4).

Notavelmente, o Santander Brasil (SANB11) e o BTG Pactual (BPAC11) são os bancos com maior exposição ao segmento de varejo (cerca de 7% do crédito total), seguidos por Itaú (ITUB4) e ABC Brasil (ABCB4) (ambos com cerca de 3%), enquanto Banrisul (BRSR6) e Banco do Brasil (BBAS3) têm cerca de 2% de exposição.

Já em termos de porcentagem do seu equity total no varejo, o Santander Brasil tem a maior exposição (cerca de 42%), seguido pelo ABC Brasil (cerca de 24%), BTG Pactual (23%), Itaú (22%), Banrisul (13%) e Banco do Brasil (12%).

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.