Fechar Ads

A era da insanidade – um resumo das medidas surrealistas dos Bancos Centrais mundiais

A era do papel-moeda estatal não conversível em nada e lastreado apenas na confiança dos bancos centrais não para de se superar. Iniciado oficialmente em 1971, após o fim do vínculo do dólar ao ouro, o grande experimento dos bancos centrais tem gerado excessos recorrentes nos mercados financeiros e não há sinal algum indicando que cessará em breve. Enquanto no Brasil não conseguimos vislumbrar a mais mínima chance de uma taxa de juros de apenas um dígito, os bancos centrais de países desenvolvidos enfrentam o dilema de taxas em zero ou até negativas – juros de um dígito, jamais, isso seria suicídio. E nesse processo, o Federal Reserve (Fed), o Banco Central Europeu (BCE) e companhia descarregam munição pesada, inédita, sem precedentes e tudo sem nenhum respaldo da teoria econômica, baseada unicamente no medo da deflação, de os mercados derreterem e o sistema eclodir – o cataclismo financeiro, que deve ser evitado a todo custo.
Por  Fernando Ulrich
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A era do papel-moeda estatal não conversível em nada e lastreado apenas na confiança dos bancos centrais não para de se superar. Iniciado oficialmente em 1971, após o fim do vínculo do dólar ao ouro, o grande experimento dos bancos centrais tem gerado excessos recorrentes nos mercados financeiros e não há sinal algum indicando que cessará em breve.

Enquanto no Brasil não conseguimos vislumbrar a mais mínima chance de uma taxa de juros de apenas um dígito, os bancos centrais de países desenvolvidos enfrentam o dilema de taxas em zero ou até negativas – juros de um dígito, jamais, isso seria suicídio.

E nesse processo, o Federal Reserve (Fed), o Banco Central Europeu (BCE) e companhia descarregam munição pesada, inédita, sem precedentes e tudo sem nenhum respaldo da teoria econômica, baseada unicamente no medo da deflação, de os mercados derreterem e o sistema eclodir – o cataclismo financeiro, que deve ser evitado a todo custo.

Janet Yellen não retira nenhuma opção de cima da mesa, juros negativos podem ser adotados, sim. Mario Draghi promete fazer “tudo o que for necessário”. Haruhiko Kuroda jura combater a deflação até as últimas consequências. E o restante dos banqueiros centrais dança conforme a música: juros abaixo de zero, quantitative easing, compra de diversos ativos em larga escala.

A extraordinária liquidez injetada no sistema de alguma forma acaba se manifestando. Cedo ou tarde, aparecem os sintomas decorrentes das políticas monetárias não convencionais implantadas, especialmente, desde a crise financeira de 2008.

As distorções nos preços dos ativos abundam. A magnitude das ações dos bancos centrais assombra cada vez mais. As economias patinam, e o mercado laboral preocupa. Mas, a despeito de tudo o que foi feito, os índices de preços ao consumidor não registram aumentos expressivos. O que é pior – na visão dos banqueiros centrais –, em vários países o fantasma da deflação teima em não sumir.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Mas não se preocupem, defendem eles, está tudo sob controle. Eles sabem o que estão fazendo. Será que sabem mesmo?

Vejamos alguns fatos surreais da economia mundial atual que talvez nos façam, pelo menos, levantar alguns pontos de interrogação.

 

As políticas não convencionais: taxa básica de juros, QEs e balanços dos bancos centrais

1)      Há 35 países com taxas de juros abaixo de 1%. Isso inclui todos os países do G8 e toda a Zona do Euro. Quase 50% do PIB mundial com juros nesse patamar inédito.

2)      Com taxas abaixo de 3%, existem 50 países atualmente.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

3)      Há 5 bancos centrais que já adotaram alguma forma de taxa de juros negativa, ou 23 países submetidos a esse experimento inusitado (Japão, Dinamarca, Suécia, Suíça e todos os membros da Zona do Euro).

4)      O Federal Reserve está com juros entre zero e 0,5% há 90 meses, ou 7,5 anos. Quase uma década. Isso nunca ocorreu na história. No último meio século, os juros situaram-se ao redor de 1% por, no máximo, não mais do que seis meses. E, segundo eles, ainda é cedo para mais elevações da Federal Funds Rate.

5)      Faz mais de duas décadas que o Banco do Japão (BoJ) mantém os juros em zero.

6)      Após as diversas rodadas de QE, o Fed multiplicou seu balanço por cinco em questão de seis anos, alcançando US$ 4,5 trilhões.

