Com certeza você já ouvir falar que o Bitcoin (BTC) é pirâmide. A frase costuma ser dita tanto por pessoas com pouco conhecimento sobre a criptomoeda como por alguns economistas. A maioria dos especialistas, no entanto, concorda que o ativo digital está longe de ser um golpe financeiro.

O Bitcoin ficou um pouco manchado porque desde 2008, quando o white paper (guia) do projeto foi publicado, golpistas “surfaram” no assunto para criar esquemas financeiros com promessas mirabolantes de lucro e captar ilegalmente dinheiro das pessoas desavisadas, deixando um rastro de prejuízo.

Mas isso aconteceu com vários setores. Criação e engorda de bezerro, energia solar, telefonia móvel – a Telexfree que o diga –, novo coronavírus e comercialização de avestruz são alguns exemplos. É normal, portanto, que as criptomoedas também sejam usadas como iscas.

Neste guia, o InfoMoney explica a diferença entre o Bitcoin – que já faz parte de fundos de investimentos, ETFs e está prestes a ser regulado no Congresso – e uma pirâmide financeira, prática considerada crime no Brasil. 

O que é esquema de pirâmide?

José Gomes Colhado Neto, advogado especialista em direito digital no Peck Advogados, explicou que a pirâmide financeira é uma prática baseada na captação de novos participantes de forma hierárquica e progressiva. “Nesse esquema, o pagamento realizado pelos últimos a ingressarem remunera os ganhos dos seus antecessores.”

O “pai” das pirâmides financeiras, também conhecidas como “esquemas ponzi”, foi o italiano Charles Ponzi. No início do século XX, ele imigrou para os Estados Unidos e abriu uma empresa que prometia juros de 50% em 45 dias ou 100% em 90 dias. Ele pagava os clientes mais antigos com a entrada de novos participantes. Em 1920, no entanto, após o jornal Boston Post publicar uma reportagem sobre a insustentabilidade do negócio, todos os investidores pediram o dinheiro ao mesmo tempo, e a pirâmide desmoronou. Ponzi se mudou para o Brasil após o escândalo, e morreu em 1949 em um abrigo para indigentes.

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Como funciona uma pirâmide financeira?

Neto disse que o funcionamento de uma pirâmide financeira pode ser ilustrado por meio da figura geométrica que dá nome ao esquema:

“Quem está mais ao topo da pirâmide sempre aufere maiores resultados dos que estão mais próximos da base, até o momento em que, matematicamente, a distribuição dos rendimentos prometidos se torna insustentável, e o esquema vem a ruir”.

Os golpistas envolvidos em pirâmides normalmente tentam disfarçar a fraude, mascarando-a como um negócio de marketing multinível, modelo lícito de venda direta de itens que também depende do esforço dos membros da equipe.

A diferença é que no marketing multinível há um produto real, enquanto a pirâmide é sustentada apenas pela entrada de novos indivíduos.

“Os participantes (do esquema) sempre são instruídos de que auferirão maiores ganhos na indicação de novas pessoas, e não com a venda dos produtos em si, o que faz constituir a prática da pirâmide financeira”, falou Neto.

Bitcoin é pirâmide?

O Bitcoin é pirâmide financeira? Não! A criptomoeda é um dinheiro eletrônico peer-to-peer (ponto a ponto) que pode ser transferido sem o intermédio de instituições financeiras, como bancos e empresas de remessa internacional. O BTC foi criado no final de 2008 pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto.

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O criptoativo tem código aberto – ou seja, qualquer um pode acessar e usar – e é descentralizado, sem nenhuma empresa ou governo no controle. Ele roda em uma blockchain pública, uma espécie de banco de dados público que registra todas as transações dos usuários.

No mundo e no Brasil os países discutem a regulação do Bitcoin e das demais altcoins (termo usado para identificar qualquer cripto diferente do BTC). Por aqui, discute-se no Congresso a criação de regras para a venda de ativos digitais e para o funcionamento das exchanges de criptomoedas.

Embora ainda não seja regulado, o BTC e os criptoativos têm tributação própria. A Receita Federal, por meio da Instrução Normativa nº. 1888, exige que os contribuintes declarem a posse de Bitcoin. A regra vale também para outras criptos, como stablecoins, e tokens não fungíveis (NFTs).

