Em derrota para Lula, oposição assume comissões centrais da Câmara: o que esperar?

Aliados de Bolsonaro comandarão colegiados mais cobiçados e poderão ser pedra no sapato para o governo, mas analistas mantêm otimismo com agenda econômica

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

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Um mês após a retomada dos trabalhos legislativos, a Câmara dos Deputados finalmente começou a instalar as comissões temáticas na última quarta-feira (6). A distribuição das posições entre os partidos foi definida após acordo entre os líderes e também segue a lógica da proporcionalidade das bancadas.

Em 19 dos 30 colegiados permanentes, os presidentes já foram eleitos para comandar os trabalhos pelo período de um ano. O cargo é central para a organização das atividades das comissões, definição de procedimentos e, principalmente, a definição da pauta de votação. Vale lembrar que, em muitos casos, projetos são votados em caráter terminativo nesses colegiados, sem sequer passarem pelo plenário. A tramitação nas comissões é também etapa fundamental para o aprofundamento de discussões técnicas sobre matérias específicas em análise pelo Poder Legislativo.

Apesar de sair do processo como sigla com o comando do maior número de comissões e garantir controle relevante sobre emendas neste ano, o Partido dos Trabalhadores (PT), legenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sofreu derrotas importantes ao ver figuras próximas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no comando de colegiados estratégicos.

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O Partido Liberal (PL), por ser a maior bancada da Câmara dos Deputados, conseguiu ficar com a cobiçada Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) − porta de entrada de quase todas as proposições que tramitam no parlamento. O colegiado será comandado pela deputada Caroline de Toni (PL-SC).

Além da CCJC, a sigla de Bolsonaro comandará a Comissão de Educação, com Nikolas Ferreira (PL-MG); a Comissão do Esporte, com Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP); a Comissão de Segurança Pública, com Alberto Fraga (PL-DF); e a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, com Pastor Eurico (PL-PE).

Já a federação formada por PT, PCdoB e PV ficará com as presidências da Comissão de Saúde (colegiado campeão no volume de emendas de comissão no Orçamento, R$ 4,5 bilhões), com Dr. Francisco (PT-PI); da Comissão Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, com Daiana Santos (PCdoB-RS); e da Comissão de Cultura, com Aliel Machado (PV-PR). Além de outros 5 colegiados, que ainda não tiveram os nomes escolhidos: Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (segunda pasta mais cobiçada, por ser a única que pode convocar ministros de todas as áreas), da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais.

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Veja a lista abaixo das comissões com presidentes já escolhidos:

ComissãoPresidentePartidoUF
Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento RuralVicentinho JúniorPPTO
Comissão de Constituição e Justiça e de CidadaniaCaroline de ToniPLSC
Comissão de CulturaAliel MachadoPVPR
Comissão de Defesa do ConsumidorFabio SchiochetUnião BrasilSC
Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa IdosaPedro AiharaPRDMG
Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com DeficiênciaWeliton PradoSolidariedadeMG
Comissão de Desenvolvimento EconômicoDanilo ForteUnião BrasilCE
Comissão de EducaçãoNikolas FerreiraPLMG
Comissão de Finanças e TributaçãoMário Negromonte Jr.PPBA
Comissão de Indústria, Comércio e ServiçosJosenildoPDTAP
Comissão de Legislação ParticipativaGlauber BragaPSOLRJ
Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e FamíliaPastor EuricoPLPE
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalLucas RedeckerPSDBRS
Comissão de SaúdeDr. FranciscoPTPI
Comissão de Segurança PúblicaAlberto FragaPLDF
Comissão de TrabalhoLucas RamosPSBPE
Comissão de Viação e TransportesGilberto AbramoRepublicanosMG
Comissão Direitos Humanos, Minorias e Igualdade RacialDaiana SantosPCdoBRS
Comissão do EsporteAntonio Carlos RodriguesPLSP
Fonte: Câmara dos Deputados

Impactos na agenda do governo

Na avaliação de analistas políticos consultados pelo InfoMoney, embora a entrega da presidência da CCJC ao PL já fosse assunto acordado na eleição de Arthur Lira (PP-AL), que formou uma poderosa aliança em torno de sua candidatura ao comando da casa legislativa em 2023, a escolha de Caroline de Toni pelo partido para o colegiado (e a anuência do “centrão”) expõe uma pedra no sapato do governo.