7)      Já o Banco da Inglaterra aumentou em quatro vezes os seus ativos desde o estouro da crise de 2008.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

8)      Desde o início do chamado “Abenomics”, em 2013, o Banco do Japão inflou o seu balanço em cerca de 200%.

9)      O BoJ já está na nona rodada de QE.

10)   O Banco Nacional da Suíça (BNS), na tentativa de sustentar um piso para o euro, expandiu seus ativos na ordem de 5,5 vezes desde 2008, ultrapassando 668 bilhões de francos, o que equivale a mais de 100% do PIB.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

11)   Já o BCE de Mario Draghi praticamente triplicou o balanço nos últimos seis anos.

12)   A magnitude da expansão monetária perpetrada pelos BCs de países desenvolvidos é comparável à de países que enfrentaram alta inflação ou hiperinflação, como o Brasil da década de 80, Zimbábue nos anos 2000, Argentina na era Kirchner e Venezuela nos últimos anos.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

 

E o resultado disso tudo? Rendimentos dos títulos (taxa de juros, ou yield), índices de ações e outros ativos

13)   Os rendimentos dos bônus soberanos estão no menor patamar de toda a história financeira do mundo.

14)   Os juros implícitos nos títulos da Holanda, cujos registros de dívida soberana datam de 500 anos atrás, nunca estiveram tão baixos.

15)   O endividamento de grande parte dos Estados também está em níveis recordes. Um paradoxo das finanças pós-bancos centrais.

16)   Você se lembra da crise de dívida soberana de 2010/11 dos chamados PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Espanha e Grécia)? À exceção da Irlanda, todas as demais nações estão com um endividamento maior que quando da eclosão da crise. Mas o custo do refinanciamento das dívidas despencou, a despeito de tudo.

17)   O German Bund de 10 anos (bônus da Alemanha) está sendo negociado a quase 0%, um recorde. Por sinal, está prestes a adentrar território negativo.

18)   A Inglaterra realizou um leilão de títulos de 30 anos com cupons de 2,095%, algo inédito para o país. O Gilt de 10 anos também registra os menores rendimentos da história.

19)   O corolário de juros em níveis irrisórios é custo de refinanciamento baixíssimo. Em virtude disso, o Tesouro da Inglaterra resgatou em 2014 os primeiros títulos perpétuos – os quais pagavam um cupom de cerca de 5% e não tinham data para amortização – emitidos durante a bolha do South Sea Company, nas guerras napoleônicas e da Crimeia e na Primeira Guerra Mundial.

20)   A curva de juros da Suíça (yield curve) está negativa até 20 anos. Um recorde absoluto – e surreal – da história financeira mundial. O bônus com vencimento em 30 anos está em 0,07% a.a. É possível que, no momento em que este artigo for publicado, a curva inteira já esteja abaixo de zero.

21)   Já a curva de juros do Japão apresenta rendimentos negativos até 10 anos. Vender JGBs a descoberto segue fazendo viúvas (widow maker trade), há décadas. E o governo deve 250% do PIB.

22)   Se o Bund de 10 anos ultrapassar a barreira do zero, toda a curva de juros da Alemanha também registrará taxas negativas até 10 anos.

23)   Até meados de 2014, era desprezível a quantidade de títulos soberanos sendo negociados com rendimento abaixo de zero.

24)   Há pouco mais de um ano, quase US$ 2 trilhões de bônus estavam sendo negociados com rendimentos abaixo de zero.

25)   Em janeiro deste ano, já havia um total de US$ 5 trilhões de dívida soberana com juros negativos.

26)   Um mês depois, esse montante subiu para US$ 7 trilhões.

27)   E, em junho, ultrapassou nada menos que US$ 10 trilhões.

28)   Quase 90% do mercado global de dívida soberana, cerca de US$ 22 trilhões, rendem não mais do que 2% ao ano.

29)   O Banco do Japão detém hoje 35% da dívida pública do governo. Há três anos, isso não passava de 11%.

30)   Nos EUA, o Fed carrega 15% da dívida pública federal. Em 2008, os Treasuries no balanço do Fed representavam apenas 5% do total emitido.

31)   Quase US$ 1,8 trilhão é o valor das hipotecas no balanço do Fed. Sim, as notórias mortgage-backed securities (MBS, títulos lastreados em hipotecas) que quase quebraram o sistema bancário americano em 2008. O real valor de mercado desses ativos? Só Deus sabe.

