4 motivos para duvidar dos títulos de Bitcoin de El Salvador

O tão elogiado “título do vulcão" do país não resiste a uma análise mais aprofundada

CoinDesk

(Getty Images)

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*Por Frank Muci

Para os entusiastas das criptomoedas, os títulos de Bitcoin (BTC) de El Salvador, também chamados de “títulos do vulcão”, são extremamente empolgantes. Seria a primeira vez que um título soberano de bilhões de dólares viraria um token em uma blockchain.

Também seria a primeira vez que um governo evitaria as instituições financeiras tradicionais para emitir dívida usando uma exchange de criptomoedas, recebendo metade dos lucros para comprar BTC e usando o restante para financiar uma infraestrutura de mineração de Bitcoin alimentada por energia geotérmica. Infelizmente para os bitcoiners (pessoas que usam ou mineram a criptomoeda), no entanto, o título tem grandes sinais de alerta.

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Para contextualizar, o governo de El Salvador adiou a venda dos títulos citando condições de mercado relacionadas à Guerra na Ucrânia e ao preço do BTC. Mas, o ministro das finanças do país explicou que a emissão está pronta e o presidente Nayib Bukele informou que o produto seria lançado assim que uma reforma previdenciária local for aprovada.

Então, quais são as preocupações? Veja quatro motivos para não embarcar na empreitada.

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1 – Emissor inadequado

O ministro das finanças do país, Alejandro Zelaya, confirmou que uma pequena empresa estatal de energia, a LaGeo, emitirá o título, e não a República de El Salvador. Isso pode soar como uma distinção trivial, mas não é.

Com um cupom de 6,5%, o título de bilhões de dólares gerará US$ 65 milhões em despesas anuais com juros, mas de acordo com as demonstrações financeiras da LaGeo, a empresa registrou apenas US$ 136 milhões em receita no ano passado e US$ 36 milhões em lucros.

Como resultado, os pagamentos de juros adicionais tornarão a empresa pouco lucrativa. Além disso, a LaGeo já tem US$ 205 milhões em dívidas de longo prazo, então o título sextuplicaria sua alavancagem. Essa mudança de última hora faz pouco sentido econômico.

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Zelaya recentemente insinuou que o título da LaGeo seria garantido pela plena fé e crédito de El Salvador, mas uma garantia soberana não é real até que seja codificada em um contrato de dívida juridicamente vinculativo, o que levanta a próxima preocupação.

2 – Informações limitadas e proteções legais

O governo de El Salvador não divulgou um prospecto para o título de Bitcoin. Geralmente, trata-se de documentos legais de mais de 100 páginas com informações financeiras, alertas sobre fatores de risco e termos e condições.

De fato, as autoridades nem sequer publicaram um whitepaper (documento com informações aprofundadas sobre o projeto) ou site com a fórmula para o dividendo em BTC; além de planos para proteger o título de BTC, que já recebeu compromissos verbais de US$ 500 milhões; ou qualquer outro fato básico.

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Com isso, potenciais compradores estão pegando informações sobre o produto financeiro em um slide desatualizado de PowerPoint divulgado em novembro do ano passado.

Além disso, parece que o título deve ser regido pela lei local de El Salvador, não pela legislação de Nova York, como todos os outros títulos do país. Nesse caso, isso significa que quaisquer disputas futuras devem ser resolvidas no sistema judiciário da nação latino-americana, que tem um estado de direito mais fraco do que o dos Estados Unidos.

Em maio do ano passado, o Congresso de El Salvador votou pela demissão de cinco juízes da Suprema Corte e os substituiu às pressas em menos de dois meses.

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De qualquer forma, a nova estrutura legal que deve reger o novo título tokenizado não foi apresentada ao Congresso de El Salvador ou aprovada, de modo que os potenciais compradores não sabem que tipos de leis regerão o instrumento.

Nada disso importa se o governo de El Salvador estiver disposto e for capaz de pagar a dívida até o vencimento em 2032. Mas, muita coisa pode acontecer em dez anos, então se a disposição para pagar ou a capacidade de honrar com os compromissos mudarem na próxima década, os investidores ficarão presos a um título com status legal questionável em uma jurisdição que pode não tratá-los de forma justa. Isso é muito relevante dado o próximo ponto.

3 – Finanças insustentáveis

Os títulos de longo prazo de El Salvador estão sendo negociados atualmente por apenas um pouco mais de US$ 0,50 porque os mercados financeiros tradicionais esperam que o país pare de pagar sua dívida em breve, talvez já em janeiro do próximo ano, quando vence um grande título de US$ 800 milhões.

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Normalmente, os países em dificuldades financeiras tentam evitar crises econômicas tomando medidas muitas vezes drásticas para recuperar a sustentabilidade fiscal, geralmente por meio de alguma combinação de cortes de gastos, aumentos de impostos e outras reformas estruturais.

No entanto, esse não parece ser o plano atual em El Salvador, o que aumenta a perspectiva de insolvência e crise da dívida. Se El Salvador parar de pagar dívidas nos próximos dois a três anos, não faz sentido que o país emita ainda mais dívidas, a menos que seu governo tenha traçado um caminho claro para a sustentabilidade financeira. Isso não parece ser o caso agora.

4 – Ligação com Bitfinex e Tether

Além disso, o título será emitido na Bitfinex, uma exchange de criptomoedas banida dos Estados Unidos e que foi multada repetidamente por reguladores. A Bitfinex e sua holding iFinex têm laços estreitos com a stablecoin Tether (USDT) por meio de acionistas e administradores comuns.

A Tether também tem um longo histórico de desentendimentos com reguladores, especialmente por causa da falta de transparência em torno das reservas em dólares americanos que respaldam seus tokens.

Diante desses fatos, parece que a parceria com outra grande exchange de criptomoedas, como a FTX ou a Coinbase, e o uso de outra stablecoin como o USD Coin (USDC) ampliaria o universo de potenciais investidores, incluindo americanos, e aliviaria as preocupações sobre o histórico questionável dos patrocinadores dos títulos.

Sucesso gera sucesso

Para as criptomoedas competirem com as finanças tradicionais e entrarem no mercado de títulos soberanos, a primeira emissão de dívida por um estado-nação na blockchain precisa ser bem-sucedida. Se o título do vulcão falhar, será ridicularizado e tornará difícil, se não impossível, que outros países tentem algo semelhante.

Mas, o que vimos em El Salvador é um sinal de alerta atrás do outro: mudança de última hora do emissor do governo nacional para uma empresa de energia pequena e pouco conhecida, e uma preocupante falta de documentação legal e de informações básicas.

Também não há planos para conter o déficit orçamentário e evitar um provável calote da dívida soberana, e as parcerias até aqui são com organizações duvidosas. É por isso que a comunidade em torno do Bitcoin deve deixar o título do vulcão passar e esperar até que uma oportunidade melhor apareça.

*Frank Muci é membro da Escola de Políticas Públicas da LSE. Seus interesses de pesquisa incluem política de crescimento econômico e gestão de finanças públicas.

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