Alívio para inflação e para Petrobras (PETR4), mas com risco fiscal: quais impactos dos anúncios para reduzir preços de combustíveis?

Medidas, se aprovadas, podem ter impacto forte nos preços de combustíveis e gerar alívio nos preços no curto prazo, mas cenário para frente é mais incerto

Lara Rizério

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Na noite da última segunda-feira (6), o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou que o governo apresentará uma emenda à constituição que vai compensar os estados que aceitarem zerar o ICMS sobre diesel e gás de cozinha. A medida, que vale até dezembro de 2022, ficaria condicionada à aprovação pelo Senado do Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que foi aprovado pela Câmara há duas semanas e estabelece teto de 17% para o ICMS sobre combustíveis e energia elétrica, entre outros. O mecanismo de compensação, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, custaria ao governo federal entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões.

As expectativas são de que tais medidas, se aprovadas, possam gerar um alívio de curto prazo na inflação, mas cobrando um preço mais à frente por conta da renúncia fiscal.

“Nossos cálculos apontam que, se o pacote completo [PLP e PEC] for implementado o impacto sobre a inflação de curto prazo pode ser substancial (até 2 pontos no IPCA cheio), mas deve criar um buraco fiscal que pode atingir R$ 100 bilhões até o final do ano”, aponta a XP.

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O Itaú estima que somente a zeragem dos impostos federais incidentes sobre gasolina e etanol custaria cerca de R$ 17 bilhões e poderia trazer um impacto deflacionário de até 69 pontos-base. A redução de 17% para zero do ICMS para diesel e gás de cozinha custaria R$ 20 bilhões e reduziria a inflação em 0,21 ponto percentual.

Já o PLP 18 poderia reduzir a inflação em até 186 pontos-base e implicaria em perda de receita de cerca de R$ 93 bilhões por ano. “Dito isso, é importante considerar que mesmo em caso de aprovação, os estados ainda podem recorrer à Justiça para impedir que o projeto entre em vigor. Assim, o resultado em relação ao momento e ao impacto geral ainda não está claro”, avalia o banco.

Supondo que essas duas medidas (PLP 18 e PEC de compensação) sejam aprovadas, o impacto potencial global seria de 301 pontos-base para a inflação, se a redução de impostos for repassada integralmente aos consumidores, com um custo fiscal anualizado em torno de R$ 168 bilhões (1,7% do PIB).

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Olhando especificamente sobre o impacto para os combustíveis, o Credit Suisse aponta que, para a gasolina, a redução total do preço na bomba pode chegar a R$ 1,40/litro (queda de cerca de 20% ante os níveis atuais), sendo R$ 0,69/litro pela eliminação dos impostos federais, e R$ 0,70/litro de impostos estaduais (limitação do ICMS em 17%). Para o diesel, os preços podem ser reduzidos em R$ 0,82/litro (em 12%) a partir da eliminação do ICMS.

Já para o Bradesco, se aprovado, o subsídio pode ter um impacto enorme nos preços das bombas. O banco estima uma redução de R$ 1,34/l nos preços da gasolina, para o etanol a redução seria de R$ 0,94/l e para o diesel o corte seria de R$ 0,82/l.

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O UBS BB estima que, em São Paulo, a medida tenha potencial para reduzir impostos sobre gasolina por um valor combinado de R$ 1,17/l (17% na bomba), sendo R$ 0,69/l de impostos federais e R$ 0,48/l de impostos estaduais – o que tem potencial para reduzir os preços do etanol na bomba em 16%.

Positivo para Petrobras e empresas de logística, não tanto para sucroalcooleiras

Olhando para o mercado acionário, analistas do Credit destacam que o anúncio é positivo para a Petrobras (PETR3;PETR4), pois um dos riscos mais importantes para o caso de investimento na estatal envolve a política de preços da empresa, em um momento de forte pressão sobre ela em meio ao avanço dos valores das commodities. As medidas propostas não interferem diretamente na Petrobras e efetivamente separam a empresa do debate político, apontam.

Além disso, do ponto de vista da Petrobras e da indústria brasileira de petróleo e gás, a nova proposta não traz nenhum aumento de carga tributária, como impostos extraordinários sobre as empresas petrolíferas. Por fim, analistas acreditam que este também é um exemplo da eficácia da forte governança da estatal em mitigar os riscos de interferência política.

“A medida mais uma vez reforça nossa visão de que não há interferências externas na Petrobras, apesar dos ruídos. Além disso, consideramos as propostas positivas para a estatal, uma vez que poderiam ajudar a aliviar a preocupação com os preços e, portanto, com a política de preços de combustíveis da Petrobras”, reforça o UBS BB.

Também para o BBI, para a Petrobras, essa seria uma notícia altamente positiva, pois tiraria da empresa a pressão para reduzir os preços dos combustíveis ao consumidor final no Brasil. Neste cenário, o dia foi de ganhos para as ações da petroleira na Bolsa, ainda que os papéis tenham registrado alguma volatilidade e fechando longe das máximas: os ativos ON subiram 0,36%, a R$ 33,86, enquanto os papéis PN tiveram ganhos de 1,19%, a R$ 30,66.

Enquanto isso, para empresas de distribuição de combustíveis, como Vibra VBBR3) e Ultrapar (UGPA3), a medida representaria uma oportunidade inacreditável de alívio de margens, apontam. “Por outro lado, para a Raízen (RAIZ4), o corte de impostos seria marginalmente negativo, pois os preços do etanol para os produtores teriam que cair R$ 0,7-0,8/l para acompanhar a paridade de 70% com a gasolina. Porém, o impacto na Raízen deve ser amenizado pelo aumento das margens de distribuição de combustíveis”, avalia o BBI. VBBR3 fechou em alta de 1,36% nesta sessão, a R$  18,65, enquanto UGPA3 teve queda de 0,45%, a R$ 13,26. Por outro lado, RAIZ4 teve queda forte, de 5,37%, a R$ 5,64.