Apesar de o Bitcoin não ser uma fraude, muitos golpistas aproveitam a falta de conhecimento das vítimas e criam pirâmides associadas ao criptoativo.

“Tendo em vista a alta volatilidade do preço do Bitcoin e da disseminação do uso desse termo em golpes variados, algumas pessoas passaram a achar que o Bitcoin em si é uma fraude, o que não é verdade”, explicaram Murilo Varasquim, sócio fundador do Leal & Varasquim Advogados, e Franco R. de Abreu e Silva, advogado associado do mesmo escritório.

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Qual a diferença entre o Bitcoin e uma pirâmide financeira?

Há vários pontos que rebatem a afirmação de que o Bitcoin é pirâmide.

Retorno garantido

Diferente de uma pirâmide financeira, o Bitcoin não oferece lucros mensais fixos. Muito pelo contrário, o ativo é um investimento de risco extremamente volátil, que pode subir ou cair drasticamente em um único dia.

Venda e recrutamento

Os investidores de BTC não são instados a vender nenhum produto ou recrutar outros participantes para o projeto. Vale informar, no entanto, que alguns críticos alegam que a saúde da criptomoeda dependeria de novos compradores.

Líderes

Pirâmides financeiras costumam ter líderes. O Bitcoin, por outro lado, é descentralizado. Isso quer dizer que não há uma empresa ou pessoas coordenando o projeto. A criptomoeda foi construída de tal forma que os participantes, chamados de nodes (nós, na tradução para o português), são os auditores da rede.

Saques

Golpes financeiros geralmente dificultam os saques. Quando estão prestes a ruir, os últimos entrantes não conseguem mais fazer retiradas. O BTC, por outro lado, funciona 24 horas por dia e tem alta liquidez. Para vender a cripto e trocar por reais, por exemplo, basta utilizar uma exchange séria.

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Segredos

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Aa pirâmides financeiras são cheias de segredos. Muitas vezes, os participantes nem sabem o que é o produto ou serviço vendido exatamente. O Bitcoin, por outro lado, tem código aberto e regras definidas que funcionam há mais de uma década. Além disso, qualquer um pode acompanhar as movimentações na blockchain. 

Legislação

No Brasil e no restante do mundo, a pirâmide financeira é considerada crime. No caso do Bitcoin, os governos têm discutido sua regulação, e os bancos já oferecem exposição à criptomoeda por meio de fundos de investimento e ETFs.

Como o preço do Bitcoin é definido?

O preço do Bitcon é definido por diversos fatores. Veja alguns deles.

Lei de oferta e procura

O BTC não é emitido por nenhum banco central do mundo. Por isso, não há uma entidade definindo seu preço. Como ocorre com ações e commodities, portanto, o valor dele é definido pelas forças de oferta e demanda do mercado. Quando a procura aumenta, o preço sobe; quando diminui, cai.

Política e economia

Após ganhar tração entre grandes investidores, o Bitcoin e demais as criptomoedas também passaram a ser afetados por decisões políticas e econômicas dos países, assim como no mercado financeiro tradicional. Quando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) aumenta os juros, por exemplo, isso reflete no preço dos criptoativos, da mesma forma que ocorre com as ações.

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Adesão do mercado

Até pouco tempo, o Bitcoin era coisa de nerd. Fora dos fóruns e comunidades cripto, quase não se ouvia falar do ativo. A partir de 2018, no entanto, o projeto começou a chamar atenção de investidores institucionais. O aval de grandes empresas que administram dinheiro de terceiros ajuda a cripto a ficar popular, o que influencia no preço.

Escassez

O Bitcoin é escasso, e essa característica gera valor. Segundo o white paper do projeto, apenas 21 milhões podem ser minerados, o que deve ocorrer por volta de 2140. Por causa disso, muitas vezes a criptomoeda é chamada de ouro digital, apesar de muitos especialistas não concordarem com essa afirmação.

O que caracteriza um esquema de pirâmide?

O Ministério Público Federal (MPF), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e outras entidades publicaram cartilhas nos últimos anos com alertas sobre pirâmides financeiras. Veja abaixo um compilado das principais características mencionadas.

Promessas de ganho fixo mensal

Aa pirâmides financeiras costumam prometer lucros mensais em cima dos aportes dos investidores. No mercado cripto, golpistas geralmente oferecem 10%, 15% e até 50% ao mês, valores bem acima de qualquer investimento regulado.

