Câmara aprova MP dos ministérios, com Meio Ambiente e Povos Indígenas enfraquecidos; Senado tem 1 dia para aprovar texto

Matéria perde validade caso não tenha tramitação concluída no Congresso até amanhã – o que provocaria o retorno à estrutura ministerial do governo Bolsonaro

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados durante sessão deliberativa (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (31), o projeto de lei de conversão para a medida provisória que trata da organização básica da Presidência da República e dos ministérios (MPV 1.154/2023). O texto, sob a relatoria do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), recebeu 337 votos favoráveis e 125 contrários. Um parlamentar se absteve de votar.

O resultado ocorre em meio a manifestações públicas de insatisfação dos parlamentares com a articulação política conduzida pelo Palácio do Planalto, mas não deixa de ser notícia favorável ao governo, que durante boa parte do dia viu suas intenções com a matéria ameaçadas e precisou acelerar a liberação de emendas parlamentares para destravar a votação.

Representantes de partidos autointitulados independentes, como União Brasil, PP e Republicanos, afirmaram que o voto favorável à MPV seria um último gesto de boa vontade com o governo. O contexto foi ilustrado na fala de Elmar Nascimento (BA), líder da primeira legenda, proferida na tribuna. Em discurso, o parlamentar reconheceu a legitimidade de Lula em organizar seus ministérios de acordo com suas preferências, mas salientou os problemas de articulação junto à Câmara e disse que recados dados pelos deputados não estavam sendo recebidos com a devida atenção.

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“É óbvio que qualquer governo legitimamente eleito pela urna tem o direito de estabelecer a sua forma de governar. É muito claro isso. E aí se pergunta por que estamos há tanto tempo, na última hora, no último minuto, discutindo ainda se vamos referendar ou não o que um governo legitimamente eleito tem o direito de fazer, que é estipular a forma de governar. Tudo isso é fruto de uma forma contraditória e desgovernada de proceder. A falta de uma base estabilizada fez com que houvesse a possibilidade de que esta Casa desse uma resposta política à falta de articulação e de segurança mais concretas”, disse.

“Os recados vêm sendo dados dia após dia, matéria após matéria. Primeiro, esta Casa se posicionou de forma bastante firme em relação ao decreto do saneamento, ao afirmar que não iria aceitar que o Governo, mediante decreto, revertesse o que foi construído aqui por uma lei aprovada com mais de 300 votos. E o governo procurou entender o que estava acontecendo na Câmara dos Deputados? Não procurou entender, preferiu ir até o outro lado, ao Senado Federal, obstaculizar o andamento do decreto e paralisar o processo lá. Depois, veio o marco temporal, que V.Exa. se comprometeu a colocar em pauta e que nós votamos ontem. Outro recado foi dado. E todos os recados estão sendo dados sucessivamente”, continuou.

No texto aprovado, o relator promoveu modificações relevantes em relação à versão original editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As mais significativas envolvem uma redução de atribuições do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, comandado por Marina Silva (Rede), e do Ministério dos Povos Indígenas, sob o comando de Sonia Guajajara (PSOL).

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Apesar de incomodado com as alterações na matéria, o governo decidiu correr contra o tempo para concluir a tramitação legislativa do texto e evitar que a medida provisória perdesse validade (ou seja, “caduque”, no jargão político). Para isso, ainda é necessária aprovação pelo Senado Federal sem alterações de mérito até a noite de quinta-feira (1º).

Caso os senadores decidam derrubar a matéria ou não analisem a tempo o texto, a Esplanada dos Ministérios voltaria ao desenho vigente no governo de Jair Bolsonaro (PL). Na prática, a estrutura de 37 pastas formada por Lula em seu terceiro mandato passaria a contar com as 23 da gestão anterior. Derrota que nenhum dos antecessores de Lula desde a redemocratização sofreu.

Isso implicaria na extinção dos ministérios dos Povos Indígenas, do Desenvolvimento Agrário, das Mulheres e dos Direitos Humanos.

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No campo econômico, os ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços − comandados respectivamente por Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB), Esther Dweck e Geraldo Alckmin (PSB) − voltariam a ser uma coisa só.

Caso os senadores aprovem qualquer mudança de mérito no texto, ele precisará voltar para análise da Câmara dos Deputados, que tem a palavra final sobre a versão a ser encaminhada para sanção presidencial. Nesta hipótese, no entanto, cresce ainda mais o risco de a medida provisória “caducar” pela falta de tempo hábil para mais uma etapa de tramitação.

