Centrão, evangélicos e eleições de 2026: o que esperar da reforma ministerial de Lula

Pressionado, Lula tenta amarrar apoios e enfraquecer possíveis adversários, mas pode esbarrar na resistência do PT em ceder espaços

Fábio Matos

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Às vésperas de completar dois anos de governo, metade de seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) despista quando questionado publicamente sobre uma reforma ministerial, mas sabe que tem um encontro marcado com o tema – que serviria para reorganizar a correlação de forças na atual administração e esboçar o novo xadrez político para as eleições de 2026.

Nos corredores do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, a dúvida não é mais se haverá mudanças no primeiro escalão da Esplanada dos Ministérios, mas quando elas ocorrerão e qual será sua magnitude – se a reforma será mais “cosmética” e pontual ou se o presidente optará por modificações mais abrangentes.

A tendência é a de que Lula espere as eleições para as Mesas Diretoras na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, no início de fevereiro de 2025, para bater o martelo sobre o novo desenho de seu governo – embora o mundo político veja espaço cada vez mais reduzido para surpresas nessas disputas.

Mais poder ao “centrão”

Uma das principais variáveis que devem ser levadas em consideração por Lula é a necessidade de uma maior representação dos partidos do chamado “centrão”, especialmente os vitoriosos nas eleições municipais deste ano. A partir de janeiro, o PSD, comandado pelo ex-prefeito de São Paulo (SP) e ex-ministro Gilberto Kassab, administrará 887 prefeituras em todo o País. Na sequência, vêm MDB e PP, respectivamente com 856 e 747 municípios sob sua administração. Com os resultados do último pleito, 3.506 das 5.569 cidades brasileiras serão governadas por PSD, MDB, PP, União Brasil ou Republicanos, os principais representantes do “centrão”. 

“Se o governo optar pelo pragmatismo, o presidente deve pensar em uma ampliação de espaços desse conjunto de partidos, principalmente o MDB, o PSD, o PP e o União Brasil, que cresceram bastante no pleito municipal”, afirma Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice. “Serão partidos fundamentais para a construção de alianças visando a 2026, seja por parte do governo ou da oposição. Quanto mais próximo o governo estiver desses partidos, mais condições ele terá de abrir um diálogo melhor para a construção de um arco de alianças mais ao centro”, avalia.

Para o cientista político Cláudio Couto, professor na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), o resultado das eleições municipais não é o fator preponderante para a provável ampliação do espaço do “centrão” no governo Lula. “Os partidos vitoriosos nas eleições municipais foram os mesmos que já haviam vencido a eleição anterior e que obtiveram maioria no Congresso. Eles serão contemplados não porque ganharam a eleição, mas porque são grandes mesmo. E o governo precisa, para ter mais apoio no Congresso Nacional, dar mais espaço para esses partidos”, aponta.

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Atualmente, PSD, MDB e União Brasil ocupam três ministérios cada um, enquanto PP e Republicanos têm uma pasta sob seu comando. O PSD conta com os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia), Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária) e André de Paula (Pesca e Aquicultura); o MDB é representado por Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), Jader Filho (Cidades) e Renan Filho (Transportes); o União Brasil tem Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional), Celso Sabino (Turismo) e Juscelino Filho (Comunicações). 

Em setembro do ano passado, Lula incluiu PP e Republicanos em seu primeiro escalão, entregando o Ministério do Esporte a André Fufuca (PP-MA) e a pasta de Portos e Aeroportos a Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). O governo Lula tem 39 ministérios.

Sérgio Praça, cientista político e professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC), não acredita em uma reforma ministerial tão profunda, com os partidos do “centrão” abocanhando pastas muito maiores do que aquelas que já comandam. 

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“Acho pouco provável uma reforma ministerial que mude vários ministros. Partidos como PSD, MDB e União Brasil já têm um espaço no governo. É claro que eles querem mais, mas vejo muita resistência do PT e do próprio Lula para fazer isso. Embora o governo tenha tantos ministérios, as pastas com maiores orçamentos já estão ocupadas e sem muita perspectiva de mudança”, afirma.

Praça observa que “os ministérios, hoje, têm menos recursos e uma importância menor do que tinham há 10 ou 15 anos”. “E, se você nomeia mais de 35 ministros, a importância relativa deles também diminui bastante. Ser um ministro entre 35 é diferente do que ser um ministro entre 15 ou 20”, diz o analista. “Somando isso ao fato de que os recursos discricionários estão cada vez menores e as emendas orçamentárias pegaram muito desse espaço, ter um ministério hoje é menos relevante do que já foi. Mas o fato é que todos os partidos sempre vão querer mais, nunca vão dizer que estão satisfeitos.”

