Criptoações: primeiro mercado de ações tokenizadas do país prepara lançamento com taxa zero

Plataforma faz parte do sandbox regulatório da CVM e terá um horário diferente de negociação de ativos

Rodrigo Tolotti

Patrícia Stille, CEO da BEE4 (foto: divulgação)

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Dez meses após a aprovação no sandbox regulatório da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o primeiro mercado organizado de ações tokenizadas do país está pronto para ser lançado.

Tocado pela fintech BEE4, o projeto replica a estrutura de uma bolsa de ações e focará em companhias que ainda não têm a robustez necessária para fazer um IPO (Oferta pública de ações) tradicional, mas que também não estão em estágio tão inicial.

“Desses [projetos do sandbox da CVM], eu diria que a BEE4 é a licença mais audaciosa, porque nós vamos negociar empresas de R$ 10 a R$ 300 milhões de faturamento por ano, podendo fazer ofertas públicas de até R$ 100 milhões”, explica Patricia Stille, CEO da BEE4, em entrevista ao InfoMoney.

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Além da BEE4, a CVM aprovou em setembro de 2021 o mercado de tokens de crowdfunding da SMU, e a tokanizadora QR Vórtx, que emitiu debêntures e FIDCs tokenizados.

O sandbox regulatório é um ambiente de experimentação de produtos e serviços no mercado real, mas que dispensa algumas exigências às empresas participantes que são comuns nos mercados já existentes.

“O mais adequado é olhar para isso como uma nova classe de ativos”, afirma Patricia. Segundo ela, o tipo de companhia que será foco da BEE4 é aquela que está em um ponto em que precisa de capital para conseguir acelerar seu crescimento, ao mesmo tempo que para o investidor há um potencial de grande retorno.

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Até agora, esse tipo de oportunidade de investimento acaba reservada para grandes fundos ou investidores com alto capital e com acesso à rodadas privadas. “A BEE4 vem para dar o acesso a isso para os investidores de forma ampla”, diz a executiva.

Nem cripto, nem B3

Assim como uma bolsa de valores, a plataforma da BEE4 terá uma dinâmica com combinações das ordens de compra e venda, book de ofertas aberto, pregão de negociação e leilão. Apesar disso, o sistema não é uma bolsa, mas sim um balcão organizado rodando em blockchain – no caso a rede Quorum, baseada em Ethereum (ETH) -, em que as empresas vão tokenizar suas ofertas públicas, como se fossem “criptoações”.

Podem participar desse mercado empresas com pelo menos 12 meses de operação e mais de R$ 10 milhões de faturamento por ano. Em uma primeira etapa, a plataforma deverá trazer empresas mais próximas desse faturamento mínimo e, conforme for ganhando volume e se torne mais conhecida, a média das companhias deve ficar acima dessa marca.

“Com o tempo, a nossa expectativa e planejamento estratégico é que a gente fique acima dos R$ 40 milhões [de faturamento médio por empresa] para justamente ter essa ‘escadinha’: o crowdfunding até R$ 40 milhões, a gente pegando o ‘super gap’ do mercado e a B3 indo para as empresas mais maduras”, explica ela.

Da mesma forma que o projeto da SMU, que foca em empresas de crowdfunding, a ideia da BEE4 é criar um mercado secundário para esses ativos e dar ao investidor com menor capital o acesso a empresas menores. Porém, para ganhar mercado, a companhia precisa fazer as pessoas entenderem primeiro qual a proposta da tokenização.

“Por isso nosso funcionamento não será nem [no formato] cripto e nem B3”, afirma Patricia. A executiva ressalta que, por enquanto, não faz sentido funcionar 24 horas por dia como as criptomoedas, nem acompanhar a mesma dinâmica da Bolsa.

A BEE4 vai operar, no começo, com pregões semanais, adotando como referência o passado do Tesouro Direto, que, até 2015, só permitia a negociação às quartas-feiras. A ideia é conseguir concentrar liquidez para dar mais chances ao investidor de conseguir negociar seus ativos com rapidez.

“Esse mercado não existe, é completamente ilíquido, a gente vai tirar ele da inércia. E não vai vir um monte de gente operar na largada, isso é óbvio”, diz a CEO da BEE4.

O pregão ocorrerá sempre às quartas-feiras, de 12h às 20h. Nos outros dias da semana (e na quarta das 10h às 11h) será possível enviar ordens de compra e venda, que serão consideradas em um leilão pré-abertura, uma hora antes da abertura no dia de operação do mercado.