O plano inicial do Palácio do Planalto era que o projeto de lei de conversão fosse votado pelos deputados na terça-feira (30). Houve uma tentativa de inverter a pauta para que o assunto fosse o primeiro da ordem do dia na sessão plenária da casa legislativa, mas os parlamentares acabaram discutindo antes o marco temporal para a demarcação de terras indígenas e a medida provisória do novo Bolsa Família (MPV 1.164/2023).

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Em meio à percepção de risco de derrota do governo na MPV da reestruturação dos ministérios, um acordo entre os líderes partidários adiou a votação para quarta-feira. Como consequência, o prazo para tramitação do texto ficou ainda mais apertado, reduzindo a margem para negociação por parte do Palácio do Planalto.

Preocupado com as derrotas no Congresso Nacional e o risco de prejuízo com a medida provisória, Lula convocou para esta manhã uma reunião de emergência com o núcleo da articulação política do governo. Estiveram presentes os ministros da Casa Civil, Rui Costa (PT), e da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), e o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE).

Ainda na de quarta-feira, Lula telefonou ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e fez um apelo para a aprovação da medida provisória. Em resposta, o parlamentar teria manifestado preocupação com a interlocução do governo na casa legislativa e a ausência de uma base sólida de apoio para votações.

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Em conversa com jornalistas na chapelaria do Congresso Nacional, Lira confirmou a versão e disse que não se comprometia em garantir uma vitória para o governo naquela noite. “O presidente Lula me ligou de manhã, nós conversamos, eu expliquei a ele as dificuldades que o governo dele tem e precisa que a imprensa trate isso com clareza. O problema não é da Câmara, não é do Congresso, o problema está no governo, na falta ou ausência de articulação”, disse.

Durante a entrevista, Lira disse que “tem dado o máximo” para fazer avançarem matérias “de Estado” que tratem de “interesses do país” e negou que haja qualquer tipo de “achaque” ou “pedidos” por parte dos parlamentares ao governo.

Ele afirmou que vem alertando o governo da “falta de ação” e “pragmatismo na resolutividade dos problemas do dia a dia” e estimou que a base de apoio de Lula conte com apenas 130 votos “constantes” no plenário – o que equivale a pouco mais de 25% da totalidade de assentos, insuficientes para a aprovação de qualquer tipo de matéria legislativa.

Apesar da aprovação projeto de lei de conversão para a MPV 1.154/2023 pelos deputados no limite do prazo, o quadro de governabilidade segue delicado na Câmara dos Deputados. Parlamentares de diversas siglas têm manifestado insatisfação com a falta de espaços no governo e cobram mais celeridade na liberação de recursos de emendas e cargos de segundo escalão nas pastas.

Vitória com ressalvas

A medida provisória em discussão trata de 31 ministérios, ante os 17 da gestão de Bolsonaro, e 6 órgãos com status de ministério ligados à Presidência da República. Desses 37 atuais, 13 já existiam; 19 surgiram de desmembramentos; 2 foram renomeados; e 3, criados.

Segundo o governo Lula, a reestruturação não gerou aumento nas despesas. Veja a lista completa das pastas e órgãos com status de ministério ao final desta reportagem.

O substitutivo do relator Isnaldo Bulhões Jr. trouxe, contudo, mudanças importantes em relação à versão encaminhada pelo Poder Executivo ao parlamento, com derrotas sobretudo para as ministras Marina Silva, da pasta do Meio Ambiente e Mudança Climática, e Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas.

Pelo texto, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, atualmente comandado por Flávio Dino (PSB), voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas. A gestão Lula havia alocado essas atribuições no Ministério dos Povos Indígenas, criado em janeiro, ao qual caberá sugerir novas áreas destinadas a povos tradicionais.

A nova pasta terá a competência de defender e gerir as terras e os territórios indígenas, além de tratar da política indigenista. E um dos órgãos subordinadas a ela, a Fundação Nacional do Índio (Funai), passará a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

Com a versão aprovada pelos deputados, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima perde a Política Nacional de Recursos Hídricos e a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em âmbito federal.

Em razão das mudanças, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional permanece, como no governo anterior, com os recursos hídricos, contando em sua estrutura com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e a Agência Nacional de Águas (ANA), que passa a cuidar ainda do saneamento básico.

O Desenvolvimento Regional ficará também com a parte da compensação pelo uso dos recursos hídricos para a produção energética, devida pelas usinas hidrelétricas aos governos municipais, estaduais e federal.

Já o gerenciamento de sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, hoje no Meio Ambiente, vai para o Ministério das Cidades, que, no saneamento, atuará inclusive em terras indígenas.

