Lula diz que Alckmin não disputará ministério no próximo governo, sinaliza para investimento social e questiona pensamento ‘fiscalista’

Petista afirmou ainda que o ministro Alexandre de Moraes teve 'muita coragem' nessas eleições, e cobrou que Bolsonaro reconheça derrota nas urnas

Anderson Figo Marcos Mortari

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta quinta-feira (10), que o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), escolhido por ele para coordenar a equipe de transição de governo, não será disputará vaga para ser ministro no próximo governo.

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“Eu fiz questão de colocar o Alckmin como coordenador para que ninguém pensasse que o coordenador vai ser ministro. Ele não disputa vaga de ministro porque é o vice-presidente da República”, disse Lula, em discurso na sede do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, onde ficam as instalações da sede da transição de governo.

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Alckmin é o coordenador do processo de transição do governo. O nome do ex-governador de São Paulo chegou a ser especulado para assumir ministérios, como a Fazenda ou Planejamento.

“Eu tenho pedido para todo mundo quando convidar alguém para participar da comissão de transição dizer o seguinte: não serão ministras as pessoas que estão [na transição], podem ser e podem não ser”, afirmou o presidente eleito.

“A comissão de transição não decide nada. O que ela vai fazer é como se fosse uma máquina de ressonância magnética. Ela vai fazer um levantamento da situação do país”, completou.

Bolsonaro

O presidente eleito disse que Jair Bolsonaro (PL) deve reconhecer que perdeu as eleições. Para o petista, Bolsonaro tem “uma dívida com o povo brasileiro” e que reconhecer uma derrota não significa ser menor do que o candidato que ganhou, mas sim que o vencedor talvez “tenha sido melhor compreendido pelo discurso que fez”.

“Agora, quem chegou ao fim e ainda não reconheceu a derrota, seria tão fácil. Fazer como fez o Alckmin quando disputou comigo, fazer como o Serra quando disputou comigo, como fiz duas vezes com o Fernando Henrique Cardoso. Pegar o telefone, ligar e falar: ‘Parabéns pela tua vitória’. E anunciar ao país que esse país tem um perdedor e um vencedor, ele ainda não teve coragem de fazer isso”, afirmou Lula.

O petista comparou Bolsonaro ao ditador iraquiano Saddam Hussein, que morreu em 2006. “Como Saddam não reconheceu que o Iraque não tinha armas químicas e afundou o país por uma mentira que acreditava. Portanto, Bolsonaro tem uma dívida com o povo brasileiro, peça desculpas pela quantidade de mentiras que foram contadas nessa eleição”, disse.

Lula pediu que Bolsonaro se desculpe também sobre o fato de o atual chefe do Executivo ter questionado o sistema eletrônico de votação. Para ele, Bolsonaro fazia isso “porque sabia que ia perder as eleições”. “Ele tinha certeza que ia perder”, afirmou o petista.

O presidente eleito lembrou que Bolsonaro exerceu sete mandatos como deputado federal, consagrado pelo mesmo sistema eletrônico de votação que hoje ataca. Assim como três filhos: o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

“E não foi a disputa entre dois candidatos. Não foi a disputa entre dois partidos políticos. Foi a disputa entre um candidato e a máquina do Estado, porque ela foi utilizada na sua totalidade”, disse. “Eu nunca tinha visto nada igual na minha vida”.

Lula disse que a urna eletrônica é um modelo que o mundo inteiro deveria olhar. “A maior economia do mundo conta papelzinho até agora. Se ele conhecesse a Amazônia, ele ia saber que uma urna vai de uma cidade para a capital, demora três dias em uma canoa. Se conhecesse o Brasil, não recusaria e não gozaria discutir a legitimidade das urnas eletrônicas”, afirmou o presidente eleito.

Forças Armadas

Lula também culpou Bolsonaro por envolver as Forças Armadas na fiscalização do processo eleitoral e chamou de “humilhante” o que ocorreu com o Ministério da Defesa entregando relatório não identificando qualquer fraude no pleito de outubro.