Para o Credit Suisse, se aprovado, o projeto de lei proposto pode ter efeitos cascata negativos para os produtores de etanol. A gasolina e o etanol hidratado são produtos substitutos no Brasil, sendo que grande parte da frota de carros é “flex” (ou seja, que pode abastecer com gasolina ou etanol).

Normalmente existe uma assimetria de imposto entre os dois combustíveis, com PIS/COFINS e CIDE para gasolina  (R$ 0,69/litro) substancialmente maiores do que sobre o etanol (R$ 0,24/litro).

Portanto, se os impostos federais forem reduzidos a zero tanto para gasolina quanto para etanol, então o incentivo ao uso do etanol também seria reduzido. Além disso, a limitação da alíquota do ICMS em 17% também reduziria os preços da gasolina e, consequentemente, os preços do etanol para produtores diminuiriam.

“Estimamos que os preços aos produtores de etanol poderiam ter um declínio em cerca de R$ 0,60-0,80/litro como efeito combinado das mudanças propostas para PIS/COFINS e ICMS”, apontam.

No universo de cobertura do Credit, o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) da Raízen poderia ser negativamente se o projeto afetado for aprovado – embora isso possa ser parcialmente compensado por preços da CBio – créditos de carbono do setor de combustíveis – e paridade de preços do etanol nos mercados de exportação.

Para o etanol, o UBS BB aponta que a zeragem de tributos federais poderia levar a uma redução de R$ 0,24/l em São Paulo(o ICMS do estado já está abaixo de 17% para o etanol), reduzindo o potencial impacto aos produtores.

Para os distribuidores de combustíveis, os analistas da casa avaliam que menos impostos ajudam a reduzir a evasão fiscal no setor. “Impostos mais simples e menores poderiam ser favoráveis ​​às empresas de distribuição de combustíveis, em um momento em que o setor enfrenta um ambiente desafiador com significativa evasão fiscal de players menores, o que reduz as margens em todo o Brasil. Acreditamos que as propostas deixam menos espaço para a evasão fiscal sobre os combustíveis, mesmo que temporariamente”, avaliam.

Por fim, a Eleven Financial destaca que as medidas podem ter impacto positivo para empresas de logística, ainda que o desempenho não seja sentido neste pregão, que é de queda para as ações das duas empresas citadas.

São a Sequoia (SEQL3) e a JSL (JSLG3), para as quais os analistas da casa possuem recomendação de compra, com preços-alvo respectivos de R$ 22 e R$ 12.

“Caso a proposta seja concretizada, trará um alívio para as empresas de logística rodoviária, principalmente a Sequoia, que tem enfrentado dificuldade em repassar o aumento dos custos, dos quais o combustível é um dos principais, dos seus agregados (caminhoneiros) para os clientes finais”, avaliam. No momento, contudo, ambas caem: SEQL3 teve baixa de 4,39% (a R$ 8,28) e JSLG3 teve queda de 0,98% (a R$ 6,04).

Caminhos no Congresso

O Credit Suisse ressalta os trâmites para a aprovação no Congresso. Para superar as limitações fiscais, o governo precisa seguir o caminho de uma emenda constitucional para evitar conflito com o teto de gastos ou com a lei de responsabilidade fiscal.

“No Brasil, as emendas constitucionais exigem dois terços dos votos no Congresso sejam aprovados, o que acreditamos ser difícil de alcançar. A probabilidade de tais cortes de impostos é maior em ano eleitoral, em nossa opinião. Finalmente, as propostas podem ser modificadas nos próximos dias como resultado do debate no Congresso”, avaliam os analistas.

Como já destacado, as desonerações e as compensações devem constar na PEC a ser editada pelo Executivo, com caráter
extraordinário e validade até o fim deste ano. A compensação da União, por sua vez, passaria a valer já a partir do início de julho, sendo custeada pelo aumento de receitas obtidas com royalties do petróleo, dividendos da Petrobras e receitas extraordinárias decorrentes da desestatização da Eletrobras (ELET3;ELET6).

A PEC, na prática, aponta a Levante Ideias de Investimento, pressiona o Senado para aprovar o PLP 18/2022 com maior celeridade.

“Finalmente, o governo bateu o martelo sobre a questão dos combustíveis e deve promover cortes mais agressivos em impostos para que os preços diminuam no curto prazo, trazendo algum alívio inflacionário. É inevitável, porém, classificar o movimento do Executivo como eleitoreiro, na medida em que os custos e renúncias anunciados têm elevado custo fiscal.
Há, porém, uma boa justificativa, que deve ser utilizada por todo o Planalto e Esplanada dos Ministérios, para as medidas: a guerra entre Rússia e Ucrânia e o atual preço do petróleo no cenário internacional”, avaliam os analistas da casa.

A Levante espera, no geral, um impacto levemente negativo para os mercados no curto prazo, uma vez que existem, ainda, incertezas sobre o real impacto dos cortes sobre os preços e, mais preocupante, o caráter temporário da proposta, que pode contratar uma inflação mais alta para 2023.

A curva de juros já embute um prêmio maior por esse risco e sobe nesta sessão, principalmente nos vencimentos mais longos: Os juros futuros operam em alta: DIF23, +0,04 pp, a 13,49%; DIF25, + 0,13 pp, a 12,67%; DIF27, +0,19 pp, a 12,59%; e DIF29, +0,21 pp, a 12,69%. O dólar também avançou, com alta de 1,64%, a R$ 4,874 na compra e na venda, após chegar a R$ 4,93 na máxima do dia.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.