Parlamentares querem usar reforma tributária para pressionar Lula por administrativa

Segundo deputado, conjunto de 13 projetos apresentados por coalizão de frentes parlamentares pode forçar governo a discutir despesas com funcionalismo público

Marcos Mortari

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A discussão sobre a regulamentação da reforma tributária, que deverá ganhar tração no Congresso Nacional após o envio de projeto de lei complementar (PLP 68/2024) pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), poderá forçar o Poder Executivo a ingressar em um debate fiscal mais amplo, envolvendo o tamanho do Estado e o volume de despesas com alto peso sobre o Orçamento Federal, como o funcionalismo público.

É o que apostam integrantes da coalizão de 24 frentes parlamentares que se mobilizaram para discutir o novo sistema de cobrança de impostos sobre o consumo, segundo relatou o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) em entrevista concedida ao InfoMoney em seu escritório, em São Paulo, na semana passada.

O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) discursa da tribuna no plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

O parlamentar, que é vice-líder da oposição e coordena a Frente Parlamentar Mista pelo Livre Mercado (FPLM), acredita que o movimento de aglutinação das bancadas temáticas para discutir a reforma tributária é inédito na história do Poder Legislativo e poderá marcar uma nova forma de atuação e organização de deputados e senadores. “Está dando certo. Acho que a tendência é de as frentes se reforçarem. Pode até haver a consolidação de algumas frentes”, disse.

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“O debate parlamentar vai ser predominante ao do Executivo. Essa não é a primeira vez. A reforma da Previdência já foi assim. Povo na rua e o parlamento reagindo. O Executivo praticamente não teve função nenhuma. A mesma coisa está acontecendo agora, mas via frentes [parlamentares]“, complementou. Para ele, os episódios recentes mostram que o debate técnico sobre assuntos econômicos pode ser travado em nível parlamentar. “Esse é o grande rompimento”, sustentou.

Desde o início do ano, 24 frentes que reúnem 565 parlamentares, se organizaram para discutir os detalhes da reforma tributária dos impostos sobre o consumo. Elas espelharam a divisão dos trabalhos em grupos técnicos, feita pelo Ministério da Fazenda para a a elaboração dos projetos do Poder Executivo, com o objetivo de promover um debate técnico aprofundado sobre os principais pontos do novo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), ouvindo diversos setores econômicos e atores interessados no assunto.

O resultado foi a apresentação de um conjunto de 13 projetos de lei complementares, que abordam desde o funcionamento dos dois novos tributos − a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em nível nacional, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em nível subnacional −, passando pelas regras de incidência do Imposto Seletivo (IS), a lista de bens e serviços sujeitos a alíquotas diferenciadas (como a isenção, no caso da Cesta Básica Nacional), até os regimes especiais para setores específicos da economia.

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Veja um resumo das propostas e o estágio de tramitação de cada uma:

ProposiçãoAutorResumoStatus
PLP 29/2024Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)Definição de regras para a aplicação do Imposto SeletivoEncaminhamento do texto à Comissão Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). O texto também precisará passar pelas comissões da Indústria, Comércio e Serviços; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania; e ser analisada pelo plenário.
PLP 33/2024General Pazuello (PL-RJ)Dispõe sobre reequilíbrio de contratos de longo prazo, em razão das novas regras para o sistema tributárioEncaminhamento do texto à Comissão de Finanças e Tributação (CFT). O texto também precisará passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e ser analisado pelo plenário.
PLP 35/2024Pedro Lupion (PP-PR)Dispõe sobre os produtos da Cesta Básica NacionalEncaminhamento do texto à Comissão de Finanças e Tributação (CFT), onde já foi designado relator o deputado Sergio Souza (MDB-PR). O texto também precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e ser analisado pelo plenário.
PLP 43/2024Alceu Moreira (MDB-RS)Dispõe sobre dois regimes especiais previstos na Emenda Constitucional: combustíveis e lubrificantesEncaminhamento do texto à Viação e Transportes (CVT). O texto também precisará passar pelas comissões de Minas e Energia; Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania; e ser analisada pelo plenário.
PLP 47/2024Capitão Alberto Neto (PL-AM)Trata do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas (FUNDSAM) e do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá, previstos na Emenda ConstitucionalEncaminhamento do texto à Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. O texto também precisará passar pelas comissões de Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania; e ser analisada pelo plenário.
PLP 48/2024Joaquim Passarinho (PL-PA)Regula e define a tributação diferenciada mencionada na Emenda Constitucional, com alíquotas reduzidas em 100%, 60% e 30%Aguardando despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
PLP 49/2024Bia Kicis (PL-DF)Trata dos princípios da neutralidade e não cumulatividade previstos na Emenda ConstitucionalAguardando despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
PLP 50/2024Joaquim Passarinho (PL-PA)Dispõe sobre o desenho para a incidência do IBS e da CBS e as normas para a definição de alíquota padrãoAguardando despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
PLP 51/2024Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)Dispõe sobre medidas para assegurar o diferencial competitivo da Zona Franca de Manaus (ZFM)Encaminhamento do texto à Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. O texto também precisará passar pelas comissões de Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania; e ser analisada pelo plenário.
PLP 52/2024Adriana Ventura (Novo-SP)Trata de um dos regimes especiais previstos na Emenda Constitucional, voltado aos serviços financeiros e planos de assistência à saúdeAguardando despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
PLP 53/2024Dr. Fernando Máximo (União Brasil-RO)Dispõe sobre o regime especial em zonas de exportação e importaçãoAguardando despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
PLP 55/2024Dr. Victor Linhalis (Podemos-ES)Trata de um dos regimes especiais previstos na Emenda Constitucional, relacionado à tributação de bens imóveisAguardando despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
PLP 58/2024Felipe Francischini (União Brasil-PR)Dispõe sobre regimes especiais já previstos na Emenda Constitucional, como sociedades cooperativas, serviços de hospitalidade e lazer, serviços de alimentação fora do lar, transporte coletivo de passageiros, aviação regional, operações internacionais, revenda de veículos e bens usados, atividades de Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) e microcontribuintesAguardando despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Fonte: Câmara dos Deputados

Leia também: Congresso antecipa governo e já tem 13 projetos para regulamentar reforma tributária

Para Orleans e Bragança, o movimento da coalizão de frentes parlamentares é uma resposta dos parlamentares e dos próprios segmentos econômicos ao que ele classifica como aprovação atabalhoada da Emenda Constitucional que instituiu a reforma tributária no ano passado. “O que estamos vendo é a consequência de uma omissão gravíssima que ocorreu na aprovação da reforma tributária, que foi um movimento exclusivamente político e midiático. Não houve debate técnico. Não houve nenhuma análise técnica de impacto em nenhum setor”, criticou.

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“Quando [a Emenda Constitucional] foi aprovada, os próprios deputados que votaram a favor não sabiam o que eles estavam votando. E muitos deles agora estão nos grupos de trabalho [organizados pelas frentes parlamentares]“, disse.

O deputado acredita que, se os 13 projetos apresentados pela coalizão de frentes parlamentares fossem integralmente acatados pelo Congresso Nacional, haveria uma redução da carga tributária no país.

Isso, segundo ele, forçaria o governo federal a ter que rever despesas e discutir uma reforma administrativa − bandeira há tempos levantada por parlamentares, incluindo o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que já defendeu publicamente Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020) sobre o tema. Apesar de no curto prazo a mudança produzir efeitos mínimos para as contas públicas (por não mexer em direitos adquiridos), a avaliação é que o texto poderia dar sinalizações positivas para o futuro em relação à saúde fiscal do País.

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Na lista das 13 proposições apresentadas pelas frentes parlamentares para a regulamentação da reforma tributária, poderiam gerar frustração de receitas o desenho mais estreito do que o apresentado pelo Ministério da Fazenda para o Imposto Seletivo (incidentes sobre produtos que gerem prejuízos à saúde ou ao meio ambiente) e a Cesta Básica mais ampla do que a defendida pelo governo, com mais produtos isentos da cobrança dos dois novos tributos.

