Lula fala em “recuperar a harmonia entre os Poderes” após encontro com chefes do Legislativo e do Judiciário: “O Brasil vai voltar à normalidade”

Presidente eleito fez pronunciamento em frente à sede do Tribunal Superior Eleitoral, após uma série de compromissos em Brasília

Marcos Mortari

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Pela primeira vez em Brasília após vencer as eleições para o Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta quarta-feira (9), que é “plenamente possível recuperar a harmonia entre os Poderes” e resgatar “a normalidade da convivência entre as instituições”.

O pronunciamento foi feito ao final de uma longa agenda de reuniões do presidente eleito com os chefes dos Poderes Legislativo e Judiciário ao longo do dia. Foram as primeiras interações presenciais entre Lula e as autoridades desde o resultado de 30 de outubro.

“Eu me candidatei com o compromisso de que é possível resgatar a cidadania do povo brasileiro e que é possível a gente recuperar a harmonia entre os Poderes e que é plenamente possível a gente recuperar a normalidade da convivência entre as instituições brasileiras. Instituições que foram atacadas, violentadas, por uma linguagem nem sempre recomendável por algumas autoridades ligadas ao governo”, afirmou.

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As declarações foram dadas em frente à sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após encontro com o ministro Alexandre de Moraes, que preside a instituição máxima da Justiça Eleitoral. Mais cedo, Lula visitou os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Além da Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal, e ministros.

Veja imagens dos encontros no vídeo abaixo:

“O Brasil vai voltar à normalidade. Vamos voltar a dormir tranquilos. Vamos voltar a ter o prazer e o orgulho de sermos brasileiros em tempos de paz”, disse o presidente eleito aos jornalistas.

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Há exatamente 10 dias da vitória nas urnas, Lula busca construir um ambiente de “trégua” institucional em meio a atritos que se tornaram mais frequentes durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O gesto ocorre no dia em que o Ministério da Defesa divulga seu relatório de fiscalização do processo eleitoral produzido por técnicos militares. O documento era aguardado no meio político como um potencial catalisador para manifestações contra o pleito de grupos apoiadores do presidente derrotado.

No relatório, os encarregados pela fiscalização alegaram que “as ferramentas e os procedimentos disponibilizados pela equipe técnica do TSE (…) não foram suficientes para uma análise técnica mais completa”, mas não apontam fraude no processo eleitoral.

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Em conversa com os jornalistas, Lula descartou a possibilidade de uma eventual contestação do resultado das urnas pela campanha de Bolsonaro prosperar. “Ninguém vai acreditar num discurso golpista de alguém que perdeu as eleições. Eu perdi três eleições. Cada vez que perdia, ia para casa lamentar, ficava triste”, afirmou.

“Cabe ao presidente reconhecer sua derrota. Cabe a ele fazer uma reflexão e se preparar para daqui a alguns anos concorrer outra vez. É assim que é o jogo democrático. Não tem outro jeito. É respeitar a decisão da maioria do povo brasileiro”, continuou.

O presidente eleito também disse não ver motivo para os protestos e disse que é necessário identificar os financiadores dos grupos que promoveram bloqueios em rodovias pelo país. “Essas pessoas que estão protestando, sinceramente, não têm por que protestar. Essas pessoas deviam dar graças a Deus pela diferença ter sido menor do que aquilo que nós merecíamos ter de voto”, disse.

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“É preciso detectar quem está financiando esses protestos que não têm pé nem cabeça. As ofensas às autoridades, ameaças de fechamento, agressão verbal − coisas que eu que fui dirigente sindical não tinha por hábito utilizar”, continuou.

Mas disse não haver tempo para “vingança”. “Nós voltamos a governar o país. Não há tempo para a vingança, não há tempo para ódio. O tempo é de governar. Eu pretendo trabalhar 24 horas por dia. Vou trabalhar o dia inteiro, porque nós temos uma dívida a resgatar com o povo pobre deste país. Temos uma dívida a resgatar com milhões de crianças que, durante a pandemia, não tiveram oportunidade de estudar”, salientou.

O presidente eleito aproveitou a oportunidade para colocar-se ao lado do Poder Judiciário − escolhido um dos principais adversário pelo presidente Jair Bolsonaro, que, nos últimos anos, subiu o tom contra ministros sobretudo do Supremo e do TSE.

