PEC dos Precatórios é aprovada na CCJ da Câmara; texto segue para comissão especial

Texto estabelece novas regras para o parcelamento de dívidas judiciais do governo, cria fundo de liquidação de passivos e permite "encontro de contas"

Marcos Mortari

O deputado Darci de Matos (PSD-SC) na tribuna do plenário (Cleia Viana/Câmara dos Deputados).

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SÃO PAULO – A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (16), por 32 votos a 26, o parecer do deputado Darci de Matos (PSD-SC) pela constitucionalidade da Proposta de Emenda à Constituição que trata do parcelamento de Precatórios (PEC 23/2021).

O texto foi lido pelo relator no colegiado na última terça-feira (14), quando haviam sido concedidas vistas coletivas aos parlamentares. Com isso, a votação foi adiada por duas sessões plenárias. A sessão no colegiado foi marcada para depois da Ordem do Dia do plenário, que impede deliberações nas comissões.

Normalmente, a CCJC vota apenas matérias consensuais entre as bancadas às quintas-feiras. Tal acordo de procedimento chegou a ser utilizado, sem sucesso, por parlamentares da oposição para barrar o avanço das discussões.

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A CCJC é responsável pela avaliação de constitucionalidade da proposta. Aprovado pelo colegiado, o texto agora deve seguir para uma comissão especial, responsável pelo debate de mérito ‒ instância em que normalmente ocorrem as principais negociações e modificações.

Depois, a PEC é levada ao plenário, onde precisa contar com o apoio de pelo menos 3/5 dos parlamentares (ou seja, 308 dos 513 deputados) em dois turnos de votação.

Em tese, existe a possibilidade de o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), antecipar a tramitação, pulando a etapa da comissão especial ‒ o que atenderia a demanda do governo federal por celeridade na discussão. No entanto, dada a complexidade da matéria, este é considerado um caminho menos provável pelos congressistas.

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Depois de passar pela Câmara dos Deputados, a PEC precisa tramitar no Senado Federal, onde também dependerá de apoio de 3/5 de seus membros (ou seja, 49 de 81 votos) em dois turnos. Para o governo, a aprovação do texto é fundamental para abrir espaço no Orçamento de 2022 para despesas, como o novo Auxílio Brasil.

O que está em jogo

A PEC foi encaminhada há um mês pela equipe econômica ao Congresso Nacional e passou a ser uma das prioridades em termos de agenda legislativa do ministro Paulo Guedes (Economia). O texto é parte da estratégia para liberar recursos orçamentários no ano que vem e viabilizar a execução de políticas públicas.

Integrantes do governo argumentam que as despesas com precatórios deverão sofrer um crescimento real (ou seja, acima da inflação) de 102% de 2018 a 2022. As despesas sairiam, em um intervalo de 12 anos, do patamar de 11% de todos os gastos discricionários do governo para 90%. Ou seja, sobraria pouca margem de manobra para os gestores alocarem recursos.

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Os gastos oriundos de sentenças judiciais estão estimados em R$ 89,1 bilhões no ano que vem, um salto de R$ 34,4 bilhões em relação a 2021 ‒ montante que consumiria quase toda a “sobra” projetada para o teto de gastos por conta do descasamento de indexadores inflacionários. O que levou Guedes a chamar as despesas de “meteoro” para as contas públicas.

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Desde que foi informado sobre o montante projetado para 2022, o governo vem estudando alternativas para restringir o impacto da explosão dos precatórios sobre o orçamento público. É nesse contexto que surge a polêmica PEC 23/2021, que abre novas possibilidades de parcelamento dessas dívidas em que não é mais possível recorrer na Justiça.

A Constituição Federal já prevê situações específicas para o parcelamento dos precatórios. Tal possibilidade, no entanto, está condicionada a precatórios com valores superiores a 15% do montante de precatórios apresentados.

