Conteúdo editorial apoiado por

Fazenda rechaça insegurança jurídica em cobrança sobre fundos exclusivos e defende regra de transição

Ao InfoMoney, Daniel Loria, um dos responsáveis pela redação da MPV no ministério, diz que regra está amparada na jurisprudência e exalta diálogo

Marcos Mortari

Publicidade

Em meio às críticas de advogados tributaristas de que a medida provisória que institui a cobrança do “come-cotas” sobre o rendimento dos fundos exclusivos (MPV 1184/2023) poderia representar uma mudança drástica nas regras do jogo e produzir efeitos retroativos, o diretor de Programa da Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Daniel Loria, argumenta que o movimento do governo federal está amparado na legislação e na jurisprudência.

Um dos principais responsáveis pela construção do texto enviado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na semana passada ao Congresso Nacional, Loria concedeu entrevista exclusiva ao InfoMoney após participar de um painel na Expert XP 2023, realizada em São Paulo (SP).

Durante a conversa, o diretor da pasta disse que não há problemas, do ponto de vista jurídico, em aplicar o instrumento que já existe para a maior parte dos fundos abertos de investimentos. A ideia do governo, além de buscar uma nova fonte para compensar a renúncia fiscal oriunda da atualização da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), é corrigir distorções provocadas pelo atual sistema tributário brasileiro e conferir isonomia a produtos financeiros de natureza similar.

Continua depois da publicidade

“O tema dos rendimentos acumulados nos fundos (os chamados ‘estoques’) sempre aparece quando tratamos desse assunto. O que aconteceria se não falássemos nada [após editar a medida provisória]? Esse rendimento acumulado impactaria primeiro o come-cotas, calculado pela diferença do valor patrimonial e do custo, e seria tributado à vista em 15%. Esse é um rendimento que já está efetivamente apropriado dentro do fundo, é uma renda líquida do fundo”, explicou.

“O que a lei fala é determinar o momento na ocorrência do fato gerador. Na perspectiva jurídica, não há problemas com essa tributação em cima do rendimento acumulado. Esse rendimento não foi tributado antes ‒ nem no fundo, nem no cotista ‒ e estamos determinando o momento de ocorrência do fato gerador agora, assim como aconteceu na primeira vez que o instituto de come-cotas, na década de 1990. Isso foi levado à Justiça e prevaleceu o come-cotas, como temos há mais de 20 anos”, disse.

Assista à entrevista na íntegra pelo vídeo acima ou clicando aqui.

Publicidade

Os fundos fechados são uma modalidade de aplicação financeira utilizada por famílias de maior renda no país (com patrimônio de no mínimo R$ 10 milhões), dentre outros motivos, pela vantagem do diferimento tributário ‒ desta forma, rendimentos que já teriam sido tributados em um fundo convencional poderiam servir para acumulação de patrimônio pelo investidor ao longo do tempo, ampliando sua rentabilidade no período. Na prática, uma vantagem viabilizada pela regressividade do sistema, que investidores de maior renda têm a opção de pagar menos tributo do que a média.

Fundos de investimento podem ser constituídos na forma de condomínios abertos ou fechados. Os fundos abertos admitem o resgate de cotas a qualquer tempo, permitindo a entrada e saída de cotistas. Os fundos fechados, embora não admitam o resgate de cotas antes do encerramento, permitem a amortização de cotas ‒ o que possibilita a distribuição de recursos aos cotistas, periodicamente, de forma similar ao resgate.

Pela medida provisória, a partir de 1º de janeiro de 2024, os rendimentos de fundos exclusivos (também chamados de fechados ou “onshore”) estariam sujeitos à cobrança de Imposto de Renda antes do resgate ou de seu encerramento por parte do investidor, de forma semestral, como já acontece nos fundos abertos. A mudança se aplica não apenas sobre os rendimentos gerados a partir desta data como os chamados “estoques” ‒ ou seja, rendimentos das aplicações gerados até agora e não tributados.

Continua depois da publicidade

A alíquota prevista é de 15%, independentemente da classificação do fundo prevista na legislação tributária e na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da composição da sua carteira. A alíquota é de 20% para os fundos de curto prazo.

Também há retenção de IRPF no momento da amortização, resgate ou alienação de cotas, ou de distribuição de rendimentos, se ocorrerem antes da data de incidência da tributação periódica (o “come-cotas”). Neste caso, é aplicada uma alíquota complementar até alcançar as alíquotas atualmente previstas para esses investimentos na legislação, de 22,5% a 15%, dependendo do prazo.

O texto encaminhado para análise do Congresso Nacional também estabelece uma regra de transição para os rendimentos das aplicações em cotas dos fundos de investimento fechados percebidos antes da vigência do come-cotas (estabelecida para 1º de janeiro de 2024).