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“Agradecer o comportamento e a lisura do comportamento do Poder Judiciário no enfrentamento à violência, à ilegalidade, ao desrespeito democrático que estava sendo praticado neste país”, disse.

“A urna eletrônica é uma conquista do povo brasileiro. Muitos países do mundo invejam o Brasil pela lisura do processo. Um processo em que as eleições terminam às 17h e antes das 20h todo mundo já sabe quem foi eleito. Nos EUA, país mais avançado do mundo, ainda estão contando votos até agora no papelzinho para saber quem foi eleito”, completou.

Relação com o Congresso

Lula também falou sobre a relação com o Congresso Nacional. Aos jornalistas, o presidente eleito se disse convencido de que o parlamento “não vai criar problema” e afirmou que há disposição de Lira e Pacheco em contribuir para o avanço de uma proposta para garantir o pagamento do Bolsa Família de R$ 600,00 a partir de janeiro de 2023, um aumento real do salário mínimo e outras promessas feitas pelo petista durante a campanha eleitoral.

“Estou convencido de que o Congresso não vai criar problema. Que vai ter gente contra, vai ter. Que vai ter gente favorável, vai ter muito mais. Nosso papel é saber o seguinte: não cabe ao presidente da República interferir no funcionamento da Câmara nem do Senado. Somos Poderes autônomos. E assim a sociedade vai viver tranquilamente, democraticamente, e as coisas vão acontecer”, afirmou.

“Há muita disposição dos dois com o que estamos propondo. Não foi especificado ainda tudo que queremos”, disse.

Quando questionado sobre o papel do chamado “centrão” durante seu governo, desconversou. “Um governante tem que ter clareza de que ele tem que lidar com as pessoas que foram eleitas. Seria importante que só pudéssemos lidar com as pessoas que gostamos, mas temos que lidar com as pessoas que pensam diferente. E nossa obrigação é tentar convencê-las das coisas que queremos que aconteçam neste país”, declarou.

“O centrão é uma composição de vários partidos políticos que o PT tem que aprender a conversar, o Alckmin tem que aprender a conversar, que eu tenho que aprender a conversar e tentar convencê-los da nossa proposta. Isso nós vamos fazer com muita competência, porque o Brasil não tem tempo para mais briga”, continuou o presidente eleito.

Apesar de derrotado nas urnas, o presidente Jair Bolsonaro mantém uma base sólida no parlamento e conseguiu eleger diversos aliados para a próxima legislatura − grupo que deverá fazer oposição a Lula e pode dificultar a aprovação de pautas prioritárias do próximo governo.

“As pessoas não estão mais olhando para quem é presidente. As pessoas estão olhando para 213 milhões de brasileiros que estão esperando alguma atitude deles. Nós temos um Orçamento que vai ser elaborado. Esse Orçamento precisa ter um ajuste, nós vamos fazer as propostas que entendemos corretas e vamos ver como eles se comportam”, disse Lula.

Economia

Durante a conversa com jornalistas, Lula também defendeu a recomposição orçamentária de programas como o Farmácia Popular, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a volta do Minha Casa Minha Vida, a manutenção do Bolsa Família em R$ 600,00 e a retomada de um pacote robusto de obras de infraestrutura pelo país.

“Eu quero fazer com que o povo brasileiro recupere sua cidadania”, afirmou. “Eu vou tomar posse no dia 1º [de janeiro]. Se depender de mim, no dia 2, a gente já está colocando obra para funcionar, porque precisamos gerar emprego, distribuir renda e fazer esse país voltar a crescer”.

Questionado sobre a equipe ministerial do próximo governo, Lula disse que começará a definir os nomes somente quando voltar da viagem ao Egito, onde participará da COP 27, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, na semana que vem.

“Quando eu voltar do Egito, vou começar a pensar na montagem do ministério”, disse. A viagem ocorre entre segunda-feira (14) e sábado (19). Agentes econômicos têm cobrado o presidente eleito sobre uma definição do comando do Ministério da Fazenda antes da discussão sobre a PEC da Transição.

“Estou mais preocupado do que vocês com a definição do ministério”, disse Lula aos jornalistas.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.