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Neste caso, 15% do valor desses precatórios poderá ser pago até o final do exercício seguinte e o restante em parcelas iguais nos cinco exercícios subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária, ou mediante acordos diretos, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado, “desde que em relação ao crédito não penda recurso ou defesa judicial e que sejam observados os requisitos definidos na regulamentação editada pelo ente federado”.

Mas integrantes da equipe econômica argumentam que as regras hoje são “inócuas”, já que enquadrariam apenas dois precatórios em 2022. Com a PEC, eles falam em “modernizar” o dispositivo criando regras adicionais para o parcelamento, reduzindo a pressão de tal despesa para a gestão orçamentária.

A proposta preserva as chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), que sempre estariam fora do parcelamento e seriam pagos à vista de forma integral. Integram o grupo peças que não ultrapassem 60 salários mínimos (ou seja, R$ 66 mil).

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Na outra ponta, os chamados “superprecatórios” poderiam ser pagos em dez parcelas, sendo 15% à vista e o restante em parcelas anuais. O montante seria corrigido pela taxa Selic (o que também provocou críticas, já que nem sempre o indicador cobre os impactos da inflação), hoje fixada em 5,25% ao ano. Integram este grupo peças com valor superior a 1.000 vezes 60 salários mínimos (ou seja, R$ 66 milhões).

O restante dos precatórios, localizados na faixa intermediária entre os de pequeno valor e os “superprecatórios”, estariam sujeitos a uma regra temporária, que irá até 2029. Neste caso, seria permitido o parcelamento quando a soma desses precatórios superar 2,6% da receita corrente líquida da União nos 12 meses anteriores à apresentação pelo Judiciário.

O critério será pelo parcelamento em ordem decrescente em relação ao valor das peças, com a mesma regra de correção anual pela Selic. O percentual de 2,6% foi obtido a partir da média de despesas com precatórios em relação à receita corrente líquida entre os anos de 2015 e 2019.

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A PEC também prevê a criação de um fundo de Liquidação de Passivos da União, cujos recursos poderão ser utilizados para pagamento da dívida pública federal interna e externa e o pagamento antecipado de precatórios parcelados.

O fundo, que ficaria fora das regras da emenda do teto de gastos, teria seis fontes de receita:

1) Alienação de imóveis da União;

2) Alienação de participação societária de empresas;

3) Dividendos recebidos de empresas estatais deduzidas as despesas de empresas estatais dependentes;

4) Outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial;

5) Antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo; e

6) Arrecadação decorrente do primeiro ano de redução de benefícios tributários.

O ponto é considerado polêmico pelos parlamentares, mas foi considerado compatível com a Constituição Federal pelo relator Darci de Matos (PSD-SC) e mantido no texto aprovado pelos demais membros da CCJC.

Da lista apresentada, os recursos de venda de estatais e de imóveis serão destinados integralmente ao fundo. Já no caso dos dividendos, serão direcionados somente os valores que excederem a despesa com custeio e pessoal de estatais dependentes.

As estimativas do governo são de que, de um universo potencial de privatizações de R$ 369 bilhões, em torno de R$ 122 bilhões são considerados prováveis, conforme pontuou o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal.

Durante a discussão da PEC no Poder Executivo, foi especulada a possibilidade de uso de recursos na distribuição dos “dividendos sociais”, política defendida por Guedes. A medida visaria usar valores gerados pelas companhias estatais para políticas distributivas, mas ficou fora desta etapa da proposta, embora possa voltar durante a discussão no parlamento.

Quando pagos com recursos do fundo, a proposta estipula que os precatórios estarão fora dos limites do teto de gastos. O modelo também foi criticado por possivelmente desrespeitar a regra da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe o financiamento de gastos correntes com receitas de privatizações.

Para críticos, a medida poderia gerar o chamado “efeito bola de neve”, com o estoque de precatórios crescendo em ritmo mais rápido do que o pagamento. Além disso, o uso de um fundo abastecido por recursos não recorrentes poderia tornar o desenho insustentável.

