Cyrela (CYRE3), MRV (MRVE3) e Tenda (TEND3): custos desafiam construtoras e analistas se dividem sobre projeções para setor

Por não conseguirem repassar preços, companhias com foco em classes mais baixas são mais impactadas, mas subsídios podem trazer alívio

Vitor Azevedo

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Todas as construtoras que publicaram seus resultados do quarto trimestre até agora trouxeram, em sua maioria, algo em comum: o aumento dos custos e dos gastos. Com a inflação pressionando os resultados do setor, analistas se debruçam para entender como serão os impactos – e até o Governo Federal está de olho na questão. Com a construção civil representando cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, houve anúncios de novos subsídios para tentar manter este mercado aquecido.

O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) fechou 2021 com uma alta de 14,03%, distribuída entre maiores custos com materiais, equipamentos, serviços e mão de obra. Em 2022, a alta acumulada já é de 1,22%, somando apenas os meses de janeiro e fevereiro, o que indica que os preços devem continuar a avançar.

A construtora Tenda (TEND3), voltada à baixa renda, por exemplo, viu a XP Investimentos definir que o seu quarto trimestre é algo a “ser esquecido”. De outubro a dezembro do ano passado, pesou no balanço companhia, justamente, algumas tendências macroeconômicas negativas que se instauraram recentemente.

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Os custos da Tenda neste período cresceram 16,6% na base anual, mesmo com a companhia tendo visto sua receita cair 26,2% na mesma comparação, com os números de vendas líquidas e de lançamentos praticamente estagnados.

“A Tenda divulgou resultados fracos no quarto trimestre de 2021, prejudicados por um aumento de custos bem acima das expectativas, levando a margem bruta ajustada ficar negativa em 10,9%, abaixo da nossa estimativa de 21,9%”, comenta Ygor Altero, analista da corretora, em relatório. “O resultado ruim já vem, em parte, do cenário macro. É muito pressionado pela dinâmica da inflação de custos, que vem até mesmo antes dos eventos recentes de guerra”.

Para a XP Investimentos, a Tenda foi a construtora que teve o pior resultado do quarto trimestre de 2021. Isso não significa, porém, que as outras companhias focadas na construção de imóveis não tenham sofrido pressões.

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A MRV (MRVE3), para o mercado, também teve um trimestre frustrante. Para o Itaú BBA, por exemplo, essa construtora reportou um “conjunto de resultados fraco”, uma vez que os fortes números da AHS, seu braço nos Estados Unidos, já eram antecipados. Já o Credit Suisse destacou que a MRV foi a segunda empresa a apresentar margens deprimidas devido às pressões inflacionárias e à necessidade de revisões orçamentárias.

Construtoras focadas em classes com mais renda conseguem repassar melhor os preços

Enquanto MRV e Tenda tiveram resultados considerados majoritariamente negativos pelo mercado, outras companhias como, Cury (CURY3), Plano & Plano (PLPL3) e Direcional (DIRR3) tiveram balanços mais bem recebidos – em geral, por focarem em classes com mais renda do que as duas antes mencionadas, essas empresas conseguiram repassar mais seus gastos, uma vez que pessoas mais pobres tem orçamentos mais limitados.

Os analistas da XP Investimentos, em um “pódio das construtoras” que soltaram resultado na última quinta-feira (17), colocaram a Cury no primeiro lugar, citando, justamente, o fato de a companhia ter aumentado seu preço-médio. “Apresentaram uma receita líquida sólida, de R$ 491 milhões, alta de 42% no ano, e aumentou seu preço médio em 22,6% na mesma base, para R$ 241 mil, levando a uma margem bruta mais forte do que a esperada”.

A Cyrela vem em segundo, com “resultados resilientes”, impulsionados por “lançamentos robustos”, que atingiram R$ 2,4 bilhões, e um “forte desempenho de vendas”, atingindo R$ 1,4 bilhão. “A empresa apresentou margem bruta saudável de 33,4%, queda de 1,3 ponto percentual no trimestre e alta 1,6 ponto no ano, apesar dos preços das matérias-primas sob pressão” completam os analistas.

Em terceiro lugar, os analistas destacam que a Plano & Plano (PLPL3) teve receita crescendo 8% no ano, para R$ 298 milhões, e fortes lançamentos, que chegaram a R$ 565 milhões, que foram, entretanto, ofuscado pela queda de 2,2 pontos da margem bruta no trimestre e de 6,8 pontos no ano.

