Após superar os 121 mil pontos, Ibovespa se afasta das máximas de 2022: otimismo passou?

Estagnação da economia mundial junto com inflação alta são ameaças para performance do Ibovespa no ano

Mitchel Diniz Vitor Azevedo

(shutterstock)

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Depois de uma sequência de altas, na qual chegou a ultrapassar os 121 mil pontos o que levou a, inclusive, a uma série de revisões para cima das projeções para 2022, o Ibovespa perdeu força e se afastou da sua máxima do ano, registrada no primeiro dia deste mês, já acumulando queda de mais de 6%, operando nesta quarta-feira (20) próximo dos 114 mil pontos. De forma instantânea, começaram a surgir comentários de que a bonança acabou e de que a Bolsa brasileira deixou de ser atrativa, o que ainda não é certo – mas de forma geral, o cenário está cada vez mais turvo.

Isabel Lemos, gestora de renda variável da Fator Administração de Recursos, acredita que o fato do Ibovespa ter se afastado das máximas não muda, por enquanto, as perspectivas para o índice em 2022, as quais ela considera “razoáveis”. “É pouco provável, porque o mercado e as casas já colocaram o aumento de juros americanos e locais na conta para fazer o fluxo de caixa das empresas”, afirma. “É importante lembrar que o índice não é uma ação”.

Nesta semana, o rendimento dos treasuries com vencimento em dez anos teve forte alta. No fechamento da última terça-feira (19), o título fechou oferecendo uma taxa de 2,96%, a maior desde março de 2018.

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A perspectiva de que a inflação pode permanecer alta por mais tempo do que o esperado, com a guerra na Ucrânia e lockdowns na China, leva o mercado a apostar que o Federal Reserve terá de elevar ainda mais os juros, freando o crescimento econômico.

Essas incertezas no panorama mundial ainda se somam ainda às incertezas provindas do Brasil, em um ano marcado pelas eleições presidenciais e em uma conjuntura política muito polarizada. Recentemente, pesou também sobre o índice, no cenário interno, a pressão de funcionários públicos por um aumento salarial, o que coloca mais nuvens no horizonte da questão fiscal brasileira.

Para Pedro Tiezzi, analista de investimentos da SVN, a Bolsa, com tudo isso, deve lidar com forte volatilidade no curto prazo. “Temos muita cautela em definir um valor terminal este ano para a Bolsa, mas seguimos alocando em fundos de renda variável e de ações, pensando em uma alocação mais estrutural, de longo prazo”, afirma.

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Segundo ele, uma normalização de fluxos de suprimentos – algo muito dependente da guerra da Ucrânia e do tempo de manutenção dos lockdowns na China – e um possível fim do ciclo de alta de juros no Brasil tendem a diminuir a atratividade da Bolsa para o capital estrangeiro. “A gente espera que o recurso que entrou saia na margem ou não venha na mesma intensidade”, afirma.

Estagflação é risco para performance do Ibovespa

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital – casa que vê o Ibovespa fechar o ano nos 118 mil pontos (ou uma pontuação apenas 2,6% maior em relação ao fechamento de terça), destaca fatos recentes que contribuíram com o revés da Bolsa brasileira. Do lado internacional, a guerra na Ucrânia se prolonga, ainda sem projeção de uma resolução, trazendo os temores de uma recessão global. O conflito fez com que o Banco Mundial reduzisse a projeção do Produto Interno Bruto (PIB) global para 2022, de 4,1% para 3,2%.

“Como as ações de maior peso da Bolsa brasileira são fornecedoras de commodities, uma perspectiva de evolução negativa para países da Europa traz viés negativo para o mercado financeiro doméstico. É este o principal fator que contribui para a mudança de perspectiva sobre o Ibovespa”, afirma Argenta.

A economista também cita mudanças na visão de quando se dará o fim do ciclo de aperto monetário, depois que a inflação de março veio bem acima do esperado, com alta de 1,62% na base mensal, ante 1,30% do consenso. “Isso faz com que investimentos que já estão no Brasil sejam realocados em renda fixa”, complementa.

A curva de juros no Brasil voltou a ganhar força, com o mercado esperando que o Banco Central tome medidas mais duras para frear a alta dos preços e também para tornar os títulos públicos no país mais atrativos em um cenário em que todas as economias do mundo caminham para oferecer taxas mais altas. Com isso, investimentos em renda fixa acabam por ganharem força frente aos de renda variável.

O DI com vencimento em janeiro de 2023, por exemplo, fechou nesta terça-feira oferecendo uma taxa de 13,03%. O número fica um pouco aquém da máxima alcançada na semana passada, de 13,24%, mas ainda está bem acima daquilo registrado no começo do mês, quando o contrato oferecia um rendimento de cerca 12,50%.

