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Real digital: o que precisamos decidir para ele existir

Com o Real digital, o BC tem a possibilidade de ter comunicação direto com você. Mas isso tudo dependerá de como será a arquitetura dessa moeda
Por  Gustavo Cunha -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Nesta semana, o Banco Central (BC) divulgou as diretrizes para nortear as discussões sobre a implementação do Real digital, sua CBDC, como é conhecida internacionalmente essa forma que a moeda está tomando.

Desde que publiquei aqui no InfoMoney meu primeiro texto sobre o assunto, em março de 2019 (nossa, como o tempo passa!), as discussões e o desenvolvimento do tema têm ocorrido na velocidade de luz.

Com as diretrizes divulgadas nesta semana, o BC começa a delinear qual será a cara que esse Real digital terá. Alguns pontos já indicam para onde o Banco Central acha que deveríamos ir. Mas mesmo nesses pontos há fatores a serem definidos ou mais bem esclarecidos.

Hoje, a única forma direta de comunicação do BC com o cidadão comum em termos monetários se faz por meio do papel moeda. Aquela nota de R$ 10,00, R$ 20,00 ou R$ 50,00 que você usa no seu dia a dia. Ela é emitida pelo Banco Central para ser o meio circulante no Brasil.

Qualquer outra forma de dinheiro que você use sempre terá ao menos um intermediário entre você e o Banco Central, podendo ser ele, banco comercial, corretora, meio de pagamento ou outros.

Com o Real digital, o BC tem a possibilidade de ter comunicação direto com você. Mas isso tudo dependerá de como será a arquitetura do Real Digital.

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Baseado em token ou contas?

Teríamos uma conta junto ao BC ou um token emitido por ele, que fará a mesma função que o papel-moeda faz hoje no campo físico, só que no campo digital? Pelo caminho que outros Bancos Centrais estão tomando, me parece que a decisão aqui será pelo caminho de um sistema de contas e não de um token.

A necessidade já colocada pelo Banco Central de poder bloquear o Real digital em caso de um mandato jurídico contra seu detentor já é um bom indício que seguiremos no caminho de uma moeda digital baseada em contas no BC. Mas isso ainda não está escrito em pedra.

Real digital não pagará juros. Será?

O Banco Central foi bastante explícito ao dizer que o Real digital não pagará juros. Ou seja, ele funcionará, muito provavelmente, como uma conta no Banco Central não remunerada.

Mas, como sempre, o diabo mora nos detalhes. Será permitido ao Banco Central diminuir a quantidade de Real digital que teremos em nossas contas? Se sim, isso serão juros negativos ou confisco? Em um mundo onde a tecnologia permite muitas coisas, como isso será ajustado?

Como ficarão as emissões de moeda dos bancos comerciais?

Atualmente, grande parte do dinheiro em circulação na economia é emitido pelos bancos comerciais, e não pelos Bancos Centrais, por meio de um mecanismo de reservas fracionarias.

Em uma explicação rápida, o que acontece é que o Banco Central emite R$ 1.000 para um banco, que empresta a quantia para um indivíduo, que devolve o dinheiro ao banco como seu investimento. Então, o banco pega esse dinheiro e o empresta novamente a outro individuo ou empresa, que retorna esse dinheiro ao banco como investimento e assim subsequentemente. No final do dia, os R$ 1.000 que o Banco Central emprestou para o Banco viraram R$ 6.000 de empréstimo desse banco para a sociedade.

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Esse mecanismo é conhecido em termos econômicos como o “sistema de reservas fracionárias”, que dá origem ao multiplicador bancário.

No caso do Real digital sendo feito pelo mecanismo de contas junto ao Banco Central diretamente pelos indivíduos, tendo o banco simplesmente como intermediário e não podendo seguir com a criação de moeda, como ficaria isso? Teríamos uma migração para um sistema em que o único criador de moeda seria o Banco Central? Qual papel os bancos teriam nessa arquitetura?

Teremos um Real Digital anônimo, como o dinheiro em papel?