“Se as leis complementares [apresentadas pelas frentes parlamentares] forem integralmente aceitas, passarem como estão, o governo vai ter que fazer uma reforma administrativa. Ele vai ter que rever meta fiscal e começar a fazer o dever de casa”, disse o parlamentar, que é aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A coalizão de frentes parlamentares, porém, ainda não divulgou estudos sobre os impactos gerais ou setoriais do conjunto das propostas apresentadas até o momento.

“Nas leis complementares, nós desoneramos setores importantes e ao mesmo tempo mitigamos os efeitos negativos, arrecadatórios, do sistema que eles querem implementar. Se a gente vencer, o governo vai ter que fazer o dever de casa. Se o governo vencer, o Brasil vai se ferrar. Não há nenhum setor que vai sair ganhando”, pontuou Bragança.

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Na avaliação do parlamentar, alguns dos principais setores da economia, como agricultura, serviços e comércio seriam fortemente prejudicados pela mudança do sistema tributário previsto na Emenda Constitucional (e agora detalhado pelo primeiro projeto de lei complementar apresentado pelo governo). Para ele, os dois últimos, mais intensivos em mão de obra, seriam os segmentos mais ameaçados. Mesmo na indústria, defensora da reforma tributária aprovada, o deputado vê riscos.

“Quando você pega todos os setores da economia, não tem nenhum vencedor. Todos perdem. Todos estão reclamando. Por isso que as frentes parlamentares estão com muita força”, disse. “Então quem está ganhando do setor produtivo? Uma pequena parcela das grandes indústrias. E as pequenas e médias indústrias? Elas perdem. Elas vão aumentar a complexidade, muitas não vão conseguir os créditos e vai ser um período de implementação que vai arrasar quarteirão.”

Confrontado pelo discurso de que a reforma tributária pode equilibrar a tributação entre os setores industrial e de serviços (já que atualmente a carga cobrada sobre o primeiro é muito superior à paga pelo segundo grupo), o parlamentar rebate: “Não é assim. É o quanto cada setor suporta [de imposto]. E se a indústria só suportasse 1% de imposto, você ia acabar com ela mesmo assim impondo uma alíquota homogênea de 15%/20%? É preciso fazer de baixo para cima.”

Apesar de a própria Emenda Constitucional da reforma tributária estabelecer um teto de arrecadação em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e determinar que eventuais receitas adicionais em reforma sobre a tributação da renda sejam usadas como fonte de compensação para redução da cobrança sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços, Orleans e Bragança acredita que haverá aumento de carga se o governo federal for exitoso na aprovação de seus projetos.

“O intento do governo é arrecadação”, disse. “Eles estão regulamentando áreas que não eram tributadas antes (caso de apostas esportivas). Isso é aumento de arrecadação, não necessariamente aumento de alíquota de um setor.” Para ele, agora que a EC foi promulgada, o trabalho dos parlamentares deve ser de “redução de danos”.

“Eu sou completamente contra a reforma tributária tal qual ela foi colocada. Mas estou aqui para diminuir dano. E acho que os outros parlamentares estão na mesma função. Entendem muito bem que o rolo compressor passou. Agora é tentar resgatar aquilo que dá para resgatar e tentar mitigar os efeitos futuros para estancar o rolo compressor adiante”, afirmou.

Para passarem a valer, as novas regras de regulamentação da reforma tributária precisam ser aprovadas nas duas casas legislativas. Por serem projetos de lei complementares, os textos dependem do apoio da maioria absoluta da Câmara dos Deputados (ou seja, 257 dos 513 votos) e do Senado Federal (ou seja, 41 dos 81 votos disponíveis).

A expectativa de integrantes do governo federal e dos presidentes das casas do Congresso Nacional é de que as discussões sejam concluídas ainda em 2024, apesar do calendário apertado por conta das eleições municipais.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.