Congresso adota fast track e ritos extraordinários em resposta ao novo coronavírus

Com as duas casas em atividades remotas, os parlamentares têm adotado procedimentos para acelerar o andamento de matérias relacionadas ao combate à doença

Marcos Mortari

Senado Federal realiza reunião de líderes remota para definir pauta de votações da semana (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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SÃO PAULO – Diante das necessidades de medidas urgentes em resposta à crise provocada pelo novo coronavírus, tanto do ponto de vista de saúde pública quanto no aspecto econômico, o Congresso Nacional tem trabalhado com uma espécie de fast track para determinadas proposições com tramitação complexa.

Com as duas casas em atividades remotas, os parlamentares têm adotado procedimentos para acelerar o andamento de matérias relacionadas ao combate à doença – projetos de lei, Medidas Provisórias ou até mesmo Propostas de Emenda à Constituição. A despeito das limitações geradas pelas votações por meio eletrônico, a ideia é avançar com iniciativas circunscritas à crise e que encontrem maior consenso entre as bancadas.

O movimento se iniciou há três semanas, com a aprovação, em tempo recorde, do decreto encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pedindo aos congressistas o reconhecimento de calamidade pública – o que na prática permitiu o governo a descumprir a meta fiscal do ano, estabelecida em um déficit de R$ 124,1 bilhões.

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Bolsonaro encaminhou o decreto ao parlamento na manhã de 18 de março. No mesmo dia, o texto já havia sido aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados. Dois dias depois, passou pelo crivo do plenário do Senado Federal.

Os parlamentares também assumiram a dianteira na proteção de um dos grupos mais vulneráveis nessa crise, ao aprovarem a concessão de auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais de baixa renda. O projeto de lei votado pelas duas casas também estabelece que mães que são chefe de família (família monoparental) têm direito ao recebimento de duas cotas do auxílio: R$ 1.200,00.

Mas com os crescentes desafios impostos pela conjuntura, surgiu a necessidade de ajustes nos ritos de Medidas Provisórias (MPVs) e Propostas de Emenda à Constituição (PECs), tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.

Os dois instrumentos serão importantes na crise atual, seja para dar celeridade à execução de iniciativas, seja para alterar dispositivos constitucionais, ainda que de forma temporária. Mas ambos sofrem dificuldades em meio às mudanças nos trabalhos das duas casas provocadas pela pandemia da Covid-19.

Com os trabalhos suspensos nas comissões, novas MPVs e PECs não conseguiriam avançar nas casas legislativas se mudanças procedimentais não forem adotadas. Seria o caso da proposta de suspensão temporária de contratos de trabalho e antecipação do acesso ao seguro-desemprego (ainda não apresentada pelo governo) e da chamada PEC do “orçamento de guerra” (em discussão entre os deputados).

No caso das Medidas Provisórias, já há maior clareza sobre os ajustes procedimentais. Este tipo de proposição é apresentado exclusivamente pelo Poder Executivo, entra em vigor imediatamente após sua publicação e precisa ser aprovado pelo parlamento em até 120 dias para manter validade.

Antes da crise, as MPVs precisavam tramitar em comissão mista, formada por deputados e senadores, e depois serem aprovadas nos plenários das duas casas legislativas. Mas, na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de liminar expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, autorizou uma flexibilização do rito, permitindo votação direta nos plenários. O prazo de validade para matéria ser apreciada, porém, foi mantido.

Já no caso das PECs, como é o caso do “orçamento de guerra”, ainda não se sabe qual será o caminho adotado. Este tipo de proposição é conhecido por ter um rito mais longo e rigoroso em sua tramitação, já que altera mecanismos na Constituição Federal. Mas, ao contrário das MPVs, não têm a tramitação nas duas casas detalhada pela Carta Magna, mas sim nos regimentos internos.

Na Câmara dos Deputados, as PECs precisam passar inicialmente por avaliação de constitucionalidade na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), para depois seguirem para deliberação em comissão especial. O passo seguinte é o plenário, onde é necessária aprovação por 3/5 dos deputados em dois turnos de votação.

No Senado Federal, este tipo de proposta passa por avaliação de admissibilidade e mérito na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), para depois seguir para deliberação em plenário, também com dois turnos de votação e apoio mínimo de 3/5 em cada.

Para técnicos, ainda não está claro qual tende a ser o caminho usado pelos deputados para manter a tramitação de PECs, ainda que de forma restrita às propostas relacionadas com o tema do novo coronavírus.

Na avaliação de alguns especialistas, há dois caminhos tidos como mais prováveis – e que não são garantia de que não haverá judicialização no futuro, o que aumenta a necessidade de uma costura política ampla e que contemple os pontos de vista de uma grande maioria de forças.

Um deles seria o de novas PECs “pegarem carona” em propostas que já tramitaram nas comissões e estão prontas para serem deliberadas em plenário, desde que com aproximação temática. Este recurso já foi explorado pelos deputados em outras circunstâncias.

O movimento não alteraria as regras de tramitação deste tipo de proposição e gera dúvidas sobre como seria o encaminhamento na outra casa legislativa pendente. Outra dúvida é se haveria hoje alguma PEC disponível para votação em plenário com alguma semelhança temática com a proposta do orçamento de guerra e outras que estariam nos planos dos parlamentares nos atuais tempos de crise.

Outra possibilidade seria discutir uma alteração nos regimentos internos. Neste caso, seria preciso um movimento coordenado entre as duas casas para que ambas aprovem modificações que garantam que as PECs possam avançar ainda que com a realidade de votações remotas e deliberações em comissões prejudicadas.

Parlamentares chamam atenção para a necessidade de se construir um entendimento entre os líderes para que o novo rito funcione. Neste caso, bastaria um ato da mesa diretora ou projetos de resolução para alterar de forma temporária a tramitação dos textos. A ideia é que PECs tenham um rito similar ao que foi estabelecido para as MPVs, respeitando os dois turnos de votação e um prazo para congressistas apresentarem emendas próprias.

De qualquer forma, a tendência é que matérias consideradas mais polêmicas fiquem para um segundo momento enquanto respostas consensuais ao novo coronavírus devem avançar com mais celeridade.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.