A EzTec ([ativo=ETZC3]), como a Tenda, trouxe resultados considerados fracos. Ao contrário desta, porém, a construtora conseguiu sustentar suas margens, com a bruta ficando em 43,7%, e a piora se deu com as vendas caindo – a receita, contudo, ficou em R$ 176 milhões, baixa de 33% na base anual.

O Itaú BBA, em relatório, foi no mesmo caminho. O resultado da Cury foi definido como positivo pelo banco e o da Cyrela como “levemente positivo”. Plano & Plano e EzTec tiveram, respectivamente, balanços neutro e negativo.

Casa Verde e Amarela é alterada pelo governo e pode auxiliar construtoras com foco em baixa renda

Apesar de algumas companhias terem conseguido manter suas margens e terem trazido bons resultados, é esperado que a pressão do cenário macroeconômico continue no futuro próximo. Na semana retrasada, de olho nisso, o Governo Federal anunciou mudanças no programa Casa Verde e Amarela, visando impulsionar e manter o mercado imobiliário aquecido – uma vez que este, como já mencionado, é responsável por boa parte da economia brasileira.

Agora quem quiser construir, reformar ou comprar um imóvel novo ou usado em áreas urbanas poderá contar com até R$ R$ 130 mil custeados pelo programa, sendo que o limite anterior era de R$ 110 mil. Em áreas rurais o valor passa de R$ 45 mil para R$ 55 mil.

Além disso, famílias com renda de R$ 2 mil a R$ 4 mil terão taxa de juros 0,5% menores em empréstimos com fins imobiliários. “Isso deve melhorar a capacidade de pagamento das parcelas em aproximadamente 6% e aumentar em R$ 7 mil a capacidade de financiamento do cliente”, explica Altero.

“A nova curva aumenta os descontos para todas as faixas de renda elegíveis, mas provavelmente será particularmente relevante para famílias com faixa de renda de R$ 2 mil e R$ 2,4 mil, que se beneficiam tanto das taxas mais baixas quanto dos subsídios mais altos no nível da unidade”, contextualiza o analista Alex Ferraz, do Itaú BBA, em relatório.

Para Ferraz, haverá um aumento médio do subsídio de R$ 4,3 mil no total, alta de 37%, com a faixa mais baixa podendo receber até R$ 12,5 mil. “Assim, se presumirmos que as construtoras estão inclinadas a repassar os ganhos em subsídios para os preços, as margens dos projetos focados nos limites inferiores das faixas de renda podem aumentar de 450 a 500 pontos-base”, contextualiza.

Companhias focadas em baixa renda, então, devem se beneficiar mais da revisão anunciada. “Acreditamos que o anúncio é um bom presságio para o setor como um todo, uma vez que os players poderão canalizar seus bancos de terrenos para esses segmentos no médio prazo”, pontua.

Tanto para o Itaú BBA quanto para a XP Investimentos, a Tenda, que teve o pior resultado no quarto trimestre, deve ser a maior beneficiada pelas mudanças no CVA. “A Tenda tem praticamente toda operação focada na parte inferior do faixa dois e as mudanças devem ajudar a companhia a recompor margem bruta, que vem sofrendo nos últimos trimestres”, comentou o analista da XP Investimentos.

Companhias que trabalham com classes com rendas mais baixas têm mais dificuldade em repassar preços, uma vez que as pessoas que fazem parte desses grupos são mais sensíveis às altas. Essa característica foi, em parte, o que afetou as margens da Tenda no quarto trimestre do ano passado – e o que pode ser marginalmente remediado pelos subsídios governamentais.

Apesar de a Tenda ser a mais beneficiada, nomes como a Direcional, MRV e Plano & Plano também devem surfar nas mudanças.

Mesmo com cenário desafiador, XP tem recomendação de compra para todas construtoras

A XP Investimentos, em seu último relatório sobre todo o setor, que saiu em 8 de março, antes das publicações trimestrais, elevou a recomendação da MRV de neutra para compra e, com isso, colocou todas as construtoras de baixa e média renda sob sua cobertura com recomendações de compra.

Apesar de ser pouco beneficiada pelo programa Casa Verde e Amarela, a Cury (CURY3) é a top pick dos analistas da corretora, entre todas as companhias desse meio, com preço-alvo de R$ 13, ante os R$ 7,14 atuais, por ter ” interessante combinação de crescimento, valuation atrativo e a maior rentabilidade do setor”.

