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Milagre Japonês: a reforma corporativa e a quebra de recordes históricos

Mudanças estruturais fazem o mercado japonês ser observado cada vez mais por investidores globais
Por  Matheus Tavares dos Santos
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O Japão está passando por reformas que pretendem transformar uma herança corporativa centenária, com o objetivo de revitalizar a dinâmica empresarial do país.

Os resultados já são aparentes: apenas nos últimos três anos, o Japão bateu vários recordes – maior volume financeiro em M&A; maior quantidade de transações, a maior cash balance corporativa e uma das maiores aquisições da história do país.

O Japão tem uma estrutura corporativa única, que se iniciou com os Zaibatsus (conglomerados industriais/financeiros da época imperial) pouco após Revolução Meiji, um período de renovações sócio-políticas entre 1868 e 1900.

Após a Segunda Guerra Mundial, a estrutura evoluiu para os Keiretsus, um modelo caracterizado por coalizões corporativas que levou a formação de gigantes conglomerados com atuações em diversos setores da economia, como Mitsubishi, Sumitomo, Mitsui, Hitachi e Nomura. O Toyota Group, sozinho, por meio de sua trading company Toyota Tsusho, possui mais de 1.000 subsidiárias e afiliadas.

Como resultado dessa estrutura, existem 628 subsidiárias listadas na bolsa de Tóquio e em 238 delas, a holding controla mais de 50% da empresa, um número muito superior quando comparado com apenas 28 nos EUA e nenhuma no Reino Unido.

Hiroyuki Horii, Chief Stewardship Officer da Sumitomo Mitsui, afirmou que existem “zilhões de subsidiárias listadas no Japão” e que isso “é um fenômeno unicamente japonês”.

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Devido à complexa estrutura de cross-shareholding existente entre empresas, e ao fato de que os membros do Board of Directors das subsidiárias poderem ser todos indicados pela holding, essas subsidiárias não eram fiduciárias aos investidores minoritários, mas à sua empresa matriz. Ademais, existe uma forte cultura corporativa anti-confronto no Japão sobre as decisões de executivos por parte dos investidores.

Tudo isso leva a uma dinâmica corporativa letárgica em que as empresas japonesas possuem um dos ROEs mais baixos do mundo e valuation multiples equivalente ao de países emergentes.

Quando Shinzo Abe assumiu como primeiro-ministro, em 2013, um dos objetivos de Abe era promover reformas corporativas no país e revitalizar o mercado corporativo japonês, em um pacote de políticas econômicas que ficaram conhecidas como “Abenomics“.

O Corporate Governance Code e o Stewardship Code de 2014 foram as primeiras medidas com esse âmbito. Elas gradualmente evoluíram e resultaram em novas medidas tomadas por agentes reguladores, a Bolsa de Valores de Tóquio (TSE) e inclusive o Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI).

Dentre as principais mudanças, estão a criação de incentivos para indicação de diretores independentes ao Board of Directors, a da divulgação de diretrizes para práticas justas de M&A , além de diversas medidas para defender os interesses de acionistas minoritários.

Em dezembro, por exemplo, a Bolsa de Valores de Tóquio anunciou uma de suas mudanças mais significativas na qual se pretende mudar a composição dos segmentos de listagem na bolsa. O resultado será a criação de um novo segmento, chamado “Prime”, para empresas com alto nível de governança corporativa.

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A transição implicará em um rebalanceamento na composição das empresas que fazem parte dos índices japoneses, principalmente o Topix, que servem como base para indexação de investimentos passivos.

Assim, existirá uma pressão adicional para empresas melhorarem seus padrões de governança. Há apenas algumas semanas, por exemplo, a  Toshiba foi aceita novamente no top tier de governança da bolsa japonesa após três anos fora da categoria – como resultado, as ações da empresa subiram 20% apenas em janeiro.

Com todas essas medidas, não apenas os investidores se tornaram mais ativos como agentes de mudanças, mas também as próprias empresas estão proativamente deslistando as suas subsidiárias públicas.

Isso pode ser feito de várias maneiras: (1) a holding faz uma tender offer para comprar a subsidiária dos minoritários (agora melhor representados por diretores independentes); (2) a holding decide vender a subsidiária para terceiros; ou (3) até mesmo fazer um spin off da subsidiária e torná-la uma empresa independente.

À vista disso, tanto o número de transações quanto o volume financeiro em M&A no Japão estão batendo recordes ano após ano. O número de empresas com mais de 1/3 dos membros de seus Boards sendo diretores independentes cresceu de apenas 6,4% em 2014 para 59% em 2020.

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O mercado japonês está mais dinâmico: no final de 2020, a NTT Docomo, a maior subsidiária do país, foi adquirida por sua parente por US$ 40 bilhões; o Toppix alcançou recordes históricos; e até a cultura diante do ambiente corporativo mudou.

O O Financial Times reforçou o fato de que “nunca houve uma oferta não-solicitada bem sucedida no Japão para adquirir uma grande empresa em que a compradora já não tivesse alguma participação na empresa alvo” está mudando, e empresas japonesas cada vez mais estão fazendo ofertas para comprar empresas terceiras em que não possuem nenhuma relação direta.

Por exemplo, entre 2013 e 2018, ocorreu menos de um hostile takeovers por ano no país e somente em 2019 e 2020 houve 18.

O mercado japonês está sendo observado cada vez mais por investidores globais. E fundos de merger arbitrage e investidores ativistas estão encontrando um opportunity set atrativo no país, à medida que um pipeline imenso de centenas de potenciais transações é destravado.

Matheus Tavares dos Santos Matheus é analista de investimentos em fundos de hedge na maior asset management do mundo. Em cargos anteriores, ele foi trabalhou em um fundo de Venture Capital com foco na América Latina e teve experiencias em bancos brasileiros e norte-americanos assim como na bolsa de valores brasileira.

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