Por que o Brasil está se tornando exemplo de tokenização no mundo

País tem diversos projetos de tokenização sendo lançados com apoio de CVM e Banco Central

Rodrigo Tolotti

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Se a tecnologia blockchain foi a principal responsável pela criação do Bitcoin (BTC) e outras criptomoedas, cada vez mais é preciso entender que ela não está necessariamente ligada a esse mercado e que hoje ela tem sido usada para criar diversas outras soluções.

E hoje um dos principais usos de blockchain está relacionado à tokenização, uma palavra que ainda assusta muitas pessoas, mas que busca abrir todo um vasto universo de novos investimentos, podendo resultar em custos menores tanto para empresas quanto investidores.

Se até o fim do ano passado esse era um tema pouco comentado, hoje a tokenização tem ganhado força, principalmente no Brasil. Atualmente o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) possuem um sandboxes regulatórios (ambiente de experimentação) com projetos que envolvem tokens, colocando o Brasil em destaque no segmento.

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“O Brasil, com o sandbox da CVM, está na frente globalmente no tema de tokenização, está bem avançado”, avalia Marcos Viriato, CEO da Parfin, em entrevista ao InfoMoney.

A ideia de criar representações digitais de ativos financeiros não é algo tão recente, com projetos que desde 2018 tentam uma forma de sair do papel, mas que não tinham o apoio dos reguladores. Com o lançamento dos dois sandboxes – CVM e BC -, diversas empresas puderam estruturar suas plataformas e agora começam a lança-las oficialmente.

“O olhar do regulador é de proteger o investidor, então quando você fala de tokenizar vários ativos, o controle é um pouco mais complicado, porque você está tokenizando um ativo que não necessariamente deveria ser vendido para aquele investidor específico”, explica Viriato sobre a cautela no lançamento desses produtos.

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Dentro desses ambientes de experimentação estão quatro grandes projetos que envolvem tokenização, sendo um deles já em operação, conduzido pela Vórtx QR Tokenizadora, e outros três que devem ser lançados em breve: BEE4, SMU e Bolsa OTC.

De debêntures a mercado de ações

Neste começo da tokenização no Brasil, o que se tem visto é a ideia de democratização dos investimentos, com empresas trazendo para o público em geral a oportunidade de investir em ativos que até o momento estão restritos para quem tem um capital maior ou acesso a rodadas privadas.

Mas o futuro dessa tecnologia pode ir muito além disso. “Ainda estamos tokenizando classes de ativos já existentes no mercado. Mas o potencial de tokenização extrapola o mercado financeiro tradicional, seja na tokenização de bens físicos ou na criação de novos ativos e modelos de negócios usando tokens”, afirma Keiji Sakai, PMO (Project Managing Officer) da Bolsa OTC.

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No Brasil, a primeira plataforma regulada baseada em tokens foi lançada em junho pela Vórtx QR Tokenizadora, que permite a digitalização de valores mobiliários como debêntures e cotas de fundos de investimento fechados utilizando a tecnologia blockchain, permitindo transações mais seguras e transparentes.

Segundo Juliano Cornnachia, CEO da Vórtx QR, tem havido grande procura de empresas interessadas em fazer emissões, mas a companhia é bastante criteriosa em sua seleção, até porque o contrato com a CVM só permite 12 emissores. “Nossa preferência tem sido por empresas que tenham a disrupção em seu core de algum modo”, explica.

Até o momento já foram feitas três emissões, com um volume somado de R$ 142 milhões, valor que ainda é o começo para um segmento que liderou as emissões de valores mobiliários em 2021 no Brasil, com R$ 251 bilhões.

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Outros dois projetos focam na criação de um mercado secundário para negociar ativos tokenizados de empresas, como se fossem ações. Apesar de parecidos, as propostas de SMU e BEE4 acabaram se tornando complementares, já que a primeira foca em empresas menores, com ofertas de crowdfunding e captações de até R$ 15 milhões, enquanto a segunda trabalhará com companhias um pouco maiores, mas que ainda não possuem tamanho suficiente para lançarem uma Oferta Pública de Ações (IPO) na B3, com ofertas de até R$ 100 milhões.