Publicidade

Neste caso, foi aberta a possibilidade de o contribuinte recolher o imposto sobre esses rendimentos a uma alíquota reduzida de 10%, cujo pagamento será feito em duas frações: 1) em até quatro parcelas mensais, com início em 29 de dezembro de 2023 e término em 29 de março de 2024, relativa ao imposto sobre rendimentos apurados até 30 de junho de 2023; e 2) à vista, no último dia útil de maio de 2024, relativa aos rendimentos apurados de 1º de julho a 31 de dezembro de 2023.

Tal solução já havia sido encaminhada no projeto de lei que tratava da reforma tributária sobre a renda discutida na legislatura anterior, sob a relatoria do então deputado Celso Sabino (União Brasil-PA) ‒ hoje ministro do Turismo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas até o momento não foi apreciado pelo Senado Federal.

“Apesar do conforto jurídico desse assunto (a tributação dos estoques dos fundos fechados), temos buscado no ministério desenvolver projetos de consenso a partir de um diálogo com a sociedade civil”, disse Loria na entrevista. O diretor do Ministério da Fazenda classificou a solução desenhada por Sabino como “engenhosa”, e admitiu que a alíquota poderá ser menor do que os 10% indicados pelo governo se o Congresso Nacional entender mais adequado.

“Quem quiser pagar com uma alíquota reduzida e virar essa página, é uma regra de transição. Como o ministro Haddad é um homem de diálogo e que gosta de boas ideias, independentemente de quem venha, de projeto, de momento, decidimos manter essa solução que foi criada em 2021”, afirmou.

“O que vale nesse assunto é passar a mensagem que queremos uma solução de consenso, pragmática e que não gere judicialização. Essa solução é a alíquota reduzida, e desejamos que os contribuintes optem por isso. A calibragem vai ser algo adequado para que a solução funcione. Pessoalmente, acredito que não vamos ver judicialização, seja pelas razões jurídicas, seja pelas razões pragmáticas dessa opção da alíquota reduzida, seja pela própria relação do cotista com com o administrador do fundo, que é uma relação, da perspectiva civil contratual, que não é simples operacionalizar um litígio”, observou.

A mudança na forma de tributação dos fundos fechados não é uma novidade para o Congresso Nacional. O tema foi tratado pela Medida Provisória MP 806/17, ainda no governo Michel Temer (MDB).

O texto chegou a ser analisado em uma comissão mista, que aprovou o relatório apresentado pelo deputado Wellington Roberto (PL-PB). Mas não houve acordo para votação no Plenário da Câmara e a MPV perdeu a validade. Posteriormente, o governo Temer enviou o Projeto de Lei 10638/18, que manteve as linhas gerais da medida provisória e também não foi votado.

Por se tratar de Medida Provisória, o texto precisa ser aprovado pelas duas casas legislativas em até 120 dias. Caso isso não ocorra, ela “caduca” (ou seja, perde validade). O governo conta justamente com o fato de o assunto não ser novo para o Congresso Nacional para que desta vez ele possa avançar.

No Ministério da Fazenda, há uma expectativa de que o conteúdo desta proposição seja discutido no âmbito do próprio projeto de lei encaminhado pelo governo para alterar as regras de tributação sobre aplicações financeiras de brasileiros no exterior, sobretudo as chamadas “offshores” (PL 4173/2023) ‒ tema que também chegou a tramitar como medida provisória, mas “caducou” em meio à disputa entre Câmara dos Deputados e Senado Federal em torno das regras de tramitação deste tipo de proposição e entraves políticos que o governo gora espera ter superado.

Segundo dados da equipe econômica, a indústria brasileira de fundos conta com um patrimônio total de quase R$ 8 trilhões sob gestão. Deste montante, algo em torno de R$ 756,8 bilhões está aplicado em fundos fechados por 2,5 mil brasileiros.

A CVM aponta que os fundos multimercado e de renda fixa constituídos na forma de condomínios fechados, com até 20 cotistas têm um patrimônio total de R$ 530,7 bilhões, distribuído entre 16.194 cotistas pessoas físicas, o que equivale a um patrimônio médio, apenas nesses fundos, de quase R$ 32,8 milhões por cotista.

A medida provisória, no desenho que foi enviado para a apreciação dos parlamentares, tem impacto financeiro estimado em R$ 3,21 bilhões para 2023 ‒ exatamente o montante de renúncia fiscal esperado com a atualização da faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física, incluído em medida provisória que originalmente tratava apenas do novo patamar do salário mínimo (MPV 1172/2023). Para o ano que vem, a expectativa é de arrecadação adicional de R$ 13,28 bilhões. O número cai para R$ 3,51 bilhões e R$ 3,86 bilhões nos dois anos seguintes.

(com Agência Câmara)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.