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Censura nas redes e ativismo judicial: a democracia agoniza

Vivemos sob o “Processo” de Kafka? Quem determina o que é fake fews? Quem são os juízes da verdade? Quem vigia o vigia?
Por  Alan Ghani -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Uma pergunta recorrente nos meios acadêmicos é como a Alemanha e o próprio Ocidente permitiram a ascensão do nazismo e de Hitler?

Invariavelmente, democracias morrem por uma série de fatores que antecedem o seu fim. É ingenuidade acreditar que Hitler conseguiu convencer uma nação inteira a aderir ao nazismo sem que antes não existisse todo um ambiente propício a isso.

Na verdade, a ascensão do nazismo contou com a decadência cultural e institucional alemã, inclusive com a omissão de intelectuais.

De acordo com o economista prêmio Nobel e filósofo Friedrich Hayek, “a ascensão do nazismo e do fascismo não foi uma reação contra as tendências socialistas do período precedente, mas o resultado dessas mesmas tendências. Esta é uma verdade que a maioria das pessoas reluta em aceitar, mesmo quando as semelhanças entre muitos aspectos detestáveis dos regimes internos da Rússia comunista e da Alemanha nacional-socialista são amplamente reconhecidas”.

Ainda, segundo o filósofo, “as políticas socialistas daquele país (da Alemanha) costumavam ser consideradas pelos progressistas como um exemplo a seguir. Quase todos os alemães se haviam convertido em socialistas e o liberalismo, no velho sentido, fora alijado pelo socialismo”.

O exemplo do nazismo serve apenas para ilustrar que é possível democracias morrerem com a conivência da sociedade, seja por ação ou omissão. No limite, se foi possível assistirmos calados a ascensão do nazismo, imagine formas mais brandas de regimes autoritários?

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Em outras palavras, a decadência cultural e institucional de uma sociedade pode levar a formas mais brandas de regimes autoritários ou versões mais barra pesada de ditaduras.

É sob este contexto que chegamos ao Brasil. Hoje, há inúmeros fatores que sinalizam uma guinada rumo ao autoritarismo e uma decadência de nossa democracia.

Em artigo da semana passada (Ativismo judicial: novo vírus contra a democracia), chamei a atenção para o ativismo judicial do STF, interferindo nos demais poderes, legislando e rasgando a Constituição.

Em suma, disse que o STF passou a decidir monocraticamente questões morais e econômicas que competem aos poderes Executivos e Legislativos democraticamente eleitos.

Mostrei também como decretos federais não são respeitados e como o estado de emergência do país, na prática, foi instituído por governadores, com a chancela do STF, mesmo que isso não conste na Constituição Federal. Que democracia é essa na qual a Constituição não é respeitada?

Mas o risco de falência democrática não advém apenas do ativismo judicial; ocorre também na área cultural – entendida aqui como um conjunto de valores e comportamentos que regem a sociedade.

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O bom funcionamento de uma democracia passa pela independência de opiniões, livre imprensa.

Ao contrário da Fox News nos EUA, é raro ouvir em nossa imprensa, por exemplo, opiniões que culpem a China e a OMS pelo desastre humanitário (Fatos mostram que o governo chinês tem responsabilidade na pandemia da covid-19), tampouco especialistas que apontem soluções alternativas ao confinamento.

Caso tentem se manifestar, vão logo ser rotulados como “genocidas”, “assassinos”, “terraplanistas”, “irresponsáveis”, etc.

São raras as exceções ao contraditório na grande mídia brasileira. O espaço que tenho nesta coluna no InfoMoney, as participações do Caio Coppolla e da Renata Barreto na CNN, e o programa Pânico da Jovem Pan, que tem chamado convidados com pontos de vista diferentes sobre o mesmo assunto, são alguns dos poucos exemplos destas exceções.

A falta de espaço de opiniões liberais e conservadoras no show business tupiniquim é nítida nas mídias tradicionais. E quando ocorre o contraditório, é muito mais na forma do que na sua essência.

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No passado, esta falta de espaço já foi um problema maior; mas hoje, com as redes sociais, as pessoas conseguem acessar fatos e opiniões que muitas vezes não encontram na grande mídia tradicional.

Evidentemente, essa perda de monopólio daqueles que até então controlavam o fluxo de informações começou a incomodar muita gente.

Sob o pretexto de fake news, há uns dois anos, entrou em campo uma artilharia pesada para censurar perfis nas redes sociais.

Nesse tempo, assistimos a uma CPI das Fake News e uma abertura de inquérito pelo STF, no qual a própria corte poderá ser o juiz da ação – não há conflito de interesse nisso aí?

Não se trata de negar a existência de fake news, mas de entender que o remédio proposto – o controle estatal sobre o indivíduo – é mais perigoso do que a existência eventual de notícias falsas ao colocar em risco a liberdade individual – valor mais importante do que a própria democracia.

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Diga-se de passagem: uma democracia só faz sentido para preservar as liberdades individuais por meio de um Estado Democrático de Direito, no qual existem mecanismos para limitar o poder do Estado sobre o indivíduo.

Não estou dizendo aqui que defendo o direito do indivíduo de espalhar notícias falsas. Mas, ao apoiarmos os tribunais das fake news, criamos um poder arbitrário cujo remédio poderá ser pior do que a doença.

Em outras palavras, quem determinará o que é fake news? Quem será o juiz da verdade? Como garantir a isonomia ideológica das agências de checagem?

Em ótimo para artigo para a Gazeta do Povo (“Epistocracia: o ataque dos autoproclamados ‘fact-checkers’ à internet livre“), o antropólogo Flávio Gordon mostrou que as pessoas responsáveis pela veracidade das informações nas agências de checagem tinham alinhamento ideológico à esquerda. Nesse caso, como garantir a isenção ideológica?

Além do problema da isonomia, chama a atenção o fato de os sites acusados de fake news serem todos conservadores ou liberais. No mínimo, não é estranho nenhuma mídia de esquerda ser alvo de acusações de fake news?

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Mas o controle e a falta de isonomia não para por aí.

Recentemente, foi criado o Sleeping Giants, um perfil anônimo que pede para empresas cortarem patrocínios de sites conservadores e liberais sob a acusação de espalharem fake news.

Mas o perfil não comunica qual é a fake News e tampouco garante aos acusados o direito à defesa dos acusados. O “tribunal virtual” não perdoa e cobra uma posição dos patrocinadores.

O mais triste é que muitos patrocinadores cortam anúncios automaticamente com medo da patrulha virtual. E, curiosamente, os cortes ocorrem somente nos sites conservadores e liberais.

Essa falta de isonomia foi percebida pelo gestor de fundos Henrique Bredda, que tocou no ponto central da questão:

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Breda está coberto de razão. Que loucura é essa? Vivemos sob o “Processo” de Kafka? Quem determina o que é fake fews? Quem são os juízes da verdade? Quem vigia o vigia? Por que a patrulha ocorre somente do lado direito?

E o pior disso tudo, como colou o antropólogo Flávio Gordon em um tweet: “O mais grave é a omissão e até o mesmo o endosso debochado de muitos pretensos liberais e conservadores.”

É justamente essa omissão de boa parte da sociedade que cobrará o seu preço no futuro. E talvez irão se perguntar: como chegamos a este ponto? A resposta estará neste artigo. Guardem e aguardem.

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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.

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Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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