Fechar Ads

A questionável sustentabilidade e eficiência dos carros elétricos: seria a Tesla o novo Concorde?

Baterias que poluem, menor autonomia e preços mais altos não impediram o mundo de se encantar com os carros elétricos... ainda
Por  Marcelo López
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Carros elétricos são o futuro”. Já ouvimos essa frase várias vezes e resolvi escrever esse artigo, não para contestar a frase, mas para mostrar os desafios na implementação dessa visão, como um convite à reflexão.

O primeiro mito que devemos atacar é o de que veículos elétricos (EV) não poluem. Poderíamos discorrer sobre a poluição atribuível ao veículo no processo de produção da bateria, afinal os elementos que a constituem têm que ser minerados. Mas vamos pular essa parte e ir diretamente para o final, a fase de descarte. Uma bateria de carro elétrico pesa, em média, 250kg.

Agora, imagine milhões delas contendo elementos altamente poluentes sendo descartados após o final da sua vida útil que é de, em média, 10 anos. Onde acharíamos espaço suficiente e adequado para descartá-las? Como as técnicas de reaproveitamento dos materiais contidos nelas ainda não estão desenvolvidas, resta a dúvida: aonde irão parar essas baterias usadas?

Outro aspecto importante é que, se a fonte de energia que usamos para recarregar as baterias for poluente, ou seja, se a eletricidade for gerada a partir da queima de petróleo, gás ou carvão (de longe a maior fonte de energia mundial), a poluição causada pelos carros elétricos será muito maior do que a pelos movidos a diesel ou gasolina. A imagem abaixo, que uso nas apresentações que faço sobre energia nuclear, nos mostra um retrato do pensamento atual em contraste com a realidade.

Outro ponto importante é a meia-verdade que diz que o transporte é o maior emissor de CO2 do mundo. E isso é inegável, afinal a maior parte dos combustíveis fósseis são usados para esse fim. Contudo, quanto disso é realmente gerado primariamente por automóveis?

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Uma pequena parte. Sabemos que os 15 maiores navios do mundo poluem mais que toda a frota de carros do planeta, em termos de óxidos de enxofre e de nitrogênio. E os veículos também poluem muito menos que os aviões. Então, se estamos pensando seriamente em reduzir a emissão de poluentes, os veículos seriam o lugar ideal para começarmos?

Parece aquela história de um cara quebrado, com uma enorme dívida no cartão de crédito, vivendo uma existência nababesca, que leu um livro de autoajuda e resolveu cortar o cafezinho no bar da esquina para economizar, enquanto desfruta de um champanhe de R$1 mil no final de semana.

E onde vamos conseguir os elementos para a produção de baterias? Hoje a República do Congo, que não é famosa pela segurança e estabilidade, é responsável pela produção de 60% do cobalto mundial. A Rússia vem em segundo lugar, mas bem atrás.

Então, o mundo toparia fazer a transição de fonte energética de petróleo, que conta com alguma diversificação em termos de países produtores, com os EUA, Arábia Saudita, Rússia e Canadá liderando, para uma fonte que deixaria todos à mercê de um país em constante conflito e com histórico inegável de guerras e problemas? Além do mais, alguém aí sabe como é feita a produção de cobalto nessas minas no Congo? Melhores práticas de ESG e combate ao trabalho infantil e à insalubridade definitivamente não parecem ser prioridade lá.

Vamos imaginar, no entanto, que esses pequenos empecilhos que mencionei acima sejam apenas detalhes facilmente contornáveis. Qual teria que ser o investimento em infraestrutura e estações de recarga de baterias pelos países afora? Há ainda o inconveniente associado ao tempo que se levar para carregá-las – já imaginou a família inteira viajando e a bateria acaba? Assumindo que uma estação de recarga esteja próxima, nada como esperar entre 4 e 6 horas para continuar a viagem. Ah, o futuro! Quando o assunto é distância e autonomia, os veículos elétricos também têm um desafio enorme à frente.

O impacto que os EVs estão causando no mercado ainda é muito baixo. Estimativas bem precárias nos mostram que, ano passado, deixaram de ser consumidos 40 mil barris de petróleo por dia por causa da “eletrificação” dos veículos – um número desprezível, em um mercado que demanda 100 milhões de barris por dia. Enquanto o preço do petróleo estiver abaixo de US$100/barril, não há como prever um aumento significativo no número de veículos elétricos no mundo.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Eu talvez até consiga imaginar um mundo com tudo acima funcionando, mas temos ainda mais um problema: os governos. Hoje uma das maiores fontes de receita dos governos são impostos sobre combustíveis. No caso do Brasil, a carga tributária da gasolina já corresponde a quase 50% do preço final na bomba.