Muitíssimo pouco provável. A tecnologia atual permitiria que implementássemos uma CBDC com as mesmas características do dinheiro em papel no meio digital. Mas, das implementações de CBDC que tenho acompanhado, nenhuma seguiu esse caminho.

A necessidade de se ter um meio em que a CBDC circula, aliada à preocupação em relação a lavagem de dinheiro e terrorismo, tem levado todos os Bancos Centrais a implementarem CBDCs nas quais é necessário sempre se identificar o detentor dela.

Será tudo feito em Blockchain?

Blockchain é a tecnologia que teve seu primeiro caso e uso no Bitcoin há mais de 12 anos atrás e que desde então tem sido muito implementada, estudada e testada em meios de pagamento.

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Um dos casos de utilização de Blockchain para CBDCs é o caso da Suécia que está utilizando a plataforma Corda da R3. A China desenvolveu uma outra forma de fazer isso que não segue exatamente um blockchain.

No caso brasileiro, já temo o SPB, sistema de pagamentos brasileiro (o do TED, DOC etc.) e o SPI, sistema de pagamentos instantâneos (o do PIX), já implementados e rodando. A pergunta é: será o Real digital um desenvolvimento do que já temos? Ou faremos um novo sistema de pagamentos? Será esse novo sistema de pagamentos baseado em blockchain? Dúvidas a serem respondidas.

Para mim um dos pontos que parece claro é que, se seguirmos para o desenvolvimento via blockchain, esse não será via uma blockchain publica como Ethereum e sim por uma blockchain privada. Nesse ponto vale ressaltar que o uso de blockchain pode facilitar e muito a questão da intercomunicação com CBDCs de outros Bancos Centrais.

Câmbio

A interconectividade já foi mencionada como uma das diretrizes importantes desse processo. Dependendo de algumas das respostas às questões que coloquei acima, isso pode ter um impacto grande.

Na arquitetura atual, cada Banco Central controla um ou mais meios de pagamento para as transações no território ao qual ele está associado e precisa interagir com outros sistemas de outras regiões.

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Em geral, essas interações são feitas via SWIFT, o principal sistema de mensageria de ordens de cambio do mundo.

Dependendo da arquitetura que se utilize, essa conexão hoje pode ser feita de uma forma muito mais fácil.

Imagine todas as CBDCs em um blockchain único, tal qual todas as stablecoins de dólares hoje na plataforma Ethereum: as transações entre elas podem acontecer a todo momento e com liquidação em segundos.

Como disse acima, acho difícil termos CBDCs em blockchain públicas. Mas por que não podemos ter uma blockchain mundial que seja utilizada por todos os Bancos Centrais para transações com suas CBDC?

É pouco provável que os Bancos Centrais renunciem ao controle sobre os meios de pagamento na sua região? Talvez. Mas se essa blockchain de governos permitir os controles customizados que cada Banco Central necessita e as informações que ele quer, por que não?

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De qualquer forma, no caso brasileiro, essa questão do câmbio tangência a questão de conversibilidade total da moeda. Um caminho que estamos trilhando, mas que ainda não chegamos ao fim.

Foi um “textão”, mas espero ter abordado todos os aspectos das decisões que nós, como sociedade, precisaremos tomar nos próximos anos para que o Real Digital entre em circulação. E que ele venha logo!

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Bases para esse texto:
(1) CBDC – YouTube
(2) Bitcoin do governo: entenda a ideia da moeda digital do Banco Central | InfoMoney
(3) When central banks issue digital money | The Economist
(4) Central bank digital currencies | Bank of England
(5) Mohamed, Hazik – Implementing a Central Bank Issued Digital Currency with Economic Implications Considerations – jan-20
(6) BIS – digital currencies and the future of payment systems – jan-21

Gustavo Cunha Autor do livro A tokenização do Dinheiro, fundador da Fintrender.com, profissional com mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro tradicional, tendo sido diretor do Rabobank no Brasil e mais de oito anos de atuação em inovação (majoritariamente cripto e blockchain)

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