Thomas Giuberti, economista e sócio da Golden Investimentos, nota, justamente, que a Bolsa brasileira passou por ajustes no momento em que curva de juros passou a abrir, o que aconteceu não só no Brasil. “A guerra traz um vento maior para a inflação, porque dificulta ainda mais a oferta de produtos, de commodities e os preços sobem”, afirma.

A possibilidade de a economia mundial se manter estagnada, diminuindo a demanda por commodities, junto com a possibilidade de que as altas de juros avancem ainda mais no Brasil, e continuem a avançar no resto do mundo, acabaram por derrubar o índice brasileiro.

Commodities mais caras, mas volumes de vendas menores

De um lado, então, a inflação tende a elevar o preço das commodities. Do outro, porém, o baixo crescimento acaba minimizando o otimismo, pois as companhias exportadoras brasileiras passam a vender volumes menores. Algo do tipo foi visto já nas prévias operacionais da Vale (VALE3) e no balanço do primeiro trimestre da Usiminas (USIM5). Ignorando algumas particularidades operacionais, ambas companhias já viram seus volumes de vendas diminuindo e os preços cobrados aumentarem.

Para Richard Rytenband, CEO da Convex Research, um cenário de alta inflação com baixo crescimento global é algo não visto no mundo já há algum tempo. “Neste momento temos uma configuração econômica totalmente distinta do que tivemos nas últimas décadas. Algo que apareceu apenas nas décadas de 70 e 80, de estagflação, combinando baixíssimo crescimento com grandes ondas inflacionárias”, explica.

O início do aperto monetário nos EUA e em outras grandes economias costuma, normalmente, ilustrar um bom momento para a economia brasileira – os países desenvolvidos, quando em crescimento, consomem mais commodities. Se as projeções de baixo crescimento mundial se firmarem, contudo, a cena será diferente.

De acordo com Rytenband, normalmente, os ciclos de apertos monetários começam quando as economias estão aquecidas e os preços ainda controlados, o que costuma ser favorável para a Bolsa brasileira. O que se vê desta vez, no entanto, é que a inflação já estaria se mostrando fora do controle e os bancos centrais, atrasados. “Desta vez, o ciclo de aperto monetário está começando com a inflação já fora do trilho”, comenta.

“Nesse caso, o tipo de aperto monetário costuma ser mais brusco e mais intenso, justamente porque os bancos centrais estão atrasados em relação à inflação”, pontua Rytenband. “Quando isso aconteceu anteriormente tivemos uma situação ruim para a Bolsa brasileira, que ficou em um longo mercado de baixa. É o que tende a acontecer também agora”.

Especialistas divergem sobre impacto de alta dos treasuries yields na Bolsa brasileira

Por fim, algo muito discutido em momentos de alta dos juros no mundo – e principalmente nos Estados Unidos – é que há um fluxo natural de saída de capital das bolsas emergentes com investidores buscando títulos públicos de grandes economias.

Frederico Pasquali, diretor da mesa de investimentos da Ável, lembra que diretores do Federal Reserve já sinalizam com a possibilidade de uma alta de 0,75 ponto percentual na taxa de juros dos Estados Unidos. Além disso, a autoridade monetária também aponta para elevações em todas as reuniões do colegiado previstas para este ano. “A gente vai ter, no final do ano, juros mais elevados nos Estados Unidos e com certeza teremos fuga de capital do Brasil e de outros emergentes, indo para a rentabilidade que Tesouro americano vai entregar”, afirma.

A visão de que a alta dos juros nos EUA leva a um fluxo de saída e a uma desaceleração da bolsa brasileira, com investidores buscando comprar títulos americanos, no entanto, é contestada por alguns.

“Essa é a ‘análise’ mais popular nas rodas de conversas de investidores. É a mais típica, convincente, e errada. Como toda afirmativa que é popular e amplamente aceita como verdade, o que realmente acaba acontecendo é o contrário”, considera o gestor Henrique Bredda, do Alaska, em rede social no começo de fevereiro.

Bredda afirma que hoje a inflação se explica principalmente devido a altas nos preços das commodities, o que é benéfico para países como o Brasil. “Na década de 70, isso nos prejudicou fortemente. Éramos fortes nas commodities agrícolas, mas foi o petróleo o grande protagonista da época”, comenta. Segundo ele, naqueles tempos, sim, havia relação entre uma alta dos juros americanos e uma baixa do mercado brasileiro.

Na história mais recente, investidores não correm mais para títulos americanos com a sinalização de altas de juros pelo Fed e sim vão buscar novas oportunidades em outros mercados, ao menos quando a perspectiva é de crescimento global.

A performance da Bolsa brasileira no restante do ano, nessa visão, dependerá mais dos preços das commodities, do crescimento econômico mundial e, por fim, do próprio cenário brasileiro.

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Mitchel Diniz

Repórter de Mercados