Ações da Americanas (AMER3) desabam 77% após “bomba” contábil bilionária; Magalu (MGLU3) sobe e Via (VIIA3) cai 5%

Companhia viu seu valor de mercado derreter R$ 8,37 bilhões em apenas um pregão, passando de R$ 10,83 bilhões para R$ 2,45 bilhões

Lara Rizério | Rikardy Tooge

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Um dia que ficará na história do mercado brasileiro e marcará principalmente os acionistas da varejista Americanas (AMER3). Os investidores da companhia viram os papéis passarem de maior alta do Ibovespa em janeiro até a sessão da véspera (com avanço de cerca de 24%) para a maior queda disparada do índice, com baixa acumulada de 71,81%.

Em apenas um pregão, a companhia viu seu valor de mercado evaporar de R$ 10,83 bilhões para R$ 2,45 bilhões, uma queda de R$ 8,38 bilhões. O papel AMER3 derreteu 77,33%, a R$ 2,72, apenas nesta quinta-feira (12), em uma sessão encurtada para os ativos.

As ações passaram a negociar apenas depois das 14h (horário de Brasília) e atravessaram sucessivos leilões. O início da negociação dos ativos foi constantemente postergado desde às 11h em meio ao cenário de abertura em queda extrema e divulgação de fatos relevantes pela companhia.  Os ativos chegaram a um preço teórico de R$ 1,20 (baixa de 90%) no leilão pré-abertura, sendo que a B3 liberou até mesmo um limite de baixa para os ativos para 99% neste pregão.

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O movimento de derrocada para os ativos ocorreu após a divulgação na véspera de inconsistências contábeis no valor de R$ 20 bilhões, que culminou com a saída do seu presidente, Sergio Rial, e o diretor de relações com investidores, André Covre, de seus cargos após apenas 10 dias da posse.

Os problemas contábeis decorrem de diferenças de contabilização do custo financeiro de dívida bancária em relação à dívida com fornecedores.

Rial atuará ainda como assessor, apoiando os acionistas de referência da companhia no processo de apuração do ocorrido. O ex-CEO trouxe indicações sobre os próximos passos da companhia em conferência com investidores, em um contexto de diversas revisões de recomendações pelos analistas de mercado, que destacaram as grandes incertezas após o anúncio catastrófico para os ativos.

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Na conferência, Rial destacou que a empresa vai precisar se capitalizar para enfrentar problema contábil.

A operação provavelmente será um follow-on, mas o executivo diz que não é possível estimar a necessidade de capital. “Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de [apenas] milhões”, diz Rial. O executivo destacou o compromisso dos acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira com o negócio. “Mas não pode ser a solução por si só. ‘Me dá um cheque e tá resolvido’, não é assim”, apontou.

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Rial explicou que, ao assumir o cargo, percebeu que havia problemas no reporte de itens na conta “Fornecedor” no balanço da companhia. Segundo ele, muitos pagamentos a fornecedores que eram financiados por bancos não eram considerados como dívida. “É um tema que permanece desde a década de 1990, um problema de estruturação de risco sacado que não era reportado como dívida bancária”, disse.

Durante explicação ao mercado, o ex-CEO diz que os R$ 20 bilhões apontados pela empresa como “inconsistência contábil” não estão fora do balanço da companhia, mas não garante que a cifra é definitiva. “Os R$ 20 bilhões são a nossa melhor estimativa dentro do que tivemos de informação nesses nove dias”, disse o executivo.

O ex-CEO reconheceu que a notícia jogou a empresa no ‘corner’, mas aponta que o desempenho operacional no decorrer do ano será importante para superar a situação. “Quanto mais vendermos, menor será o problema”, disse Rial.

Questionado sobre a quantidade de ‘convenants’ – obrigações que a companhia assume ao emitir uma dívida por juros menores – na estrutura de dívida da Americanas, Rial diz que o número é baixo e mais concentrado na operação da rede de mercados Hortifruti.

Em análise após as falas de Rial ao mercado, a XP destacou os principais pontos e os possíveis impactos para a tese na empresa.

A alavancagem da companhia deve subir, avaliam os analistas. Os R$ 20 bilhões mencionados no fato relevante como potencial impacto de reclassificações são uma estimativa preliminar da companhia acerca do valor que deveria ser reconhecido como dívida bancária no balanço. A companhia tinha R$ 20,8 bilhões em dívida bruta no 3T22.