O texto também permite o chamado “encontro de contas”, abrindo espaço para a compensação de créditos de precatórios da União com os respectivos débitos de outros entes federativos ou entidades.

A PEC é considerada polêmica e foi criticada por especialistas em contas públicas e parte do mercado financeiro. Há, inclusive, quem a chame de “calote” – um fantasma que passa a ser considerado nos preços pelos investidores. Atualmente, o imbróglio dos precatórios é um dos temas mais acompanhados pelo mercado na política.

“De forma a evitar um colapso financeiro e da máquina pública diante do esvaziamento quase que completo dos recursos discricionários pelas despesas decorrentes de condenações em sentenças judiciais, sugere-se, à sua elevada consideração, proposta de alteração do Texto Constitucional com o escopo de: (i) afastar o pagamento de precatórios fora do rito tradicional, ou seja, evitar que a parcela “superpreferencial” dos precatórios escape da previsibilidade orçamentária típica do procedimento natural de quitação desses requisitórios, (ii) permitir o depósito de parte ou da totalidade do precatório à disposição do juiz da execução quando o credor for simultaneamente devedor da Fazenda Pública, (iii) permitir que o depósito mencionado no item anterior ocorra mesmo na hipótese de cessão do precatório, (iv) estabelecer o parcelamento dos precatórios vultosos e dos maiores quando o volume total de pagamentos exceder determinado percentual da Receita Corrente Líquida da União, (v) autorizar o encontro de contas dos valores de precatórios com aqueles devidos por pessoa jurídica de direito público interno, e (vi) atualizar o foro nacional, preservando-o apenas para demandas coletivas”, escreve o ministro Paulo Guedes em exposição de motivos da PEC.

Apesar do esperado avanço da matéria na CCJ da Câmara dos Deputados, ainda não há clareza sobre o formato do texto ao final da tramitação.

Ontem (15), o presidente Arthur Lira elogiou sugestão apresentada pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, e do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas, de estabelecer um limite anual para pagamento dos precatórios.

Nas últimas semanas, o mundo político ensaiou um encaminhamento nesse sentido a partir da construção de uma possível resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A ideia, no entanto, perdeu força pela percepção de aumento da insegurança jurídica e após novos atritos entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Poder Judiciário.

Agora, Lira ventila a construção de um texto convergente entre as duas propostas a partir do relatório da PEC em comissão especial. Ele espera um acordo entre as casas legislativas para aprovar o texto com celeridade, o que, na sua avaliação, daria previsibilidade ao pagamento dos precatórios e garantiria o funcionamento da máquina pública.

Outro caminho foi apresentado pelo vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). O parlamentar trabalha para coletar assinaturas para fazer tramitar uma PEC que retira o pagamento de precatórios das limitações impostas pelo teto de gastos. Neste caso, os valores da regra seriam corrigidos desconsiderando as despesas com precatórios nos últimos anos.

A medida encontra resistências na equipe econômica, que vê riscos e uma nova flexibilização da regra fiscal, e tampouco conta com a simpatia de Lira. Mas poderá ser usada para viabilizar a liberação de recursos orçamentários no ano que vem. Este pode ser um caminho mais simples para se alcançar o apoio necessário nas duas casas legislativas.

A saída, contudo, encontra eco entre integrantes da área jurídica do governo federal. Eles alegam que a chamada “Solução CNJ” traria elevados riscos de questionamentos futuros, assim como o parcelamento proposto pela PEC defendida por Guedes.

Uma nova flexibilização do teto de gastos, porém, poderia provocar ruído no mercado.

Caso consiga as assinaturas necessárias para fazer a PEC tramitar (ou seja, 1/3 dos deputados: 171 assinaturas), é possível que Ramos apense sua proposta para tramitar junto com o texto do governo. As mudanças também poderiam ser apresentadas como emenda à PEC 23/2021, o que permitiria destaque para votação.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.