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Ativismo judicial: novo vírus contra a democracia

A consolidação de uma democracia não passa apenas pela existência de eleições periódicas, mas pela garantia de liberdades individuais, respeito aos contratos e ao direito de propriedade, e independência das instituições e dos poderes existentes
Por  Alan Ghani -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Além da pandemia do novo coronavírus, o Brasil sofre há alguns anos de uma outra doença: o ativismo judicial. O vírus ataca um dos pilares da democracia, ao interferir na independência entre os Poderes. Não é de hoje que a esse ativismo corrói a democracia brasileira.

A consolidação de uma democracia não passa apenas pela existência de eleições periódicas, mas pela garantia de liberdades individuais, respeito aos contratos e ao direito de propriedade, e independência das instituições e dos poderes existentes.

Nesse sentido, a democracia brasileira está doente sobre vários aspectos.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal determinou que o fechamento do comércio e da restrição ao direito de ir e vir é de competência estadual e municipal, e não federal. No entanto, essa espécie de estado de sítio que vivemos atualmente é de natureza Federal, conforme expresso no artigo 137 da Constituição:

O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

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II – declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira”.

Sem entrar no mérito sobre as medidas de contenção para a atenuação da Pandemia, a Constituição Federal (CF) deixa claro que compete ao governo Federal tomar tal decisão. Mas não foi apenas nesse caso que a CF foi atropelada.

No processo de impeachment Dilma Rousseff, Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski chancelaram a decisão de cassar o mandato da ex-presidente, mantendo seus direitos políticos – fatiamento esse que não está embasado em nenhuma lei da CF.

Posteriormente, o STF decidiu acabar com o fim da prisão em 2º instância. Desde 2019, a pessoa poderá ser condenada e presa após o trânsito em julgado.

A decisão é uma afronta à democracia por dois aspectos. O primeiro porque não ocorreu no parlamento nacional. Mais uma vez o poder do STF se sobrepôs ao Congresso Nacional.  Segundo, porque a lei na prática privilegia grupos específicos, ou seja, pessoas com dinheiro que conseguem pagar bons advogados, e dificilmente irão para a cadeia, pois conseguirão postergar o processo por anos.

Segundo o economista e filósofo Friedrich Hayek, em “O Caminho da Servidão”, a mera aprovação de uma lei dentro do rito legal não é garantia do Estado de Direito. Segundo ele, o legislador pode aprovar uma lei para chancelar objetivos arbitrários. Como exemplo, Hayek argumenta que “é bem possível que Hitler tenha adquirido poderes ilimitados de forma rigorosamente constitucional e que todas as suas ações sejam, portanto, legais, no sentido jurídico. Mas quem concluiria, por essa razão, que o estado de Direito ainda prevalece na Alemanha?”

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Mas não é apenas no campo de prisões e cassações que ocorrem as interferências do STF. A instituição atua no campo econômico e moral também, interferindo sobre questões do poder Executivo e Legislativo.

Questões como exceções para a prática do aborto e a criação do crime de homofobia – algo já previsto em lei – são claramente de natureza legislativa. No entanto, ministros do STF tomam decisões sobre essas questões de maneira totalmente monocrática, sem a consulta popular por meio de seus representantes (parlamentares) legitimamente eleitos pelo voto.

Já no campo econômico, o STF endureceu regras para a privatização e decidiu que o empregador tem responsabilidade civil objetiva em acidentes de trabalho nas atividades de risco, matérias essencialmente relacionadas ao Congresso e ao Poder executivo.

Os absurdos não param por aí. Alguns ministros do STF que, pela liturgia do cargo deveriam manter posição discreta longe dos holofotes da mídia, agem como verdadeiros popstar políticos concedendo entrevistas para emissoras, opinando sobre vários assuntos. Um deles chegou a dizer que o STF não iria validar as decisões do presidentes contrárias às orientações da OMS – uma verdadeira afronta à soberania nacional.

A fala do ministro não foi menos absurda do que o fato do STF abrir uma investigação sobre fake News onde o próprio STF será o julgador da questão, expondo claramente um conflito de interesse.

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Mas o ativismo judicial não ocorre apenas no campo do STF. Infelizmente, em outras esferas da Justiça ele acontece também. Recentemente, assistimos ao absurdo de uma juíza federal mandar Jair Bolsonaro divulgar seus exames para provar que não tinha contraído Covid-19.

São por esses exemplos e tantos outros que o Brasil vive uma espécie de ditadura do Poder Judiciário, na qual nossa democracia está doente e caminha para uma perigosa ruptura institucional diante dos autoritarismos da Justiça. Alguma vacina tem que ser criada para evitar que esse vírus – o ativismo judicial – destrua um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Se achar exagero, lembre-se que todos os regimes autoritários precederam de falência cultural e institucional da sociedade.

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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.

 

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Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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