Imagine isso em uma escala global e a magnitude da importância desse setor para os governos. E uma pequena parte desses impostos são redirecionados para dar subsídios aos veículos elétricos, que, mesmo assim, ainda não são capazes de ser competitivos. Assim, adoção em escala global de EVs interromperia repentinamente o grande fluxo de impostos e os subsídios, por conseguinte, não conseguiriam ser mantidos, trazendo um enorme desequilíbrio à já desajustada economia mundial.

Ao contrário do que muitos pensam, a ideia de EVs não é original nem moderna. Ela já esteve aqui há mais de 100 anos e Thomas Edison inclusive tentou persuadir Henry Ford a criar um automóvel movido a energia elétrica, mas depois de várias tentativas, Ford abandonou o projeto. Isso mesmo após ter investido mais de US$1,5 milhão no desenvolvimento do veículo, uma quantia razoável para a época – para se ter uma ideia, o preço de venda do carro elétrico seria algo entre US$500 e US$750.

O grande problema na época, segundo relatos, foi a tecnologia da bateria – e essa continua sendo a barreira hoje. Eu entendo que o custo de fabricação de uma bateria tenha caído bastante, mas já faz 2 anos que ele está estabilizado. É bem provável que tenhamos chegado a um platô e que a velocidade de queda no custo diminua bastante, fazendo com que a adoção de veículos elétricos não seja tão rápida e exponencial como muitos gostam de imaginar.

Devemos nos perguntar se algo que custa mais em termos energéticos para ser produzido (veículos elétricos) pode ter uma vantagem sobre algo que custa menos (veículos a combustão interna). Adam Rozencwajg cita o Concorde, aquele avião moderno, bonito e charmoso, com tecnologia superior aos aviões da época (e até a alguns de hoje), que gastava até três vezes mais energia por passageiro para transportá-los.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O Concorde nunca se popularizou e seu uso foi descontinuado após alguns anos por falta de eficiência e viabilidade econômica. Lembrando que o Concorde era famoso no meio artístico e de milionários – qualquer semelhança com a Tesla é pura coincidência.

Lendo relatórios de bancos e corretoras, vemos uma extrapolação (ainda que sem querer) na Lei de Moore. Acredito que uma bateria seja muito diferente de um microchip e que ganhos nessa escala não serão possíveis – pelo menos não num futuro próximo. Além do mais, esses mesmos relatórios fornecem previsões acerca do uso e da aceitação EVs em proporções que desafiam o bom senso e das quais tenho que duvidar.

Estamos vendo desaceleração nas vendas de veículos elétricos quase que no mundo inteiro – o único lugar em que as vendas estão crescendo é na Europa, onde os subsídios do governo estão sustentando e impulsionando esse mercado. De maneira geral, a venda de EVs no mundo está desacelerando.

Eu não sou contra a adoção de veículos elétricos, muito pelo contrário. Sou a favor da melhor tecnologia e da competição livre entre elas. Acredito que todos se beneficiem com a disputa livre entre as soluções. Tendo dito isso, acredito que os governos deveriam refletir sobre os subsídios concedidos ao setor e deixar que a concorrência determine a melhor tecnologia e meio de transporte a ser usado.

Disclaimer: Esse texto reflete a opinião do autor e não constitui uma sugestão, recomendação, indicação e/ou aconselhamento de investimento. Nenhuma decisão de investimento deve ser tomada com base nas informações ora apresentadas, cabendo unicamente ao investidor a responsabilidade sobre qualquer decisão que venha a tomar.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Marcelo López Marcelo López tem certificação CFA, é gestor de recursos na L2 Capital Partners, com MBA pelo Instituto de Empresa (Madrid, Espanha) e especialização em finanças pela principal escola de negócios da Finlândia (Helsinki School of Economics and Business Administration). Atuou como Gestor de Carteiras e de Fundos em grandes gestoras internacionais, tais como London & Capital e Gartmore Investment Management.

Compartilhe

Mais de Investimentos Internacionais