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As NFTs e o admirável mundo novo da arte

Fabio Szwarcwald, economista que fez carreira no mercado financeiro e hoje é diretor do MAM do Rio de Janeiro, vê as obras digitais transformando, de forma duradoura, o mercado cultural

Em março, o artista Mike Winkelmann — um ilustrador de 41 anos e morador de Wisconsin, mais conhecido pelo pseudônimo Beeple — vendeu uma de suas criações por 69,3 milhões de dólares. Foi a primeira obra existente apenas no mundo virtual, no formato NFT (sigla em inglês para “tokens não fungíveis”), a ser negociada pela casa de leilões Christie’s. Até agora também é a mais valiosa desse tipo.

O valor milionário mostra a escala com que ativos digitais estão introduzindo um jeito completamente novo de fazer, vender, distribuir e consumir obras de arte no mundo. Mais do que apenas um arquivo digital, os NFTs estão registrados em plataforma blockchain, o que permite garantir a propriedade e a autenticidade de uma obra de arte para um colecionador.

Além de casas tradicionais, como a Christie’s, novas plataformas se estabeleceram, como a OpenSea, que é uma das maiores do mundo e registrou, de janeiro a agosto de 2021, mais de 4 bilhões de dólares nas vendas anuais de NFTs.

Aos 49 anos, o economista carioca Fabio Szwarcwald — colecionador há quase duas décadas e com uma longa carreira no mercado financeiro — é um observador privilegiado dessa mudança. Ex-executivo do Credit Suisse e do Banco Votorantim, ele ocupa desde o início de 2020 a diretoria do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Para ele, vivemos um momento disruptivo não apenas no mercado de colecionadores como também no estabelecimento de uma nova plataforma artística com características próprias.

Em setembro, a artista brasileira Monica Rizzolli arrecadou 28,4 milhões de reais em um leilão, por meio da plataforma Artblocks, da coleção Fragments of an Infinite Field, formada por 1.024 peças que mudam de acordo com a estação do ano — algo que não seria possível numa obra física.

Szwarcwald prevê que, em breve, deve se tornar mais comum que colecionadores e museus usem televisores de alta definição para expor obras desse tipo. De seu escritório, ele falou ao InfoMoney.

Depois do recorde da obra do Beeple neste ano, qual o potencial de valorização dos NFTs?

Hoje há outros artistas de muito renome, como o Damien Hirst, que, meses atrás, arrecadou mais de 23 milhões de dólares com uma obra digital. A coleção CryptoPunks foi arrematada por 11,8 milhões de dólares em um leilão da Sotheby’s. O que é marketing por trás disso vamos saber daqui a uns dez anos, quando esse comprador voltar ao mercado com a obra para tentar vendê-la. Existe um novo mercado que ainda estamos tateando.

Além desses casos que chamaram mais a atenção recentemente, qual o tamanho desse novo universo hoje no mundo e no Brasil?

No mundo, os principais artistas são Beeple, Rifik Anadol, Pak, Mad Dog Jones e coleções como CryptoPunks e Bored Ape Yacht Club. Como plataforma, as mais famosas são ArtBlocks, SuperRare, Nifty e OpenSea. No Brasil, alguns nomes se destacam, como Fesq, Vini Naso, Uno e a arte generativa da Monica Rizzolli.

Além das somas milionárias, como o NFT tem mudado o mundo das artes?

É um momento disruptivo, em que todo mundo passou a repensar suas formas de trabalhar, produzir e negociar. No formato NFT, com o smart contract, você acompanha para onde vai seu trabalho até o final: sabe quem comprou, de quem adquiriu, por quanto, se revendeu de novo, o valor pago e com quem está o trabalho. Você consegue, na verdade, ter até fiscalmente um acompanhamento muito fidedigno. Não existe mais aquilo que as pessoas costumam dizer: “Ah, vamos fazer uma negociação”. Agora, você tem um contrato inteligente digital, a negociação é feita na internet em um sistema superseguro, com seus dados. Não tem como burlar o mercado. O NFT não é complexo. É que as pessoas o desconhecem. Acho que no futuro será igual um mandar e-mail.

Qual o interesse do colecionador em ter um NFT?

A obra vira um ativo e pode ser mantida na carteira ou ser exposta, como um quadro normal, numa televisão de última geração. Posso ter uma TV maravilhosa, fininha, em casa e compro um trabalho lindo, coloco na tela e nem percebo se é uma televisão ou um quadro. O ativo digital se torna seu e pode depois ser vendido também. Você está no Brasil e o comprador está no Japão, por exemplo. Como a obra é digital, ela vai automaticamente para a carteira dele. Acabaram os trâmites de embalar a obra, de desembaraço na alfândega, de transporte, de contratar um seguro, de restaurar a obra, de guardá-la. O NFT traz a oportunidade de um colecionismo, por um lado, muito mais barato. Quanto custa para manter uma coleção dessas? E quando você resolve vender a obra há um mercado muito mais amplo, mundial, em que é possível vender diretamente para o comprador, sem passar para uma galeria ou casa de leilão. Você adiciona a obra numa plataforma e divulga: “Eu tenho um Picasso, digital, que vale 10 milhões. Quem quer comprar?”

Em sua visão, o NFT é sustentável ou pode ser uma bolha?

É sustentável. É a mesma coisa da fotografia. Décadas atrás, algumas pessoas diziam: “Ah, não, qualquer um pega uma câmera e tira uma foto”. Hoje, a foto é extremamente valorizada no meio artístico. Artistas fazem esculturas, pintam, fotografam, fazem videoarte. E, a partir de agora, haverá cada vez mais artistas fazendo pinturas ou esculturas em obras digitais. Ou filmando uma performance e vendendo como NFT. Depois de feita a obra digital, basta escolher uma plataforma — existem várias — para vender a produção pelo planeta. No Brasil, as plataformas mais conhecidas são Tropix, BrasilNFT, NFTTrends e 9block. Qualquer colecionador do mundo pode comprar a obra, sem burocracia, pagando na criptomoeda Ethereum.

O NFT nas artes pode virar um bom investimento financeiro?

Cerca de 90% das plataformas que vendem obras de arte utilizam a criptomoeda Ethereum. Para o investidor, pode ser um duplo ganho. Ele pode lucrar com a valorização do Ethereum e com a valorização da obra de arte, se isso acontecer.

Quais são os riscos para quem compra uma obra virtual? Se perder a senha, pode acontecer de não encontrar a obra? O funcionamento é similar ao de uma conta de criptomoedas?

Qualquer ativo carrega riscos. O colecionador pode colocar a obra digital numa carteira digital e perder a senha da wallet em plataformas como a OpenSea, onde o usuário faz a custódia de seu ativo. No entanto, o risco é mitigado em corretoras que comercializam os NFTs, já que essas plataformas oferecem custódia e facilitam a recuperação de senhas. Cada vez mais a tecnologia avança rápido para mitigar os riscos.

Um ponto interessante é que é muito mais difícil comprar obras falsas em NFTs do que no mundo físico. A falsificação de uma obra digital numa plataforma séria NFT é bem mais rara. Porque está ali, tem o código e o smart contract. Além disso, o NFT traz o direito de sequência. Quando se compra um trabalho, o artista deve receber uma porcentagem da valorização numa revenda, e isso quase não acontece no Brasil. Por exemplo, o comprador adquire uma obra da Beatriz Milhazes por 500 mil reais e depois a revende por 1 milhão. A Beatriz tem de receber uma porcentagem, que pode chegar a 5% desse 1 milhão de reais. No NFT, com o smart contract, isso ocorre automaticamente.