Ações de empresas exportadoras são realmente uma boa proteção contra a alta do dólar?

Sell-off recente mostra que não, o que indica que é preciso uma diversificação na carteira de investimentos
Por  Alan Ghani
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Antes mesmo da pandemia do coronavírus, o olhar dos investidores já se voltava para a alta do dólar. Não é para menos, desde 01 de janeiro de 2020, a moeda americana havia subido 14% até o dia 04 de março. Depois que a pandemia do coronavírus atingiu em cheio o mercado financeiro brasileiro (dia 05 de março), o interesse por investimentos em dólares aumentou significativamente, pressionado ainda mais o valor da moeda frente ao real. Até o dia 23 de março, o dólar acumulava alta no ano de 28%.

Em tempos de incerteza, de risco sistêmico, é natural que o investidor corra para uma moeda forte e mantenha seus investimentos na forma de caixa.

Existem diversas formas de se investir em dólar (aplicações no exterior, fundos cambiais, moeda em espécie, trusts). Uma forma bem difundida de se “investir em dólares” é comprar ações que mantenham uma relação positiva com a alta do dólar. Nesse caso, o investidor não estará comprando diretamente a moeda americana, mas terá um ativo atrelado indiretamente ao desempenho do dólar. A ideia é que se o dólar subir, o preço da ação tenderá a subir.

Basicamente, empresas exportadoras, com receitas em dólares, são apontadas como um hedge (proteção) natural contra altas da moeda dos EUA. A ideia é que se o dólar subir, a receita dessas empresas também aumentará, ocasionado uma valorização de preço de suas ações.

Geralmente, as empresas apontadas com boa performance em relação à elevação do dólar são: Vale, Suzano, JBS e Marfrig. Mas será que essas empresas realmente são uma boa proteção contra a alta da moeda americana?

Para responder a essa questão, fiz um exercício econométrico, medindo a relação da variação do preço da ação contra a variação de dólar. Vale ressaltar que se trata de um exercício para um texto de uma coluna semanal, e não um artigo científico. Portanto, os resultados não devem ser interpretados como provas empíricas científicas, mas como indicativos da relação dólar e preço das ações analisadas.

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Antes de apresentar os resultados, a tabela abaixo nos dá um bom “insight” dessa relação, sugerindo que a empresas analisadas não são tão boas proteções contra a alta da moeda americana, dado que a correlação só é positiva (dólar sobe, preço da ação sobe) para a Suzano, somente no período pré crise. Considerando o período da crise do coronavírus, a correlação da Suzano também é negativa com o dólar. Confira abaixo:

VALEJBSMARFRIGSUZB3
Correlação no ano–          0,35–          0,33–          0,37–          0,22
Correlação na crise–          0,48–          0,68–          0,70–          0,68
Correlação antes da crise–          0,23–          0,11–          0,10           0,06

 

Já o resultado das regressões, apontam que a sensibilidade da Vale em relação ao dólar é de -1,25 ou seja, a cada 1% de alta do dólar, o preço da ação cai 1,25%; -1,52 para a JBS (a cada 1% de alta do dólar, o preço da ação cai 1,52%), -1,85 para  a Marfrig (a cada 1% de alta do dólar, o preço da ação cai 1,82%) e -0,76  para a Suzano (a cada 1% de alta do dólar, o preço da ação cai 0,76%).

Alguém poderia questionar se os resultados não foram guiados pelo outlier do coronavírus. Em boa parte, sim, embora a tabela de correlação mostre que, no período de um ano, a correlação dessas empresas com o dólar também foi negativa, uma vez que o sell-off no mercado foi geral.

Além disso, vale a seguinte reflexão: o que adianta ter uma empresa que se comporta bem perante ao dólar somente em tempos de calmaria? É justamente em momentos de crise que é importante encontrarmos empresas que tenham uma correlação positiva com o dólar ou, pelo menos, uma baixa correlação com a moeda americana. Nesse sentido, de acordo com essa análise, a Suzano é a empresa que melhor oferece proteção contra uma disparada da moeda americana.

No entanto, a proteção da Suzano está longe de ser perfeita. Tanto é verdade que o preço de sua ação também despencou, embora bem menos do que outras empresas.

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Isso posto, para se proteger de disparadas do dólar que costumam ocorrer em “Cisnes Negros”, em eventos que realmente importam, é fundamental termos parte do nosso capital dolarizado.

Enganam-se aqueles que fundos cambiais, trusts no exterior e contas investimentos lá fora são privilégios apenas de ricos. É perfeitamente possível que pessoas de classe média consigam diversificar suas aplicações em dólares.

Quando toda essa loucura acabar, é primordial que quem esteja ingressando no mundo dos investimentos não se guie apenas pelas promessas de rentabilidade do mercado acionário, mas leve em conta risco e liquidez, conforme falei em live especial para InfoMoney (aqui). É fundamental ter uma carteira bem diversificada com posições em ações, renda fixa, fundos imobiliários e dólar. É crucial comecemos a levar mais a sério a diversificação –inclusive entendo que parte dela tem que ser em dólar.

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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.

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Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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