Um algoritmo fará o casamento das ordens, respeitando as ofertas e buscando conseguir o maior número de negócios, abrindo o pregão já executando todas as operações.

Para evitar pressões nos preços e reduzir a volatilidade, a BEE4 também divulgará valores de referência dos ativos às quintas-feiras, com base no fechamento do mercado. As ofertas só poderão variar 10% para mais ou para menos do preço de referência fora do horário, ou 2% para mais ou para menos durante o pregão.

Por exemplo: se o preço de referência estiver em R$ 100,00, as ofertas podem variar entre R$ 90,00 e R$ 110,00 nos dias em que não houver pregão, ou entre R$ 98,00 e R$ 102,00 durante o pregão.

Usa blockchain, mas tem escriturador

Apesar de adotar blockchain, a BEE4 mantém o papel do escriturador, instituição que mantém registros dos valores mobiliários emitidos e concilia com a central depositária, além de coordenar os eventos corporativos e pagamentos de proventos.

A blockchain dispensaria a figura do escriturador, já que a rede pode fazer esse papel de forma transparente e automatizada. É o que fez a SMU em sua proposta de mercado secundário para ativos tokenizados de crowdfunding, deixando a tarefa com a blockchain da Stellar (XLM).

“Hoje a gente começa com uma rede que alguns participantes tem ‘nós’ com papel de validação”, explica Patricia. “No nosso caso, não achamos que o escriturador tinha que ser substituído por alguma eficiência da rede, apesar de possível. A gente acha que o escriturador é uma figura muito importante para trazer segurança para o investidor e para o regulador”.

A executiva lembra que a BEE4 não irá tokenizar a empresa inteira, mas criar a representação digital apenas da oferta pública. “Eu preciso de alguém, que seja membro da rede, que concilie e valide as trocas de titularidade e que tenha o controle do livro do lado de fora, até para saber que esses tokens não estão sendo negociados pra outro investidor”, explica.

Neste início, o escriturador selecionado é a Oliveira Trust, que já tem experiência em blockchain. Porém, no futuro, Patricia afirma que a intenção é criar um grupo de escrituradores.

Taxas e incentivo inicial

Sobre as taxas que serão cobradas, Patricia diz que os valores ainda não estão fechados, mas que serão maiores que os cobrados pela Bolsa, por exemplo, porque a BEE4 ainda não tem o tamanho da B3 e não tem como mitigar esses custos todos, que incluem desde abertura de conta até corretagem, o que acaba repassado ao investidor..

Mas ela reforça que com o crescimento do mercado, o cenário deve melhorar: “Com o tempo, nossa taxa tende a cair, isso é natural. Não vai ser uma taxa de B3, mas também não vai ser custo de transação privada, que é muito cara. Vai ser um meio do caminho, um pouco mais para baixo, mas de forma a trazer os clientes para esse mercado”.

Para incentivar o início do projeto, porém, a executiva antecipou ao InfoMoney que nos dois primeiros meses da operação, não haverá cobrança de nenhuma taxa para os investidores.

Para o primeiro ano da operação, o acordo com a CVM permite o lançamento de 10 ofertas, mas Patricia conta que já existem mais de 20 empresas no pipeline atualmente. A ideia é que, em média, os tokens das companhias negociadas na plataforma sejam lançados em torno de R$ 100.

A primeira empresa a ser negociada já está definida, será a Engravida, uma rede de clínicas de reprodução assistida, que por já ter feito sua oferta antes do projeto e por outras questões técnicas, terá seus tokens a R$ 1 cada, se encaixando na estratégia inicial da BEE4 para atrair investidores.

O mercado de tokenização tem ganhado força no Brasil, inclusive com a chegada do Itaú, que na semana passada lançou sua própria plataforma. Porém, o investidor precisa ter em mente que esses são ativos de maior risco por envolverem empresas que ainda não estão totalmente maduras.

Mas nem por isso, esse não é um investimento para qualquer um. “Quem não tem visão de longo prazo, não faz muito sentido ir para um ativo mais arriscado. É um ativo que vai ser mais arriscado que a própria B3, que negocia empresas mais maduras, mas é um ativo menos arriscado do que você vai ver no crowdfunding, que tem companhias em um estágio mais inicial, onde a taxa de mortalidade é maior”, explica Patricia.

“Então você precisa encaixar isso dentro da sua alocação, na proporção adequada e se expor, conseguindo uma diversificação na carteira”, conclui ela.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.