Para os especialistas, a parlamentar aliada de Bolsonaro pode lançar mão de suas prerrogativas como presidente da CCJC para inverter pauta do colegiado, atrasar a tramitação de algumas matérias de interesse do governo e gerar instabilidade, mas os efeitos gerais sobre o êxito da agenda do Palácio do Planalto podem ser limitados − sobretudo no caso da pauta defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

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“Foi uma derrota para o governo”, resume o analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice. Para ele, o desfecho resume a correlação de forças na Câmara, onde o Poder Executivo precisa administrar uma governabilidade instável, que exigirá negociações permanentes. A isso se soma a perda de popularidade de Lula, que poderá elevar o custo por apoio à atual administração. “A redução de popularidade tem um efeito dentro do Congresso, onde já há correlação de forças mais adversa ao governo, e serve de incentivo para o ‘centrão’ mandar recados”, diz o especialista.

“Não foi um dia bom para o governo no Congresso”, concorda Mário Sérgio Lima, analista de política e macroeconomia para o Brasil da consultoria Medley Global Advisors. “[O resultado] Mais do que nunca, mostra que o que há é um governo que não tem uma base para chamar de sua. Ele precisa de votação a votação consolidar essa base. O ‘centrão’, sabendo disso, vai querer manter suas prerrogativas e Arthur Lira também, que é garantir que o governo apoie seu sucessor”, pontua.

Já a eleição de Nikolas Ferreira para a presidência da Comissão de Educação oferece desafios ao governo mais relacionados à agenda que poderá avançar no colegiado e exigir foco dos articuladores políticos do Palácio do Planalto − principalmente em possíveis pautas que tramitem no colegiado em caráter terminativo.

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“Definitivamente, mais do que o número de comissões que ficaram com o PL, [o problema para o governo] são as pessoas que foram indicadas, que foi evidentemente para criar esse tipo de constrangimento. E mostra claramente que o governo nunca vai poder contar 100% com o ‘centrão’, que podia entrar para poder fazer um meio-campo e evitar esse tipo de situação”, avalia Lima.

Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria Integrada, a correlação de forças mais adversa para o governo nas comissões permanentes da Câmara tende a fortalecer Lira − que tenta garantir controle sobre a definição de seu sucessor em 2025. O especialista destaca uma tendência observada de centralização de agenda por Lira nas últimas legislaturas, que favorece a tramitação de matérias no plenário em detrimento às comissões. No ano passado, diversas pautas de interesse do governo tiveram rito diferenciado de tramitação, seja por requerimento de urgência, seja por apensamentos e acordos que levaram os assuntos rapidamente ao plenário.

“É óbvio que [a nova configuração das comissões] é uma dificuldade potencial para o governo, mas não atrapalha tanto assim. A CCJ é a comissão pela qual passam todos os projetos, com exceção dos que tramitam em regime de urgência. Esses vão direto ao plenário. E os principais projetos de interesse do governo têm essa característica: reoneração da folha, Perse”, destaca Ricardo Ribeiro, analista da Ponteio Política.

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Apesar do ambiente mais hostil, os analistas políticos consultados vislumbram certa “blindagem” de parte da agenda econômica defendida pelo Executivo. Para Ribeiro, a regulamentação da reforma tributária, por exemplo, tem um “peso por si” − o que poderia evitar “manobras protelatórias” quando os projetos de lei complementar já estiverem tramitando na Câmara. “A perspectiva para a agenda do governo no Congresso é boa. No mínimo tão boa como 2023, no caso da pauta econômica”, aposta.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.