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As lições de sucessão e governança da Disney – e as interrogações nas cabeças dos investidores

Bob Iger, que liderou a Disney entre 2005 e fevereiro de 2020, voltou à empresa em novembro. Cotado até como candidato a presidente dos EUA, o executivo precisará corrigir erros e mostrar a que veio
Por  Roberto Vinhaes, Maria Antonia Viuge -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O americano Bob Iger, que liderou a Disney entre 2005 e fevereiro de 2020, teve seu retorno à empresa anunciado em novembro, menos de dois anos após a escolha de seu sucessor. Sob o comando de Iger, a Disney fez aquisições que se provaram rentáveis e estruturantes para o modelo de negócios da companhia: Pixar (US$ 7,4 bilhões em 2006), Marvel (US$ 4 bilhões em 2009), Lucasfilm (US$ 4 bilhões em 2012) e Fox (US$ 71,3 bilhões em 2019).

Iger foi tão popular enquanto CEO que sua fama transcende o mundo dos negócios e até mesmo Hollywood. Rumores circulavam sobre uma possível candidatura do executivo a presidente dos Estados Unidos. Inclusive, o fundador e co-CEO da Netflix, Reed Hastings, lamentou a volta de Iger à Disney dizendo que torcia por sua candidatura.

O desempenho operacional da companhia sob seu comando foi bom, porém não excepcional: a receita cresceu 5,7% ao ano, saindo de US$ 33,7 bilhões em 2006 para US$ 69,5 bilhões em 2019, ao passo que o lucro líquido saiu de US$ 3,3 bilhões para US$ 8,3 bilhões no mesmo período (CAGR de 7,3%).

Por outro lado, o retorno para os acionistas foi acima da média. Sob sua liderança, a capitalização de mercado pulou de US$ 63 bilhões para US$ 231 bilhões, o que equivale a um retorno anual de 10,5% no período – sem considerar os dividendos distribuídos, enquanto o S&P 500 retornou 6,3% ao ano.

Na reta final de seu mandato, investidores e analistas previam que talvez a Disney apontasse um outsider para o posto de CEO. O nome da ex-COO do Facebook (agora Meta), Sheryl Sandberg, foi muito especulado. No final, Iger e o conselho escolheram o então chefe da divisão de parques e resorts, Bob Chapek.

A escolha pareceu estranha para uma companhia que fazia uma mudança relevante no seu modelo de negócios ao lançar e priorizar um novo serviço de streaming que demandaria investimentos significativos sem perspectiva de gerar lucro no curto prazo. Iger sempre foi claro sobre a centralidade de filmes e séries no modelo da empresa, o que suas aquisições corroboram, e sempre alocou muito do seu tempo na supervisão e colaboração com os departamentos criativos da Disney.

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Depois de tantos anos supostamente preparando sua sucessão, por que escolher um executivo sem qualquer experiência nessa parte do negócio?

Iger tem uma história de 40 anos com a Disney. Passou 15 deles ocupando o cargo de CEO e famosamente dirigia um carro com uma placa que dizia: “Existe vida após a Disney?”. O americano adiou sua aposentadoria quatro vezes. Como consequência, os executivos que ele mantinha perto e que viam a possibilidade de ascender ao cargo foram saindo da empresa ao longo do tempo. Dentre eles, Kevin Mayer e Tom Staggs se destacam.

Mayer começou sua carreira na Disney em 1993, ocupando cargos de business development e estratégia dentro da área de televisão. Esteve diretamente envolvido nas compras da Pixar, Marvel, Lucasfilm, Club Penguin e Maker Studios, assim como na aquisição dos ativos da 21st Century Fox, além de ser amplamente reconhecido como um dos maiores responsáveis pela criação e lançamento do Disney+.

Staggs tinha 27 anos de empresa, tendo ocupado o cargo de CFO de 1998 a 2010, quando assumiu a divisão de parques, resorts e produtos, e lá ficou até 2015 quando migrou para o papel de COO. Após saída da Disney, Mayer e Staggs fundaram e comandam, juntos, a empresa Candle Media, que é dona de produtoras de filmes e séries.