Aporte inicial

É comum uma pirâmide financeira exigir do participante um pagamento inicial para participar do esquema, como R$ 300, R$ 1.000 ou até milhares de reais, em troca do pagamento de supostos juros. Quando mais alto o aporte, maior a promessa de retorno.

Indicação de amigos e familiares

As pirâmides financeiras incentivam seus participantes a convidar conhecidos, amigos e parentes para entrar no negócio. Para aqueles que conseguem atrair outras vítimas, os golpistas oferecem comissões.

Depoimentos de pessoas irreais

Para atrair vítimas, pirâmides costumam contratar pessoas para se passarem por clientes e darem depoimentos falsos. No mercado cripto, há casos de esquemas internacionais que colocaram atores brasileiros para atuarem como CEO.

Poucas informações sobre empresa e sócios

Pirâmides financeiras que dizem trabalhar com Bitcoin e outras criptomoedas divulgam pouca ou nenhuma informação sobre os seus sócios ou o negócio em si, como provas auditáveis das supostas compras da criptomoeda. Isso é um sinal de possível golpe.

Ausência de registro

O Bitcoin ainda não é regulado. No entanto, produtos financeiros regulados associados a criptoativos, como fundos de investimento ou Contratos de Investimento Coletivo (CIC), precisam de autorização da CVM. As pirâmides não têm essa aprovação. Por isso, sempre vale a pena fazer uma pesquisa no cadastro geral de regulados e na aba de processos administrativos e administrativos sancionadores do órgão.

Outras criptomoedas também podem ser consideradas pirâmide?

Assim como o Bitcoin, as criptomoedas sérias do mercado não são pirâmides financeiras. No entanto, criminosos podem se valer de narrativas envolvendo esses ativos digitais para criar esquemas fraudulentos.

É normal, por exemplo, golpistas afirmarem que vão utilizar os recursos captados dos participantes do esquema para fazer trade ou arbitragem (estratégia de negociação em que os investidores capitalizam com pequenas diferenças de preços em diferentes plataformas) com Ethereum (ETH) ou outra altcoin. É dessa forma, alegam, que conseguem pagar os lucros mensais prometidos.

Para enganar as vítimas, muitos costumam divulgar vídeos ou fotos das supostas negociações de ativos digitais. Na maioria das vezes, no entanto, são materiais falsos usados apenas para sustentar a narrativa do golpe.

Como a criação de uma criptomoeda é relativamente fácil, alguns criminosos também podem emitir seus próprios tokens em plataformas de terceiros, como a rede Ethereum ou a BNB Smart Chain, e oferecer para os participantes das pirâmides financeiras.

Para não ser fisgado por esse tipo de shitcoin (gíria para indicar moedas inúteis), é ideal analisar detalhadamente a documentação do ativo. Vale também verificar se a moeda está listada em alguma exchange além da plataforma da pirâmide. Caso não esteja, é um grande indicativo de que pode ser golpe.

Pirâmide financeira é crime?

Sim. A pirâmide financeira configura crime contra a economia popular (Lei nº. 1.521/1951). De acordo com a legislação, a pena prevista para os responsáveis é de seis meses a dois anos de detenção, além de multa.

Varasquim e Silva, advogados do escritório Leal & Varasquim, disseram que em alguns casos os esquemas também podem ser enquadrados como estelionato (Artigo 171 do Código Penal), e os agentes poderão ser considerados integrantes de organização criminosa (Lei nº. 12.850/2013). Nos golpes perpetrados no Brasil, foi justamente isso que aconteceu.

Um dos casos mais emblemáticos de pirâmide com Bitcoin e outras criptomoedas foi a Unick Forex, do Vale dos Sinos (RS), que quebrou em 2019. A Polícia Federal estima que o golpe tenha deixado um rastro de prejuízo de R$ 12 bilhões a milhares de pessoas. Seus integrantes responderam por organização criminosa e crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.  

Outro caso que foi o do Grupo Bitcoin Banco, em Curitiba (PR). Conhecido na época como “Rei do Bitcoin”, o responsável pelo esquema, o empresário Claudio Oliveira, conseguiu atrair 7 mil vítimas, e deu um golpe de R$ 1,5 bilhão. Ele foi condenado pela Justiça Federal do Paraná a 8 anos e 6 meses de prisão, em regime fechado, por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e estelionato.