Avaliação semelhante tem Cláudio Couto, que também não espera grande mudança de configuração “do ponto de vista partidário”. “Pode haver certa mudança de nomes e de onde se alocarão os membros dos partidos que têm alguma relação com o governo”, diz. 

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Com o peso cada vez maior das emendas parlamentares, o que levou ao empoderamento do Poder Legislativo sobre o Executivo nos últimos anos, o tradicional loteamento de ministérios pelo governo federal – presente em todos os governos pós-redemocratização, incluindo os dois mandatos anteriores de Lula – já não tem a mesma importância de outrora. 

“Os partidos que normalmente aderiram aos governos, no presidencialismo de coalizão, são os chamados partidos de adesão. A lógica deles é a de, havendo um governo, aderir a ele, independentemente de questões programáticas maiores e, em contrapartida, obter acesso a recursos públicos. Era essa a dinâmica”, explica Couto. 

“Com o Congresso muito mais empoderado, essa barganha deixou de ser possível porque o governo não tem mais controle sobre esses recursos, não tem mais como contingenciar a execução das emendas orçamentárias dos parlamentares, tanto as individuais como as de bancada. Como ele não tem mais como fazer essa negociação, acaba perdendo um elemento de pressão sobre os legisladores, que ficam mais autônomos e podem ter menos razões para aderir aos governos”, conclui. 

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Resistência do PT

Outro desafio importante que se avizinha para o governo é a possível resistência do PT a ceder aos partidos do “centrão” espaços estratégicos ocupados atualmente pela legenda. Em 2022, Lula se elegeu sob o lema da “frente ampla” contra o então presidente Jair Bolsonaro (PL), unindo lideranças políticas da esquerda ao centro, até mesmo da centro-direita.

Apesar de contar com ampla representatividade partidária no primeiro escalão, Lula reservou ao PT e aliados alguns dos ministérios mais cobiçados da Esplanada. Hoje, a legenda comanda as pastas da Fazenda (Fernando Haddad), Casa Civil (Rui Costa), Educação (Camilo Santana), Relações Institucionais (Alexandre Padilha), Trabalho e Emprego (Luiz Marinho), Desenvolvimento Agrário (Paulo Teixeira), Desenvolvimento Social (Wellington Dias), Secretaria-Geral da Presidência (Márcio Macêdo), Mulheres (Cida Gonçalves) e Direitos Humanos e Cidadania (Macaé Evaristo). São dez dos 39 ministérios, praticamente 25% do governo. 

“Uma questão importante é sabermos como Lula vai gerenciar uma eventual redução de espaços do PT no governo. O partido do presidente, hoje, ocupa um número muito grande de pastas e controla ministérios com poder político e financeiro muito elevado. É bem provável que haja resistência a essa ampliação ao centro, em detrimento dos espaços que o PT detém na Esplanada”, diz Carlos Eduardo Borenstein. 

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“Hoje, temos um peso nos ministérios do PT muito maior do que a sua força congressual e muito maior do que a força eleitoral não de Lula, mas do PT. Se o presidente Lula está pensando na construção de uma frente ampla que vá além do discurso, essa é uma dura discussão que o PT terá de fazer internamente. Tem que ver se o PT estará disposto a ceder espaços em nome do projeto Lula em 2026”, prossegue.

“Lula se elegeu, em 2022, com uma narrativa de frente ampla. De fato, uma série de atores ao centro o apoiaram contra Bolsonaro. Mas, quando olhamos para o governo e as ações do Lula, ainda não enxergamos essa frente ampla. Ele tem um conjunto de partidos que ocupam pastas, mas é um governo que hoje está mais à esquerda do que os governos anteriores do próprio Lula”, complementa.

Amarrando apoios para 2026

Embora não admita publicamente, ninguém no PT e no governo cogita a hipótese de Lula não se candidatar à reeleição em 2026. Se estiver bem de saúde, o presidente da República será compelido a mais uma disputa, diante da falta de alternativas competitivas à esquerda e da força eleitoral demonstrada pelo campo conservador. 

Nesse sentido, afirmam os analistas, a reforma ministerial de Lula também deve servir como uma tentativa de atração de alguns partidos que, hoje, apesar de manterem um pé na canoa governista, orbitam em torno de projetos políticos liderados por potenciais candidatos da oposição à Presidência da República, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos)

No estado mais importante da federação, Tarcísio tem como um de seus principais aliados o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que é secretário de Governo e Relações Institucionais da administração paulista. Fiador político número 1 da candidatura à reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), vencedor na eleição de outubro na capital paulista, Tarcísio também reúne condições de amarrar um eventual apoio emedebista para suas pretensões políticas.