Vale mencionar outro executivo que era cotado para suceder Iger, Peter Rice. Após 19 anos na Fox, Rice foi colocado no cargo de chairman da Walt Disney Television, que envolve todos os canais não esportivos da empresa. Foi demitido em junho de 2022 como parte de uma grande reestruturação que Chapek (o escolhido) fez da divisão de conteúdo.

Entretanto, as coisas não foram fáceis para Bob Chapek. Primeiro, deve-se reconhecer que ele assumiu logo no início da pandemia, um momento extremamente difícil para gerir uma empresa de escala global com mais de 200 mil funcionários. Seu comando foi marcado por disputas de poder com Iger, reestruturações internas, controvérsias políticas e relatos de insatisfação de funcionários. A performance da ação refletiu essas questões, registrando queda de 28,4% durante seu mandato, finalizado no mês passado.

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Não podemos deixar de questionar o papel do conselho em todo esse processo. Primeiramente, parecem ter dado muita liberdade para Iger postergar sua aposentadoria diversas vezes e pareceram lenientes com a perda de executivos-chave durante esse período. Agora, para resolver o problema de sucessão, o chamam de volta para consertar seu próprio erro. O americano tem 71 anos e supostamente recebeu dois anos para encontrar e treinar um sucessor para seu posto. No entanto, o histórico do executivo e do conselho não confere muita credibilidade no que diz respeito ao cumprimento deste prazo.

Ainda mais grave nos parece o fato do conselho ter renovado o contrato de Chapek até 2025 apenas quatro meses antes de demiti-lo, fato que evidencia sua hesitação em agir até que a situação estivesse crítica – a gota d’água parece ter sido a divulgação de resultados do quarto trimestre do ano fiscal de 2022, no dia 8 de novembro, quando revelou-se que as perdas do negócio de streaming se agravaram.

Como consequência da renovação e subsequente rescisão do contrato, a Disney terá que pagar integralmente o salário de Chapek até 2025. Além disso, todas as opções que já tinham sido exercidas ou que venceriam nos três meses subsequentes ao término do contrato serão mantidas e se tornarão exercíveis como se ele não tivesse sido desligado; todas as RSUs (restricted stock units) que estavam programadas para serem exercidas antes da data do fim do contrato serão até o último dia do contrato de Chapek caso ele tenha atingido as performances exigidas; todas as RSUs que seriam entregues no futuro continuarão a existir e ele ainda terá o direito de recebê-las caso as métricas de performance sejam atingidas, ou seja, continuará recebendo as ações normalmente como se não tivesse sido demitido.

Esse acontecimento fortalece nossa impressão, anteriormente destacada, de um conselho pouco eficiente em zelar pelo interesse dos acionistas minoritários. Estes certamente preferem ser sócios de uma companhia que não dependa de um único executivo, e, sim, de uma corporação capaz de formar pessoas aptas a tocar a empresa pelos próximos 15 anos. Também prefeririam que os recursos que agora serão usados para pagar Chapek até 2025 fossem direcionados para iniciativas que possam fortalecer o negócio da Disney e proporcionar retornos nos próximos anos.

O desconforto com a situação da companhia não passa apenas por essas questões de governança, mas também pelo business em si. O fato é que a Disney hoje está transicionando para um modelo de negócio menos rentável do que costumava ter – a empresa que se beneficiava do incrivelmente lucrativo negócio de TV a cabo, hoje opera um modelo de streaming cuja rentabilidade segue em cheque em toda a indústria.

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Bob Iger está retomando o cargo com grandes desafios: manter a alta rentabilidade da divisão de parques em meio a um ambiente inflacionário, o que envolve usar o pricing power da Disney com cuidado para não alienar consumidores; gerar lucro na divisão de streaming que por enquanto foi agressiva nas ações promocionais para crescer sua base de assinantes e no gasto com conteúdo para plataforma; e ponderar a compra do resto da Hulu que ainda pertence à Comcast. Tudo isso enquanto identifica e treina um(a) sucessor(a), a partir de um talent pool reduzido em decorrência de um processo de sucessão mal conduzido. Os próximos anos parecem estar marcados por interrogações para os acionistas minoritários da Disney.

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