“Um presidente não tinha o direito de envolver as Forças Armadas a fazerem uma comissão para investigar urnas eletrônicas − coisa que é da sociedade civil, dos partidos políticos e do Congresso Nacional. E o resultado foi humilhante”, afirmou.

“Eu não sei se o presidente está doente, não sei o que está… Mas ele tem a obrigação de vir à televisão e pedir desculpas à sociedade brasileira e pedir desculpas às Forças Armadas por ter usado as Forças Armadas, que são uma instituição séria, uma garantia ao povo brasileiro quanto a possíveis inimigos externos.”

Alexandre de Moraes

Escolhido pelo presidente Bolsonaro como um de seus principais adversários políticos, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e que hoje preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi lembrado por Lula em sua fala.

O magistrado alimentou antipatia do atual presidente longo dos últimos anos por sua atuação nos inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e de milícias digitais, pelo STF, e por decisões tomadas no comando do órgão máximo da Justiça Eleitoral.

Lula disse que Moraes “teve uma coragem estupenda” durante as eleições deste ano. “É um homem que teve um comportamento exemplar, que é orgulho de todo o Brasil”.

“E não me importa se Alexandre de Moraes é conservador. Não importa se ele for progressista. Não importa se é de direito, de centro. O que importa é que ele foi de muita coragem e muita dignidade na lisura e no compromisso de dirigir essas eleições”, completou o petista.

Diálogo com quem pensa diferente

Ciente de que precisará negociar com parlamentares que não se elegeram para a próxima legislatura para aprovar a PEC da Transição, Lula buscou fazer acenos aos deputados federais e senadores presentes.

“Costumamos dizer que quem conta a história de uma nação são os vencedores. Os perdedores não têm o direito de escrever. Neste caso, eu queria dizer que os perdedores vão ter o direito de escrever e de participar deste processo de transição e desta governança”, afirmou.

“O fato de alguém ter perdido uma eleição não significa que esse alguém é menor do que alguém que ganhou. Significa apenas, possivelmente, que quem ganhou tenha sido melhor compreendido pelo discurso que fez”, minimizou.

O presidente eleito também disse que vai manter canal de diálogo com Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acima de qualquer diferença com os líderes do Congresso Nacional.

“Muita gente achava que jamais Lula iria conversar com Lira. Eu fui conversar com Lira por uma única razão: eu sei o que ele pensa ideologicamente, eu sei que ele é meu adversário, mas ele é o presidente da Câmara eleito pelos deputados”, explicou.

Lula promete estabelecer um diálogo com os partidos políticos em sua gestão e minimizou a construção de bancadas informais, como o chamado “centrão”. “Eu não vou conversar com o ‘centrão’. Eu vou conversar com deputados e deputadas eleitas por partidos políticos, que se uniram em determinadas circunstâncias desde a Constituinte”, disse.

Governo para todos

Lula repetiu que governará para todos, mas sua prioridade será tratar das pessoas mais necessitadas a partir da retomada de políticas públicas de suas gestões anteriores.

“Não temos que ter vergonha de dizer que nosso voto é o voto daquelas pessoas que mais necessitam. É daquelas pessoas que um dia viveram num país que tinha um governo que olhou para elas. Que governou prioritariamente para elas sem esquecer da responsabilidade e da participação de outros segmentos da sociedade”, afirmou.

“As pessoas não têm noção do significado de uma cisterna. Parece uma coisa trivial para quem tem água encanada, que lava a calçada com água potável. Parece bobagem. Por que fazer 1,4 milhão de cisternas? O que isso interessa à economia brasileira? O que isso representa para o PIB? Nós não pensamos no PIB quando fazemos isso. Não pensamos na economia ou na macroeconomia. Nós pensamos na sobrevivência da espécie humana, e o Estado tem obrigação de cuidar e dar a possibilidade da igualdade de condições para as pessoas”, frisou.

O presidente eleito defendeu a necessidade de se rediscutir a relação entre capital e trabalho, diante dos novos desafios impostos pela revolução tecnológica, e criticou os efeitos da reforma da Previdência, aprovada no governo Bolsonaro.

