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Você faria a custódia do seu próprio patrimônio?

Com a tokenização de tudo isso está cada vez mais acessível
Por  Gustavo Cunha -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Custódia é um conceito dos mais antigos e acompanha a civilização humana desde sempre. Ter a posse e ser o responsável por guardar e manter algo é uma atividade que foi se aprimorando durante o tempo e, em paralelo, a sociedade foi colocando mecanismos para assegurar que a custódia terceirizada fosse possível e minimamente segura.

As grandes experiências nesse sentido foram feitas ainda quando tínhamos commodities como o principal meio de pagamento. Na época das grandes navegações começaram a ser usados custodiantes terceirizados que guardavam o ouro (principal moeda da época) e emitiam certificados ao portador, que eram negociados pelos mercadores como representações fidedignas desse ativo.

Foi o começo da moeda em papel como a conhecemos. Esse início foi marcado por inúmeros escândalos e “custodiantes” que sumiam com o ouro e, quando os depositantes iam resgatar os certificados, não havia o que resgatar.

Alguns séculos depois, no Brasil, na década de 1980, vários problemas foram causados por conta da não-segregação de custódia entre o dinheiro dos clientes e proprietário das próprias instituições financeiras.

Os banqueiros podiam dispor dos ativos dos clientes para se alavancar e, às vezes, perder tudo. Não era incomum usar ativos de outros para se fazer operações. Isso fez com que se desenvolvesse um sistema de segregação de custódia dos melhores do mundo.

Atualmente, em qualquer regulação que conheço a segregação de custódia no mercado financeiro tradicional já é uma realidade e são poucos os casos de problemas em relação a isso. O sistema se ajustou para que tenhamos agentes especializados, regulados, auditados, vigiados, e que fazem essa custódia de uma maneira profissional.

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Tirando alguns ativos específicos (dinheiro em papel, ouro físico e algumas commodities), é praticamente impossível se fazer custódia própria. O dinheiro seu que está no banco está lá custodiado por ele. Suas ações e títulos do governo estão sob custódia da B3. Seus fundos de investimento estão em um dos custodiantes desse ativo, e por aí vai.

Não há como você deter o controle total sob esses ativos. Isso para falar de ativos financeiros, mas podemos estender isso a ativos não-financeiros. A propriedade da sua casa, por exemplo, está registrada em um cartório e qualquer movimentação de propriedade depende de ser registrada lá. Com seu carro também não é diferente. Você praticamente não pode prover de nada relativo ao seu patrimônio sem depender de um terceiro, um custodiante.

E aqui que entram cripto e blockchain para chacoalhar esse sistema.

Com a digitalização de tudo, através dessa tecnologia, se tornou possível novamente sermos custodiantes dos nossos ativos, independentemente de um terceiro. O primeiro caso de uso, o Bitcoin (BTC), foi extremamente eficaz em demonstrar e propagar isso.

Frases como “seja o seu próprio banco” ou “not your Keys, not your Money” (sem suas chaves, sem seu dinheiro) foram ditas por todos os apaixonados por essa tecnologia como sendo a solução para um mundo mais independente, privado, individual, seguro. Isso sem falar dos discursos mais espinhosos contra Estado, bancos etc.

Seja o que for, com a expansão dessa tecnologia que, para efeitos de simplificação, chamarei de cripto, começamos a vislumbrar a possibilidade de um indivíduo qualquer poder deter a custódia de grande parte dos seus ativos. Em um futuro em que dinheiro, imóveis, fundos, entre outros, estiverem tokenizados via stablecoins, CBDC, tokens imobiliários, tokens de fundos, etc, essa possibilidade do ponto de vista técnico se coloca presente.

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Duas questões se colocam aqui:

  • Isso é bom ou ruim?
  • Como toda a regulação de custódia se ajustará (se o fará) para acomodar isso?

Começando pela primeira. Depende. Como já dizia o tio do Homem-Aranha: “with great power comes great responsibility” (“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”).

