Em sabatina ao JN, Ciro Gomes diz que pode reavaliar discurso de ataque à polarização

"Minha tarefa é reconciliar o Brasil. O Brasil hoje tem metade da população passando fome", disse o candidato do PDT à Presidência da República

Anderson Figo

Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência da República, em entrevista ao Jornal Nacional (Divulgação)

Em sabatina ao Jornal Nacional, da TV Globo, Ciro Gomes, candidato à Presidência da República pelo PDT, disse que pode reavaliar seu discurso de ataque direto aos candidatos à frente nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Indagado se tais ataques não agravariam o cenário de polarização no país, Ciro disse que o tom dele pode soar mais agressivo pela região de onde ele vem, mas que ele tem que confrontar a política atual e a dos últimos anos, que guiaram o Brasil até os problemas que existem hoje.

“A corrupção é praticada por pessoas. O desastre econômico, o privilégio, que faz com que o Brasil tenha cinco pessoas acumulando a renda de 100 milhões dos brasileiros mais pobres e de classe média, é responsabilidade de pessoas e de grupos. Elas têm que ser apontadas, indicadas e responsabilizadas”, disse.

“Eu estou tentando mostrar ao povo brasileiro que essa polarização odienta eu não ajudei a construir. Pelo contrário, eu estava lá em 2018, tentando advertir que as pessoas não podiam usar a promessa enganosa do Bolsonaro para repudiar a corrupção generalizada e o colapso econômico gravíssimo que foram produzidos pelo PT. Isso aconteceu no Brasil e, agora, está se tentando repetir uma espécie de 2018. Portanto, a gente tem que denunciar isso. Nós temos que ser duros, a corrupção é um flagelo no Brasil”, completou.

Renata Vasconcellos perguntou se o candidato reavaliava esse discurso “duro e, às vezes, até ofensivo” aos dois candidatos que têm a maioria das intenções de voto (79%). “Eu devo sempre reavaliar, eu faço esse esforço de humildade permanentemente. Minha tarefa é reconciliar o Brasil. O Brasil hoje tem metade da população passando fome. Eu tenho um programa de renda mínima (…). Para que eu viabilize isso, tenho que confrontar aqueles que mandaram no Brasil durante esses anos todos. Eu venho de uma tradição do Nordeste, onde a cultura política é ‘palavrosa’ digamos assim, e às vezes no Sul e no Sudeste as pessoas não entendem bem”, disse.

O projeto de Ciro prevê pagar R$ 1.000,00 às famílias mais pobres do país por mês, um benefício permanente que ele chamou de “novo modelo previdenciário”, substituindo todos os outros programas de transferência de renda existentes por um “direito previdenciário constitucional”.

“O que eu estou propondo é uma perna de um novo modelo previdenciário. Eu vou pegar o Benefício de Prestação Continuada, a aposentadoria rural de muitos brasileiros que ainda remanescem que não contribuíram no passado, o seguro desemprego, e pegar todos os programas de transferência [de renda], especialmente o novo Bolsa Família, que é o Auxílio Brasil, e transformá-los num direito previdenciário constitucional. Ou seja, ninguém mais vai depender de político A, de político B, como está acontecendo”, disse.

O custo do novo programa seria, segundo Ciro, de R$ 297 bilhões, que ele pretende pagar agregando um novo tributo sobre grandes fortunas no país. O imposto incidiria sobre fortunas de 58.000 brasileiros que têm patrimônio acima de R$ 20 milhões. “O que quer dizer que cada super-rico no Brasil vai ajudar a financiar com 50 centavos apenas de cada R$ 100 da sua fortuna a sobrevivência digna de 821 brasileiros abaixo da linha de pobreza.”

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Apoio do Congresso

Perguntado sobre como ele pretende formar maioria no Congresso para aprovar reformas, uma vez que sua candidatura ao Planalto não conseguiu formar alianças, Ciro respondeu que pretende “mudar o modelo econômico e o modelo de governança política”. Ele criticou o modelo conhecido como presidencialismo de coalizão.