O CAR ficará com o Ministério de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

No caso da gestão de florestas, o Ministério do Meio Ambiente continua com aquelas públicas concedidas para a produção sustentável. Já a gestão de florestas plantadas continua com o Ministério da Agricultura, mas em articulação com o Meio Ambiente.

Segundo o texto aprovado, as políticas sobre proteção, recuperação da vegetação nativa e programas ambientais passam a englobar também outros biomas além da Amazônia.

Na elaboração do zoneamento ecológico-econômico (ZEE) e de outros instrumentos de ordenamento territorial será abordado o planejamento espacial marinho em articulação com outros ministérios competentes (como da Pesca).

Uma das novidades do texto original da MP em relação às estruturas anteriores é a criação, pela primeira vez, de um Ministério dos Povos Indígenas.

Entretanto, pelo texto aprovado, a atribuição inicialmente dada pela MP de realizar o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas não ficará mais com a pasta, voltando ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O novo ministério continuará com a competência de defender e gerir as terras e os territórios indígenas, além de tratar da política indigenista.

Um dos órgãos subordinados, a Fundação Nacional do Índio (Funai), passou a se chamar Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

Outro ministério recriado pela MP é o do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, que cuidará também da identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras de comunidades quilombolas, observadas as competências do Ministério da Igualdade Racial.

O relatório de Isnaldo Bulhões inclui outras competências para esse ministério:

A versão final do texto aprovado determina ainda a transferência de algumas atribuições relacionadas à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

A Conab continua com o Ministério da Agricultura e Pecuária, mas a garantia de preços mínimos de produtos da sociobiodiversidade ficará com o Desenvolvimento Agrário, assim como os estoques reguladores e estratégicos de produtos agropecuários.

Dessa forma, a Agricultura cuidará da garantia de preços mínimos, do abastecimento e da comercialização, exceto desses produtos da agricultura familiar.

O texto especifica que caberá ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional cuidar das normas de repasse de recursos dos fundos constitucionais de financiamento para entidades autorizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego a operar o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO).

O Ministério das Mulheres cuidará da formulação, coordenação e execução de políticas e diretrizes de garantia dos direitos das mulheres. Outras ações são especificadas no texto, como a articulação intersetorial e transversal com órgãos e entidades, públicos e privados, e com organizações da sociedade civil; e a elaboração e implementação de campanhas educativas e antidiscriminatórias de abrangência nacional.

Caberá à pasta ainda o acompanhamento da implementação da legislação sobre ações afirmativas e a definição de ações para o cumprimento de acordos, convenções e planos de ação sobre a garantia da igualdade de gênero e do combate à discriminação.

Um dos principais desmembramentos foi do antigo Ministério da Economia, que se subdividiu em: Fazenda; Planejamento e Orçamento; Gestão e Inovação dos Serviços Públicos; e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Tema da MP 1158/23, que perde a vigência em 1º de junho, o destino do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não foi incorporado pelo relator no texto da Medida Provisória 1154/23.

Com o fim da vigência da MP, o Coaf, que teria sido transferido para a Fazenda, retornará ao Banco Central. O Coaf é uma unidade de inteligência para prevenção e combate à lavagem de dinheiro e à corrupção.

Por outro lado, Bulhões incorporou ao texto o conteúdo da MP 1161/23, que transfere à Presidência da República a definição dos integrantes do Conselho do Programa de Parcerias de Investimento (PPI).

O relator chegou a incluir em seu parecer a autorização para o Poder Executivo tomar medidas para a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), já prevista na MPV 1.156/2023, cuja validade também expira na quinta-feira (1º). Durante a análise dos destaques de bancada em plenário, contudo, os parlamentares fizeram um acordo e retiraram o dispositivo do texto.

O governo recria ainda o chamado Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, com a função de assessorar o presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas destinadas ao desenvolvimento econômico social sustentável; bem como propor leis, políticas e acordos de procedimento que visem ao desenvolvimento econômico social sustentável.

Entre os órgãos de assessoramento da Presidência da República volta a constar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Na Controladoria-Geral da União (CGU), a MP 1154/23 inclui a atribuição de analisar a evolução patrimonial dos agentes públicos federais e instaurar sindicância patrimonial ou, conforme ocaso, processo administrativo disciplinar, caso haja fundado indício de enriquecimento ilícito ou de evolução patrimonial incompatível com os recursos e as disponibilidades informados na declaração patrimonial.

Veja a lista das pastas da nova estrutura:

Os órgãos com status de ministério são:

(com agências)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.