Esse é um segmento ainda pouco explorado no Brasil e tem potencial de explorar um mercado gigantesco no Brasil. Um levantamento recente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostra que o setor de Pequenas e Médias Empresas (PMEs) geram uma renda em torno de R$ 420 bilhões por ano e que essas companhias representam 30% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Nos dois casos, de SMU e BEE4, a tokenização foi a solução encontrada tanto para que investidores pessoa física pudessem ter a oportunidade de comprar ativos de pequenas empresas e startups, algo que hoje fica reservado a grandes gestores, ao mesmo tempo que favorece essas companhias já que pode ser muito difícil conseguir levantar capital com o tamanho que possuem e o maior risco que apresentam.

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Como explica Viriato, da Parfin, com a tokenização uma empresa pode ter a oportunidade de acessar mais investidores e ter acesso a recursos. “Não significa que ela vai vender o token, mas significa que ela tem a oportunidade de ter o acesso, acho que isso já é uma grande diferença, uma grande vantagem”, avalia.

Diferente dessas três que estão no sandbox da CVM, há ainda a Bolsa OTC, aprovada pelo Banco Central, com uma plataforma para negociação de títulos de dívida de empresas de capital fechado. Ela atuará como registradora e liquidante das transações e terá um sistema próprio onde os investidores poderão fazer as operações.

A companhia está prestes a realizar sua primeira operação, mas segundo Sakai, as conversar que já ocorreram com empresas interessadas foi positiva: “observamos um entusiasmo e interesse muito grande na nossa operação”.

Mercado em expansão

O crescimento do mercado de tokenização e as diversas oportunidade na transformação de ativos tradicionais em representações digitais tem chamado não só atenção de órgãos reguladores, mas também de grandes instituições financeiras, que enxergam uma nova oportunidade de receita e de criar um diferencial em suas plataformas.

Recentemente o Itaú Unibanco (ITUB4) anunciou o lançamento da Itaú Digital Assets, que além de plataforma de tokenização também irá oferecer a custódia de criptoativos o serviço de “token as a service” (TaaS). Vanessa Fernandes, Global Head da nova empresa, projeta que nos próximos anos é possível pensar que “10% dos ativos de mercado serão via tokens”.

O banco já até fez um teste interno emitindo um token lastreado em recebíveis antecipados, chamados de risco sacado. A emissão foi feita no último dia 4, com prazo de 35 dias e num valor total de R$ 360 mil, sendo a venda restrita apenas para alguns funcionários do banco e clientes selecionados do Private Bank. A intenção é que até o fim deste ano a plataforma já esteja disponível para qualquer cliente do Itaú.

O Nubank é outro que está de olho nesse mercado. Após anunciar ter atingido 1 milhão de usuários de criptos, o CEO da fintech, David Vélez, afirmou ao site NeoFeed que agora mira o mercado de tokenização.

Olhando para o exterior é possível ainda avaliar o espaço que o segmento de tokenização ainda tem para crescer. Como destaca Viriato, da Parfin, a Europa está bastante avançada, com o Euronext (principal Bolsa da região) já fazendo emissões de tokens não só de ativos privados mais também de ações utilizando a plataforma Tokeny.

Já nos EUA, o executivo explica que até existem iniciativas de tokenização, mas que há uma dificuldade maior do lado da regulação, já que o país tem conflitos de leis entre o nível estadual e federal, que acaba tornando o processo mais lento. Mas especialistas avaliam que o crescimento desse mercado deve acabar mudando a forma de se olhar para a regulação no futuro.

“Uma discussão recorrente no mercado é tentar adaptar a tecnologia ao modelo operacional e à regulação existente. A questão é que a tecnologia permite repensar os modelos e eventualmente a própria regulação. Portanto, o ponto de partida para uma evolução do mercado seria pensar diferente, e não com os paradigmas que acumulamos ao longo de nossa história”, diz Sakai, da Bolsa OTC.

Apesar de já haverem diversos projetos de tokenização no Brasil e no exterior, esse ainda é um segmento que está começando a crescer e tem muito espaço para o surgimento de novos projetos. “O processo de tokenização veio para ficar e vai mudar a forma que as pessoas fazem investimentos”, afirma Cornnachia.

“A tokenização de ativos é um importante movimento em direção à descomplicação do mercado de capitais. Todas as bolsas mundo e mercados de balcão organizados vão olhar para essa tecnologia como um caminho novo, que é tão seguro quanto uma depositária central, mas mais barato e acessível”, conclui o CEO da Vórtx QR.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.