A Cury foca mais em clientes dos grupo dois e três do programa do CVA, estes com maior poder de aquisição. Por isso, para a XP, essa construtora deve no curto prazo conseguir repassar mais seus custos, diferentemente das companhias que trabalham com classes mais baixas. Algo parecido acontece também com a Cyrela.

De qualquer forma, analistas da XP enxergam que o pior já ficou para trás quando o assunto é custos e despesas, apesar de os níveis ainda estarem acima da média. “A partir do segundo semestre de 2021, com a desaceleração da pandemia, a escassez de oferta de materiais de construção estabilizou e algumas commodities, como o aço, iniciaram uma tendência de queda que pode ser um dos primeiros sinais de estabilização da inflação de custos de construção”, explica Altero.

Apesar de mais impactadas em suas margens, a perspectiva é que todas as companhias focadas em baixa renda também sigam resilientes. Além do CVA, há, para a XP, uma demanda reprimida por conta do grande déficit habitacional no Brasil, bem como a existência ainda de robustos recursos provenientes do FGTS, que devem incentivar as compras.

Com isso, a XP tem recomendação de compra para, além da Cury, Direcional, Tenda e Plano & Plano. A corretora ainda elevou na ocasião a MRV de neutra para compra. Do outro lado, porém, os analistas optaram por diminuir os preços-alvos das ações por conta do cenário macro.

Essas companhias, por fim, podem ainda se beneficiarem de seus tamanhos para surfar o mau momento e ganhar fatias de mercado. “Acreditamos que os atuais desafios macroeconômicos, especialmente o aumento da inflação da construção, podem aumentar a pressão sobre as margens, o que abre espaço para empresas maiores com operações mais fortes superarem empresas menores e ganharem progressivamente participação de mercado”, comenta Altero.

A opinião do Itaú BBA é semelhante. O banco tem recomendação outperform para Cury, Cyrela, EzTec e Plano & Plano, com preços-alvo em, respectivamente, R$ 14,50 (103% de upside), R$ 28,30 (75%), R$ 32,80 (80,9%) e R$ 9,30 (247%).

Credit Suisse tem visão mais neutra

Se a XP acredita que o pior já passou quando o assunto é “alta dos custos”, do outro lado, a visão dos analistas do Credit Suisse não é tão positiva. O banco vê 2022 como o ano do aumento dos gastos com mão de obra, ao contrário de em 2021, quando a alta dos gastos estava mais focada em matéria prima.

“Esperamos que os custos trabalhistas acelerem em 2022 e se tornem a principal fonte de preocupação para as construtoras. Os debates sobre o reajuste salarial estão começando e esperamos números de dois dígitos após uma forte inflação ao consumidor e alto poder de barganha dos trabalhadores”, comentam os analistas Daniel Gasparete, Pedro Hajnal e Vanessa Queiroga, do banco.

Para o Credit Suisse, as construtoras conseguirão, além do mais, lidar de maneira ainda pior com a alta dos custos com trabalhadores. “Diferentemente de 2021, quando conseguiram compensar os custos mais altos de material elevando os preços de venda, acreditamos que os custos de mão de obra devem pesar nas margens em 2022”, explicam. Segundo eles, as companhias de construção civil já estão tendo dificuldades em repassar os preços por conta da alta de juros, do ambiente macro desafiador e pela alta concorrência.

Com isso, o banco vê as construtoras, em 2022, tendo custos avançando mais do que o INCC, isso porque o Índice Nacional de Custos da Construção tem alguns erros conceituais em sua definição. A cidade de São Paulo, por exemplo, representa apenas 40% do índice, mas é onde a maioria dos lançamentos de grandes construtoras está concentrada. O cálculo ainda assume que as construtoras possuem equipes próprias e desconsidera o reajuste de terceirizadas.

“Mantemos nossa visão cautelosa. Acreditamos que as cestas de custos das construtoras superando o INCC por mais um ano é um evento impactante e com probabilidade crescente que, até o momento, parece não ter sido precificado pelos investidores”, completam.

O Credit tem recomendação neutra para a MRV, Tenda e Cyrela, com preços-alvo, respectivamente, em R$ 15 (34% de upside), R$ 23 (R$  170,5%) e R$ 20 (21,9%).

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