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Fed eleva taxa de juros nos EUA em meio à queda do PIB no 1º tri: isso faz sentido?

Levando em consideração uma inflação anualizada de 8,5% ao ano, nada mais prudente do que o Fed adotar uma postura hawkish
Por  Roberto Dumas Damas
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Os paladinos defensores da não subida de juros por choque de oferta devem estar em polvorosa, mas não sei o motivo. Já aprendemos, em aulas introdutórias de economia, que preços são formados pela conjunção de oferta e demanda. Claro que alguns ainda defendem um pouquinho mais de inflação para sustentar o crescimento econômico. Faltaram na aula dois sobre a neutralidade da moeda no longo prazo. Paciência.

Mas vamos começar com os fatos.

O Federal Reserve subiu ontem, em 0,5 ponto percentual, a sua taxa básica de juro, como forma de endereçar o impacto dos choques sucessivos da pandemia da Covid-19, da invasão da Ucrânia pela Rússia e do lockdown implantado pela China, este último que limitou o embarque de insumos importantes, como semicondutores, para a produção de drones para a agricultura, tratores, equipamentos eletroeletrônicos, elétricos, etc.

Contudo, essa decisão, a princípio, iria contra um dado econômico anterior, que mostrou recuo de 1,4% no PIB no primeiro trimestre de 2022 em termos anualizados, após ter avançado 6,9% no último trimestre de 2021.

Mas por que será que a autoridade monetária subiu juros em meio a um trimestre de queda da atividade?

Economistas muitas vezes tentam explicar o não óbvio com obviedades de certa forma dúbias, mas nesse caso, estudantes de economia entenderão. Se desmembrarmos o PIB dos EUA durante o 1º trimestre do ano, notaremos que o consumo e os investimentos em formação bruta de capital cresceram 2,7%, acima dos 2,5% do 4º trimestre de 2021 e 9,2%, bem acima dos 2.9% no trimestre anterior, respectivamente.

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A pergunta, contudo, continua. Então por que a queda do PIB?

Ora, se analisarmos o PIB pelo lado da demanda, assumindo uma economia aberta, a principal causa da retração da economia norte-americana deveu-se a um aumento das importações. Como sabemos que importações são consideradas um redutor do PIB, afinal estamos consumindo bens e serviços de fora, e não produzidos aqui dentro (PIB), podemos chegar à conclusão errônea de que a economia dos EUA, de fato, esteja perdendo ímpeto.

Nada mais longe da verdade. Primeiro que sabemos que os principais fatores que impactam a importação são: Câmbio e renda doméstica. Câmbio apreciado torna mais vantajoso importar bens e serviços e um aumento da renda doméstica leva os agentes econômicos a importarem poupança como forma de atender aos seus anseios de consumo. Daí a narrativa equivocada de contração da economia norte-americana.

Baseado nessa breve digressão para graduados, e levando em consideração uma inflação anualizada de 8,5% ao ano, nada mais prudente do que o Fed adotar uma postura mais hawkish [mais dura com relação à inflação] em suas reuniões do Federal Open Market Committee (Fomc), apoiando por unanimidade um aumento na taxa básica de juro de 0,5 ponto percentual.

Leia também: PIB dos EUA não foi tão ruim quanto parece e não deve mudar projeção de alta de juros pelo Fed, apontam analistas

Por enquanto, pelo menos aparentemente, o mercado ainda não conseguiu precificar até quanto o Fed irá puxar os juros até o fim de 2023, talvez até 3% ou 3,25%, como parece precificar a curva de juros. Saberemos, com mais propriedade, quando a curva de juros dos EUA ou inverter (mercado descobrir até onde o Fed vai) ou ficar mais plana consistentemente.

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Além de decidir subir sua taxa básica de juro, o Fed decidiu também reduzir seu balanço vendendo títulos públicos e mortgage backed securities (MBS), ou títulos garantidos de hipoteca, enxugando a liquidez da economia em US$ 47,5 bilhões por mês, aumentando as vendas para US$ 95 bilhões daqui a três meses, o que retiraria de circulação mais de US$ 710 bilhões em 12 meses.

De qualquer modo, apesar de terem existido expectativas contrárias, que apontavam um aumento de apenas 0,25 ponto na última reunião do Fed, dada a queda do PIB dos EUA no 1º  trimestre, esta não seria uma decisão que corroboraria o fim do modo hawkish do Fed.

Aliás, muito pelo contrário. Enquanto a curva de juros já precifica um juro da ordem de 3%-3,25% para o fim de 2023, não nos parece de todo desprezível acreditar em um maior recrudescimento na política monetária, o que certamente poderia levar agentes econômicos a inverterem o processo de rotação de ativos, iniciado no começo deste ano.

Ou seja, reverter o processo de investir em países exportadores de commodities e voltar ao porto seguro dos EUA investindo seus mais de 25% de rentabilidade em dólar alcançados no Brasil em US TIPS ou Treasury Inflation Protected Securities.

Assim, evitando o alto nível de octanagem das eleições que se aproximam, o que potencialmente pode suscitar uma maior volatilidade da nossa moeda (o que faria esses mesmos investidores perderem parte desses polpudos ganhos no Brasil). Há de se refletir.

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Roberto Dumas Damas Roberto Dumas Damas é estrategista-chefe do Voiter e representou o Itaú BBA em Xangai de 2007 a 2011. Em 2017, atuou no banco dos BRICs em Xangai. Dumas é mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), além de professor de MBA e pós graduação do Insper e da FIA e professor convidado da China Europe International Business School (CEIBS) e Fudan University (China)

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