32)   Imagine o Bacen entrando pesado no mercado e comprando ações da Petrobras, Gerdau, Ambev, Vale. Kafkiano, não? Pois é exatamente isso o que anda ocorrendo na terra do sol nascente. Como resultado dos estímulos agressivos do “Abenomics”, o Banco do Japão é hoje um dos grandes acionistas em mais de 90% das empresas no Nikkei 225. Não, não é um erro de digitação. Leia novamente. São cerca de 200 empresas das quais o BoJ é um grande acionista. Na Mitsumi Electric, o BoJ detém mais de 11% das ações.

33)   Mais de 55% de todo o mercado de ETFs (Exchange Traded Funds) pertencem ao BoJ.

34)   Agora imagine o Bacen acumulando títulos de dívida emitidos pela Petrobras, Gerdau, Ambev, Vale. Inacreditável, não? Pois o Banco do Japão também está fazendo isso. Em decorrência da crise de 2008, o BoJ passou a intervir no mercado para socorrer empresas com dificuldade de financiamento e hoje tem um portfolio de ¥ 5,5 trilhões (aprox. US$ 52 bi) de bônus corporativos e comercial-papers.

35)   Consegue imaginar o Bacen comprando debêntures da Ambev? Nem precisa imaginar, basta olhar para o BCE, que já adquiriu papéis da AB Inbev no mercado europeu, como parte do recém-expandido Programa de Compras de Ativos (APP, Asset Purchase Programme). Depois de inundar o mercado com liquidez para cumprir a meta de € 60 bilhões em compras de títulos soberanos por mês, Mario Draghi agora ampliou o escopo da versão europeia do QE e, juntando-se ao BoJ, passou a “diversificar” o portfólio da autoridade monetária da UE, prometendo acrescê-lo com alguns bilhões de dívida corporativa a partir de junho.

36)   Quando feito o anúncio, em março, apenas dívida com “grau de investimento” seria elegível ao programa do BCE. Mas, como Draghi definiu um piso aos rendimentos dos títulos a serem adquiridos – não menos que a taxa da deposit facility, atualmente em 0,40% negativos – e uma boa parte dos bônus corporativos europeus já está sendo negociada abaixo de zero, o BCE viu-se obrigado a ceder e, logo na primeira intervenção no mercado, comprou, além de AB Inbev, também dívida da Telecom Italia, classificada como “grau especulativo” pela Moody’s e S&P.

37)   Fixada inicialmente em -0,10%, a taxa da deposit facility logo teve de ser reduzida para 0,20% e depois -0,40% – como previsto neste artigo –, porque o BCE restringiu a si próprio ao impor tal taxa como piso à compra de ativos. O problema é que, tão logo as compras começaram, Draghi acabou achatando e reduzindo toda a curva de juros na Europa. Resultado? Sobraram poucos títulos elegíveis para o QE. Reduzir ainda mais a taxa da deposit facility era inevitável.

38)   Toda a curva de juros da Alemanha até 5 anos está com rendimentos abaixo de -0,40%. Isso significa que Draghi necessariamente trabalhará na ponta mais longa da curva e/ou comprará mais títulos de países periféricos como os do PIIGS.

39)   Assim como o Fed, o BCE não tem intenção de reverter o seu balanço após as intervenções do QE. Quando do vencimento dos títulos, Draghi vai rolar ou reinvestir –mesmo se algum bônus virar “lixo” (junk). As empresas já têm se antecipado e emitido dívidas pensando no BCE como potencial comprador – as emissões neste primeiro semestre explodiram –, o que é lógico e inevitável, pois nada mais natural que aproveitar essa “janela de mercado” em que o único ente com “recursos ilimitados” (impressora de dinheiro) garante intervenções mensais bilionárias e sem data para expirar.

40)   No escopo ampliado do Programa de Compras de Ativos (o APP) do BCE, a meta quantitativa passa a ser de € 80 bilhões por mês. Isso equivale à produção anual do Uruguai. Considerando um total de € 960 bilhões por ano, o APP é 40% maior que o PIB da Holanda, ou do tamanho do PIB da Espanha, ou um terço do PIB da Alemanha. Mas, ao contrário da produção anual de um país, produzir € 80 bilhões não custa praticamente nada ao BCE. Veja que lindo este didático vídeo sobre o APP:

41)   Dos CHF 616 bilhões detidos pelo Banco Nacional da Suíça na forma de investimento em moeda estrangeira, 20% correspondem a ações de empesas, ou CHF 123 bilhões, o equivalente a 25% do valor de mercado de todas as empresas listadas na Bovespa. O BNS é um dos grandes acionistas da Apple, da Exxon Mobil, da Johnson & Johnson. Além disso, o BNS ainda tem CHF 74 bilhões de bônus corporativos em seu balanço.