Rial destacou que não deve haver impacto relevante na posição de caixa da companhia como resultado dos ajustes a serem feitos, mas reforça que isso depende diretamente da postura e disposição dos bancos em manter suas linhas de crédito disponíveis atualmente para a Americanas e seus fornecedores.

Eficiências operacionais já mapeadas: Rial também mencionou que acredita que existam oportunidades de redução das necessidades de capex (investimentos em capital) e capital de giro (estoques) em aproximadamente R$ 1 bilhão, cada.

Os analistas da casa apontaram que, mesmo depois da reunião com a companhia e os esclarecimentos dados para os pontos trazidos no fato relevante, ainda não possuem visibilidade suficiente para detalhar o impacto financeiro que as revisões devem ter nos números da empresa, que só devem ser publicados depois do processo de auditoria, além de enxergarem que o acontecimento adiciona riscos e incertezas à tese de investimentos em AMER3. Assim, mantêm a recomendação “sob revisão”.

Depois da conferência de Rial com o mercado, a Eleven destacou manter recomendação neutra para os ativos e colocou o preço em revisão, enquanto dimensionam o impacto desses R$ 20 bilhões no valor da companhia.

“No resultado do 3T22 alteramos nossa recomendação de compra para neutra devido à piora nos números da companhia,  queda de GMV (vendas brutas), despesa financeira onerosa, piora no capital de giro e queima de caixa. Diante dos fatos
apresentados ontem e hoje, reforçamos a nossa recomendação para ficar de fora do papel”, apontou a casa.

Uma série de corretoras, além da XP, colocou as recomendação das ações da Americanas em revisão desde a noite de quarta-feira.

A equipe do Bradesco BBI, por exemplo, classificou o episódio como “inconsistência contábil considerável e sem precedentes” e considerou a notícia “bastante negativa”.

Já o Citi considerou que a “claramente, este ainda é o começo de uma longa e complexa história”. O Morgan Stanley retirou a recomendação “overweight” para as ações da Americanas.

Impacto no setor

O mercado também monitorou o impacto para ações de outras varejistas, o que levou a uma forte volatilidade para os ativos do setor durante todo o dia.

Anderson Meneses, CEO & Fundador da Alkin Research, destacou na véspera que a notícia poderia favorecer alguns pares do setor “porque quem busca exposição ao varejo, agora, dificilmente o fará pela Americanas”. Cabe ressaltar que, no after market da Bolsa de Nova York na última quarta, logo após o anúncio, as ações do Mercado Livre (MELI34), vista como queridinha entre as empresas de e-commerce, registravam ganhos de cerca de 7%. Nesta quinta, os BDRs MELI34 subiram 9,45%, a R$ 43,79, enquanto os ativos negociados nos EUA subiram 9,34%, na casa dos US$ 1.024.

Enquanto Mercado Livre subiu forte durante boa parte do dia, Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3) registraram uma sessão de forte volatilidade. As ações de ambas as empresas abriram em forte queda, mas durante a tarde tomaram rumos diferentes na Bolsa.

MGLU3 fechou com ganhos de 5,28%, a R$ 3,19, enquanto VIIA3 teve queda de 5,38%, a R$ 2,46. Cabe ressaltar que, na mínima do dia, as ações do Magalu chegaram a cair 11,22%, enquanto Via chegou a operar em alta (mas teve uma mínima com queda de 15,77%).

Para analistas da Genial Investimentos, a descoberta dessa inconsistência teria potencial de causar mau humor em relação ao setor de varejo e-commerce uma vez que os investidores irão se questionar se outras empresas estariam adotando as mesmas práticas contábeis da Americanas, “o que evidencia um risco (e nesse momento, é apenas um risco) de ocultação de informações relevantes no balanço dessas companhias”.

Lucas Pogetti, sócio da RGS Partners, aponta também que, sem sombra de dúvidas, o risco-sacado é uma operação muito comum no setor de varejo para financiar a cadeia e reduzir o impacto das necessidades de capital de giro. “Acredito que, com esse caso, grande parte das empresas de varejo devem revisitar os padrões contábeis internos vis-à-vis a regulamentação existente”, avalia.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.