“Este modelo é a certeza de uma crise eterna (…). Minha proposta é transformar minha eleição não em um voto pessoal, mas sim num plebiscito programático”, disse. Ele afirmou que, desde a redemocratização, os presidentes eleitos se aliaram a partidos que compunham o chamado Centrão, o que resultou em corrupção e ineficiência.

“Primeiro eu vou propor as ideias e não o ‘deixa que eu chuto’, que tem sido a característica do populismo brasileiro de direita e de esquerda. Propor nos três primeiros meses (…). Terceiro: negociar. É tradição no Brasil que o presidente eleito eleja junto com ele 10% do Congresso. Ampliar a negociação com governadores e prefeitos”, completou.

Modelo de Plebiscito

O candidato do PDT ao Planalto disse que pretende mudar o modelo político no país para plebiscitos programáticos, os quais, segundo ele, vão contornar a necessidade de o presidente se submeter totalmente a líderes do Congresso para governar.

“É um modelo, uma tentativa de libertar o Brasil de uma crise que corrompeu organicamente a Presidência da República. Transformou a Presidência da República em uma espécie de esconderijo do pacto de corrupção e fisiologia do Brasil”, disse Ciro.

Ao ser confrontado pela afirmação de que países autoritários e populistas, inclusive na América Latina, também usam sistema de plebiscito, Ciro disse que vai se inspirar em modelos que dão certo ao redor do mundo. “Olhando mais para a Europa e para os Estados Unidos do que para a Venezuela”, disse.

“Acho o regime da Venezuela abominável. É muito claro que repudio o populismo latino-americano. Acho lamentável. [O plebiscito] é uma tentativa de libertar o Brasil de uma crise que corrompeu organicamente a Presidência da República”, completou.

Lei Antiganância

Ciro afirmou que pretende criar uma Lei Antiganância, inspirada no modelo inglês. A regra determinaria que, se uma pessoa pagar, por causa dos juros, duas vezes o valor original da dívida, o débito será considerado liquidado. O candidato disse que isso reduzirá o endividamento das famílias, aumentando o poder de compra e investimento.

“Essa é polêmica”, disse o candidato, mantendo a tradição de trazer uma proposta polêmica relacionada ao endividamento em suas disputas ao Planalto. Em 2018, Ciro prometeu limpar o nome de 63 milhões de brasileiros que estavam, na época, nas listas de órgãos como SPC e Serasa.

“Eu quero colocar uma lei em vigor no Brasil que eu conheço da Inglaterra. Que é assim: todo mundo do crédito pessoal, do cartão de crédito, do cheque especial etc, ao pagar duas vezes a dívida que tem, fica quitado por lei essa coisa”, afirmou.

Sem reeleição

Perguntado sobre se a promessa de abrir mão da reeleição de fato facilitaria a negociação com o Congresso, Ciro disse que sim. Ele afirmou que a possibilidade de reeleição estimula a corrupção e a política de “toma lá, dá cá”.

“O que destruiu a governança política brasileira, nesse modelo que eu estou lhe falando, é a reeleição. O presidente se coloca infenso, com medo dos conflitos, porque quer agradar todo mundo para fazer a reeleição. O presidente se vende a esses grupos picaretas da política brasileira (…) porque tem medo de CPI e porque quer se reeleger”, afirmou o candidato do PDT.

William Bonner o perguntou se o fato de ele querer buscar um sucessor ao longo dos quatro anos de governo, na prática, não teria o mesmo efeito de buscar uma reeleição. “Sim e não. Mas a chave aqui é que naquela reeleição, o povo estará sendo induzido voluntariamente a votar no projeto que começou a produzir resultados positivos. É o que eu sonho para o Brasil O país estar bombando, crescendo 5% ao ano”, disse.

Meio ambiente

Perguntado sobre o compromisso do Brasil em acabar o desmatamento ilegal até 2028, Ciro disse que vai focar no enforcement, ou “fazer a lei pegar”, mas que só isso não é suficiente. “Primeiro, é preciso entender que o Brasil perdeu o senhorio sobre seu território. Nós mandamos basicamente 40 milhões de brasileiros, que emigraram do sul do Nordeste para a Amazônia. E sabe qual era a condição que o Incra impunha a quem ia produzir e trabalhar lá? Mostrar que desmatou. Se ele não mostrasse que tinha desmatado, o Incra não dava o papel da terra”, disse.