“Esses partidos mais ao centro e à direita são siglas que vão manter o diálogo com o governo Lula, independentemente do espaço que venham a ocupar. E, mesmo que tenham seu espaço ampliado, se o governo Lula estiver em uma situação fragilizada em 2026, essas legendas podem trocar de lado e optar por outro caminho”, avalia Borenstein. “São partidos que estabelecem um relacionamento político com diferentes forças. Há estados em que eles são mais próximos do PT e, em outros, como São Paulo, são mais ligados à direita ou ao bolsonarismo.”

Cláudio Couto também considera o fator 2026 como decisivo na equação da reforma ministerial e entende que um possível apoio das legendas de centro e centro-direita a Lula nas próximas eleições depende, fundamentalmente, do nível de popularidade do próprio presidente às vésperas do pleito.

“É uma das variáveis que podem entrar na conta. O governo já tem esses partidos dentro da base e pode tentar reforçar o vínculo com eles, mas o fator determinante para essas siglas será a forma como o governo chegará a 2026. Se Lula chegar com uma popularidade muito baixa, não creio que conseguirá manter esses partidos com ele. Este será o fator fundamental, mais do que qualquer arranjo que se faça agora”, afirma Couto. “Até agora, a coisa funcionou muito mais sob uma lógica de redução de danos, já que o governo não consegue assegurar que esses partidos votem unidos com o governo. Mas, pelo menos, consegue que essas legendas não estejam unidas na oposição.” 

Aceno aos evangélicos

A iminente reforma ministerial de Lula também deve contemplar o campo evangélico, hoje majoritariamente ligado ao bolsonarismo e do qual o presidente vem tentando se reaproximar nos últimos meses. É possível que o petista entregue um ministério a um representante da Frente Parlamentar Evangélica, grupo que conta com 220 dos 513 deputados e 26 dos 81 senadores, em um arco que envolve 15 partidos. Menos de 30 desses parlamentares são considerados aliados fiéis do governo Lula. 

Entre os nomes apontados como favoritos a uma eventual vaga da cota evangélica, estão a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), o advogado-geral da União, Jorge Messias, e até mesmo lideranças mais distantes do governo como os deputados Silas Câmara (Republicanos-AM) – presidente da frente evangélica – e Otoni de Paula (MDB-RJ), ex-aliado de Bolsonaro, que recentemente fez uma oração com Lula no Palácio do Planalto, durante a sanção da lei que instituiu o Dia Nacional da Música Gospel. 

O presidente nacional do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), também é cotado para assumir alguma pasta. A legenda é o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), e o parlamentar tem bom trânsito no Planalto. 

Principais apostas

Na bolsa de apostas de Brasília, há forte especulação em torno da eventual saída do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), duramente criticado por lideranças do Congresso Nacional – entre as quais o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que já o chamou de “desafeto” e “incompetente”

Caso deixe a articulação política do governo, Padilha poderia ser deslocado para o Ministério da Saúde, hoje comandado por Nísia Trindade, também alvo de críticas generalizadas de parlamentares. Padilha é médico e já foi ministro da Saúde no primeiro governo de Dilma Rousseff (PT), de 2011 a 2014. A Saúde, no entanto, é um sonho antigo do “centrão”, especialmente do grupo ligado a Lira. A pasta de Relações Institucionais, por sua vez, poderia ser destinada a Alexandre Silveira (PSD), atual ministro de Minas e Energia, ou Silvio Costa Filho (Republicanos), hoje nos Portos e Aeroportos.

Outra saída vista como provável é a de Márcio Macêdo, titular da Secretaria-Geral da Presidência, que poderia ser abrigado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Nomes como Elmar Nascimento (União Brasil-BA) e Antonio Brito (PSD-BA), que retiraram suas candidaturas à presidência da Câmara para apoiar Hugo Motta (Republicanos-PB), também podem ser agraciados com ministérios. O próprio Arthur Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), são lembrados como “ministeriáveis”, mas ambos têm descartado publicamente essa possibilidade.

“Agora, neste momento de virada de ano, pós-período eleitoral, período de um certo rearranjo no governo, Lula pode aproveitar para substituir ministros que não estejam funcionando muito bem. E, em segundo lugar, acertar os ponteiros com esses partidos e ver onde é possível reforçar um apoio pelo menos de algumas alas dessas siglas”, explica Cláudio Couto. 

Lula estaria avaliando, ainda, a hipótese de nomear a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, para algum ministério, possivelmente a Secretaria-Geral – mas o nome dela enfrenta resistências de outros partidos que compõem o governo. Gleisi deixará o comando do PT em fevereiro de 2025. 

Na Secretaria de Comunicação Social (Secom), é quase certo que Paulo Pimenta (PT-RS) deixe o posto, e o maior candidato a sucedê-lo seria Laércio Portela, que chegou a comandar a pasta, interinamente, no período em que Pimenta assumiu a Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, e conta com a simpatia da primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja. O publicitário Sidônio Palmeira, responsável pela campanha de Lula em 2022, também é cotado. 

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”