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Culpar Bolsonaro por Brumadinho é uma catástrofe intelectual

Não dúvidas de que as omissões da Vale e do poder público são o motivo número 1 de revolta da população. Causa também revolta, em qualquer pessoa intelectualmente honesta – seja de esquerda ou de direita -, a exploração política da tragédia
Por  Alan Ghani
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Causa revolta a tragédia de Brumadinho (MG) se repetir três anos depois do desastre de Mariana. Causa mais revolta ainda a tragédia ser causada pelo fator humano, e não por variáveis incontroláveis da natureza, como terremotos e furações. De outro modo: vidas poderiam ter sido salvas.

Conforme relatado pelo pesquisador Bruno Milanez, em entrevista à Folha de São Paulo, o desastre em Brumadinho decorreu das tentativas das mineradoras em i. flexibilizar o licenciamento (“testam brechas”), ii. da falta de percepção de risco das empresas do setor, iii. do autolicenciamento (estudo ambiental é feito por empresas contratadas pelas mineradoras), iv. da falta de distanciamento entre barragens e comunidades e v. da construção de degraus adicionais após o licenciamento (Brumadinho começou com 18 metros e terminou com 85 metros) . O que tem em comum entre esses casos? O fator humano, numa combinação perversa entre irresponsabilidade das empresas com leniência do setor público.

Não há dúvidas de que as omissões da Vale e do poder público são o motivo número 1 de revolta da população brasileira. Causa também revolta, em qualquer pessoa intelectualmente honesta – seja de esquerda ou de direita -, a exploração política da tragédia. Setores do jornalismo colocam Bolsonaro como o grande culpado pelo desastre, mesmo que ele tenha apenas menos de um mês de governo, e as fiscalizações e licitações ocorreram anterior ao seu mandato. Chegamos ao cúmulo de Bolsonaro ser culpado pelo o que ele pensa sobre o meio ambiente.

Atribuir esse tipo de culpa a Jair Bolsonaro é uma vigarice intelectual por dois motivos. Primeiro, porque ninguém pode ser condenado por um pensamento, e sim pelos seus atos. Culpar o pensamento de Bolsonaro sobre questões ambientais, por uma tragédia claramente originada em governos anteriores, é admitir que já vivemos no romance 1984 (George Orwell), no qual existe o “pensamento crime”.  Alguns poderiam dizer: “Ah, mas se ele pensa assim, mais tragédias irão ocorrer”. Recorrendo a um pouco de lógica, pergunta-se: como alguém já pode ser julgado por futuras tragédias que ainda não ocorreram?

Outro motivo de desonestidade intelectual é relacionar diretamente flexibilização ambiental com leniência com grandes questões de meio ambiente. Não necessariamente flexibilização ambiental significa permitir leis frouxas para a construção de barragens. Conforme defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a ideia é flexibilizar e desburocratizar questões menores, justamente para os técnicos terem mais tempo e recursos para avaliar questões de grande impacto ambiental, como as barragens, por exemplo. 

Aliás, diga-se de passagem, a pauta ambiental é prioridade entre os conservadores, conforme observou Roger Scruton. De acordo com o filósofo inglês, os conservadores querem preservar o meio ambiente, pois “acreditam que a coisa mais importante que os vivos podem fazer é radicar-se, construir um lar  deixa-lo como legado para os filhos” (ver “como ser um Conservador)”.

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Ora, se a preocupação com o meio ambiente é uma pauta conservadora, por que justamente os conservadores são os primeiros a serem culpados pelas questões ambientais? Segundo Scruton, é que a causa conservadora “foi poluída pela ideologia do grande capital, por ambições globais das empresas multinacionais e pela supremacia da economia sobre o pensamento dos políticos modernos”. Além desses fatores, segundo ele, “a verdade no ambientalismo foi obscurecida pela propaganda alvoroçada dos ambientalistas e pela imensidão de problemas que nos apresentam”.

Apesar da disputa de quem é o dono da causa e das divergências entre conservadores e ambientalistas, Scruton mostra que é possível uma convergência de pensamento entre ambos. Para ele, o sentimento de pertença a um território une conservadores e ambientalistas por uma mesma causa. Dessa forma, num processo espontâneo, de baixo para cima, a população cobrará leis e fiscalização mais duras das autoridades locais a fim de garantirem a preservação ambiental.

É importante salientar que o culpado pelas catástrofes ambientais não é o livre mercado em si, mas justamente o capitalismo de compadrio fomentado pela relação promíscua entre interesses privados e estatais. É perfeitamente possível haver desenvolvimento capitalista com respeito ao meio ambiente. Alguns países altamente desenvolvidos economicamente, com muito mais livre mercado que o Brasil, têm um senso de preservação ambiental bem maior que o nosso. É o caso dos americanos pressionado o Congresso para a construção e parques nacionais, das iniciativas na Noruega e Suécia no uso de energia limpa, da Irlanda que adotou uma legislação restritiva a sacolas de polietileno, entre outros exemplos (ver Scrutton, Como ser um Conservador).

Dessa forma, a flexibilização ambiental pode ser benéfica, na medida em que permite mais desenvolvimento econômico (geração de renda e emprego), desde que não traga riscos a vidas humanas e à natureza. Portanto, antes de criticar Bolsonaro por suas posições ambientais, deve-se entender melhor qual é o posicionamento do atual governo nessas questões, compreendendo que há gradações de flexibilizações ambientais.

Tratar  “flexibilização ambiental”, sem fazer as devidas distinções entre os casos – poda de árvore é diferente de construção de barragens – ou é um raciocínio simplista, ou é desonestidade intelectual. Diga-se de passagem, conforme observou o jornalista Caio Copolla, a pronta resposta do governo federal em Brumadinho foi impecável (aqui).    

Por fim, a ideologização dessa questão não vai levar a nada – a não ser benefício a grupos de interesse. Culpar o atual governo pela catástrofe é desonesto intelectualmente, mas cobrá-lo daqui para frente é um exercício propositivo de cidadania a fim de evitar novas catástrofes.

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Alan Ghani é colunista do InfoMoney, economista e professor de pós graduação. 

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Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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