“De repente, no período de meia geração, isso vira crime hediondo. Os nossos irmãos de lá não entendem. Nós não podemos imaginar que só repressão resolve. Nós temos que fazer primeiro uma base de desenvolvimento sustentável (…) com zoneamento econômico ecológico. Estabelecer no mapa, com georeferenciamento por satélite, aqui pode, aqui não pode. Pega as unidades de conservação, as terras indígenas, os biomas mais sensíveis (…). A partir disso, temos que fazer um grande esforço de retreinamento e diversificação da atividade produtiva”, completou.

“Nosso povo só sabe desmatar. Pega madeira de lei sensível, corta de ganha US$ 2.000,00 por metro cúbico. Dois metros cúbicos de mogno. Ele não entende como é que ele vai passar fome, com o filho dele com fome, tendo que ir embora com aquela árvore ali podendo dar US$ 2.000,00 com o contrabando”, completou. Ele também disse que ao mesmo tempo a fiscalização de quem realmente faz coisa errada na Amazônia vai ser intensa. “A algema vai voltar a funcionar no primeiro dia do meu governo. Disso ninguém duvide.”

Saneamento básico

Ciro disse que o marco legal do saneamento, sancionado em 2020, que permitiu a privatização do serviço, foi um “avanço”, mas há preocupações em relação à regulação. “Se eu privatizo, a lógica da privatização é o lucro. Ou eu tenho uma regulação forte. Essa é a razão pela qual nós [referindo-se ao seu partido, o PDT] desconfiamos do marco que foi votado. Eu considero um avanço, mas nossa preocupação é que não está nesse marco o cuidado com isso”, disse.

O candidato afirmou que o saneamento é dever do Estado, mas que ele pode delegar à iniciativa privada para fazê-lo de forma mais eficiente. “A minha compreensão é de que a responsabilidade é pública, é estatal, mas a execução desse objetivo de universalizar o saneamento básico e o abastecimento de água deve ser delegado a quem for mais eficiente em fazer”, afirmou Ciro.

“É preciso que a responsabilidade por garantir a harmonia do sistema de saneamento e abastecimento de água seja do Estado. Mas a execução disso, o Estado pode perfeitamente delegar se for possível”, completou o candidato do PDT ao Planalto.

Federalização da segurança

Indagado sobre como o projeto de federalização da segurança pública acabaria com a conivência policial com o crime, Ciro disse que a proposta prevê a “federalização de algumas figuras penais”. “O policial é um trabalhador cuja família mora na periferia. Se ele não acertar algum pacto de sobrevivência dele e da sua família naquela circunstância dominada pelo terrorismo da facção criminosa, é muito improvável que ele consiga sobreviver”, afirmou.

“Portanto, é preciso que isso seja feito de fora para dentro, via governo federal, a partir de uma outra ferramentaria: inteligência, tecnologia e aparto. Dá vontade até de falar baixo, mas o Brasil tem 11.600 policiais apenas. Um terço de um porcento do orçamento é o que é aplicado pelo governo federal em segurança pública”, completou Ciro.

“Com algoritmos, grandes policiais estão me ajudando, você pode antecipar manchas de crime e chegar antes. Chegam a dizer sofisticadamente a hora e o local onde provavelmente acontecerão assaltos e homicídios. E o Brasil não usa essa ferramentaria.”

Agenda

Ciro Gomes foi o segundo presidenciável entrevistado pelo Jornal Nacional nesta semana. Ontem, Jair Bolsonaro (PL) foi sabatinado, e falou que respeitará resultado das urnas, “desde que eleições sejam limpas e transparentes”.

Na agenda, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será entrevistado na quinta-feira (25), e Simone Tebet (MDB), na sexta-feira (26). A ordem das entrevistas foi definida por sorteio.

Conheça a trajetória dos candidatos à Presidência:

Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.