Para se fazer a custódia de uma parte considerável dos seus ativos hoje, o investimento, seja em conhecimento, arquitetura de controle/execução, sistemas (hardware e software), ou dinheiro, não é pequeno e, tirando alguns entusiastas ou programadores, não é acessível. Explico.

Pense você tendo 100% do seu patrimônio em sua custódia, em criptos entre as 100 principais do mercado e alguns tokens de investimento. Precisará no mínimo de uma hard wallet (Trezor ou Ledger). Terá que guardar palavras de recuperação delas em um lugar seguro e que só você saiba e tenha acesso. Se quiser uma coisa mais segura, migrará para um MPC (multi-party computation) e, em última instância, pode implementar um conjunto de MPC+HSM ou MPC+SGX – essas duas últimas siglas referentes a hardwares amplamente utilizados na indústria bancária.

Para quem quiser ir além nesse conhecimento, aconselho ver as duas gravações sobre o assunto que fiz com o Jorge Borges, da Fireblocks e o Marco Zanini, da Dinamo. A Fireblocks é uma das principais empresas do mundo a prover sistemas de custódia e controle para institucionais e a Dinamo uma empresa de segurança da informação que oferece segurança digital para o Pix, TED e vários bancos.

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Aqui fui mais para o lado operacional de custodiar esses ativos, mas temas como sucessão não podem ser esquecidos. E se algo acontecer com você? Quem terá acesso a esses ativos? No caso de custódia própria ,alguma arquitetura que considere isso tem que ser construída. Sem nenhum tipo de intermediário isso é deveras difícil de se fazer.

Colocar isso tudo e alguns pontos a mais de uma forma ao menos ok, certamente está acessível a uma parcela muito pequena da população. Isso pode mudar no futuro? Sem dúvida. Mas, para mim, a grande barreira aqui é se as pessoas efetivamente querem isso.

Ter a custódia dos ativos com um terceiro de confiança, desde que bem regulado e com regras claras de segregação deixa uma parte enorme da população mais tranquila. É assim há anos no mercado financeiro tradicional e todos estão acostumados com isso. É uma das funções do Estado garantir que isso continue dessa forma.

Regulação

O segundo ponto se refere a como a regulação se ajustará. Muito difícil saber pois depende de país para país, entre regiões geográficas ou, por que não dizer, de cultura para cultura. Cada um tem sua peculiaridade.

O fato de podermos fazer a própria custódia de uma parte grande do nosso patrimônio por si só já é inovador e requer que a regulação se adeque. Ela irá definir padrões, formas ou limites para podermos ter isso? Como ficará a tributação? E o controle do Estado sobre o fluxo de dinheiro e pessoas? Regras de lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo? Muitas discussões que, na essência, batem na questão da custódia dos ativos. Difícil saber como as coisas se desenrolarão aqui, mas uma coisa é clara: os advogados do mundo terão muito trabalho nos próximos anos para adequar tudo isso aos anseios da sociedade.

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Uma coisa que é inegável é que essa possibilidade de auto-custodiar parte significativa do seu patrimônio é um empoderamento enorme das pessoas e, muito provavelmente, conviveremos com os dois tipos (custódia própria e de terceiros) pela frente.

Outro aspecto da custódia própria é se já temos tecnologia e arquitetura segura o suficiente para que isso seja feito por grandes empresas. Minha impressão é que sim. Isso é um dos grandes frutos da aproximação entre cripto e mercado financeiro tradicional nos últimos anos. Muitos sistemas (softwares e hardwares) e arquiteturas de controle testados e utilizados por grandes bancos do mundo já são utilizados para custódia de cripto.

Arriscaria dizer que hoje já conseguimos um nível de segurança digital igual nos dois mundos. Segurança de custódia que os bancos têm similar à segurança de custódia que conseguimos em cripto. Os exemplos que citei da Fireblocks e da Dinamo atestam isso.

Por fim, gostaria de deixar uma provocação: você se sente (sentiria) confortável em ter 100% da custódia dos seus ativos? Quais fatores avalia (avaliaria) nessa decisão? Comente comigo em um dos links abaixo:

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Gustavo Cunha Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)

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