“Você não pode viver em um mundo em que os trabalhadores parecem que são microempreendedores, mas trabalham como se fossem escravos sem nenhum sistema de seguridade social para protegê-lo no infortúnio”, afirmou.

“A verdade é que vamos ter que discutir a relação capital e trabalho no século XXI. Quem é empresário sério e quem é sindicalista sério sabe que não poderíamos ficar no século XXI tratando apenas da lei feita em 1943. Mas também não podemos abdicar daquilo que era conquista e dava segurança ao ser humano mais humilde”, continuou.

“Parece pouco, mas a reforma da aposentadoria fez com que um trabalhador que recebia normalmente R$ 2 mil vai receber R$ 1.300 agora. Parece pouco que uma mulher que poderia receber R$ 2 mil de pensão do marido vai receber metade disso”, destacou.

Meta de crescimento e regra de ouro

Em outro momento de sua fala, Lula também defendeu uma discussão econômica mais ampla, que não leve apenas a questão fiscal em consideração, mas a dignidade da população e a igualdade de oportunidades para os cidadãos.

“Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam ‘é preciso cortar gasto, é preciso fazer superávit, é preciso fazer teto de gastos’? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gastos não discutem a questão social deste país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento? Por que não estabelecemos um novo paradigma de funcionamento deste país?”, indagou.

“A única razão que tenho de voltar a exercer o cargo de presidente é tentar restabelecer a dignidade do nosso povo. E a prioridade zero, outra vez, o mesmo discurso que disse em dezembro de 2002, não tenho que mudar uma única palavra: se, quando eu terminar esse mandato, cada brasileiro tiver tomando café, almoçando e jantando outra vez, eu terei cumprido a missão da minha vida”, disse.

Lula defendeu que é preciso “mudar alguns conceitos neste país”, considerando como investimentos alguns recursos que hoje são vistos como gastos.

“Não é possível que se tenha cortado o dinheiro da Farmácia Popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal. Cumprir a regra de ouro. Sabe qual é a regra de ouro deste país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia. Essa é a nossa regra de ouro. É um compromisso em fazer com que esse país maravilhoso tenha o povo voltando a sorrir”, afirmou.

Estatais e dividendos

O presidente eleito também falou sobre as estatais. “Eu quero dizer a vocês que as empresas públicas brasileiras serão respeitadas. A Petrobras não vai ser fatiada. Eu quero dizer que o Banco do Brasil não vai ser privatizado. A Caixa Econômica, o BNDES, o BNB e o Basa voltarão a ser bancos de investimento, inclusive para pequenos e médios empreendedores”, disse.

Em outro momento do discurso, Lula criticou dividendos recém-anunciados pela Petrobras. “Só nesse período de governo [Bolsonaro] já vão mais de US$ 150 bilhões pagos em dividendos para os acionistas da Petrobras, e nada para investimento. E essa semana vocês viram que inventaram a distribuição de mais US$ 50 bilhões de um possível lucro futuro”, afirmou.

“Qual é a ideia? Esvaziar o caixa da Petrobras para que a gente não possa fazer nada. (…) Agora eu estou sabendo que eles também vão pegar mais não sei quantos bilhões do BNDES, agora, antes da nossa posse, para também deixar o BNDES vazio, para que a gente não tenha capacidade de investimento”, completou Lula.

Nomes de ministros

Ontem, ao falar sobre o encontro que teve com Lira e Pacheco, Lula já tinha afirmado que revelaria os nomes que vão compor seu governo só depois que voltar da viagem ao Egito, para onde ele embarca na segunda-feira (14) — veja os vídeos abaixo. Ele voltou a dizer isso hoje.

No país africano, o presidente eleito vai participar da COP-27 e deve falar sobre o compromisso do Brasil com a redução do desmatamento e da emissão de gás carbônico. “Já vou ter no Egito mais conversas com lideranças mundiais, num único dia, do que o Bolsonaro teve em quatro anos”, disse Lula.

Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.