42)   Bancos Centrais são hoje um dos major players do mercado de ações.

43)   Obviamente, nos últimos cinco anos, diversos índices de ações bateram recordes históricos. A esmagadora maioria das bolsas de países desenvolvidos ou alcançou as máximas de toda a história (muitas se mantêm e seguem testando novos picos) ou estão no maior patamar desde a crise de 2008. Vejam o Dow Jones (mais de 18.000 pontos em 2015), o S&P 500 (mais de 2.100 pontos em 2015), a Nasdaq (mais de 5.200 pontos em 2015), o DAX (mais de 12.300 pontos em 2015), o Nikkei 225 (mais de 20.700 pontos em 2015). A lista é extensa.

 

O que tudo isso significa? Quais as implicações desse grande experimento? A resposta a essas perguntas será o foco da continuação deste artigo.

 

OBS: Devido à constante quebra de recordes, procurarei manter este post atualizado à medida que surjam novos eventos.

 

Desde que este artigo foi publicado, tivemos as seguintes ocorrências:

 

44) Conforme previsto, o German Bund de 10 anos adentrou território negativo momentos após este artigo ser publicado. Agora toda a curva e juros da Alemanha até 10 anos está abaixo de zero. E, devido às incertezas do Brexit, o Bund já está sendo negociado a -0,11%. O Bund de 15 anos está quase negativo. Toda a curva de juros até 5 anos está menos 0,5% negativos. Dados de 27/06/16.

45) Também conforme previsto, a curva de juros da Suíça até 33 anos adentrou território negativo. Os temores do Brexit acentuaram os juros negativos. Uma verdadeira façanha dos bancos centrais. Toda a curva até 8 anos está com juros abaixo de 0,8% negativo. Dados de 27/06/16

46) Pela primeira vez na história, o bônus de 10 anos do Reino Unido baixou de 1%. Está atualmente em 0,94% (dados de 27/06/16). Isso tudo depois de o Reino Unido ter sua classificação de risco rebaixada pela S&P, caindo para AA. Os yields caíram como se nada houvesse acontecido, quebrando esse recorde histórico. Esse é o “new normal” dos mercados financeiros, em que os fundamentos já não importam bulhufas. 

47) Os rendimentos dos títulos de 10 anos da França e da Holanda estão em 0,30% e 0,16%, respectivamente. Mais um empurrãozinho e adentram território negativo também. Dados de 27/06/16.

48) A curva de juros do Japão agora está negativa até 15 anos. Mais uma proeza. (Dados de 27/06/16).]

49) Depois do Brexit, o total de títulos soberanos com juros negativos ultrapassou US$ 11,7 trilhões. 

50) “A média dos rendimentos dos bônus corporativos com grau de investimento na Europa chegou a mero 0,93%. Mais um recorde histórico. Os investidores têm encarado esses títulos como um refúgio de segurança. Por quê? “Draghi é o driver chave disso,” afirmou Fraser Lundie, da Hermes Investment Management in London, que supervisiona U$32,5 bilhões de ativos. “Há um comprador significativo abocanhando uma grande quantidade de bônus nesse mercado. Isso é visto como um porto seguro.”

51) O bônus da Suíça com vencimento em 50 anos (sim, cinquenta) está com rendimento negativo. Se você segurar esse papel por cinco décadas, receberá menos do que o principal investido.

52) Ainda na Suíça, toda a curva de juros até 5 anos está com taxas abaixo de 1% negativo.

53) Os títulos de 10 anos do Reino Unido chegaram a 0,78%, mais baixo da história.

54) O Treasury de 10 anos também quebrou recorde, sendo negociado abaixo de 1,40%.

55) E no Japão, o título de 20 anos está quase negativo, bateu a mínima histórica chegando a 0,03%.

56) Mais um bônus da Alemanha adentra território negativo. Desta vez são os Bunds com vencimento em 15 anos.

Fernando Ulrich Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil

Compartilhe

Mais de Moeda na era digital

Moeda na era digital

Fidelity Digital Assets, um novo gigante no mercado de criptoativos

Na última segunda-feira, dia 15 de outubro, a Fidelity Investments -- uma gigante do mercado financeiro americano com US$ 7,0 trilhões de ativos sob gestão -- anunciou sua mais recente iniciativa: a Fidelity Digital Assets, uma empresa voltada a atender clientes institucionais com soluções profissionais de execução e custódia de ativos digitais.