Brigas pelo comando do Congresso travam pauta de interesse do governo; veja proposições paradas

Pauta das casas cresce com ritmo mais lento dos trabalhos, em meio às disputas internas e às vésperas das eleições municipais

Marcos Mortari

Entrevista coletiva no Ministério da Economia. Ministro da Economia, Paulo Guedes, Presidente da Câmara dos Deputados, dep. Rodrigo Maia (DEM-RJ) e dep. Arthur Lira (PP-AL)

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SÃO PAULO – Uma série de pautas consideradas prioritárias e outras de risco elevado para o governo federal estarão pendentes de análise no Congresso Nacional passadas as eleições municipais e poucas semanas antes do esperado recesso parlamentar.

Em meio às disputas pelas presidências das duas casas e a ausência de debate aprofundado sobre temas como o Orçamento de 2021, o Renda Cidadã e mesmo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria gatilhos para o controle de despesas públicas, líderes partidários têm manifestado pessimismo com a chance de avanços legislativos ainda neste ano.

Por outro lado, analistas políticos têm chamado atenção para os possíveis impactos da corrida pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados. O pleito somente ocorre em fevereiro do ano que vem, mas já tem mobilizado esforços de diferentes alas interessadas no comando ou em posições estratégicas da casa.

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Uma das arenas da disputa é a Comissão Mista de Orçamento (CMO). O presidente Rodrigo Maia tenta fazer com que o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) presida o colegiado, enquanto o líder do PP, Arthur Lira (AL), tenta emplacar o nome de Flávia Arruda (PL-DF).

Havia um acordo para que Elmar Nascimento ocupasse o posto, como representante do “blocão” ‒ até então o maior bloco da casa. Devido à pandemia, a instalação da comissão atrasou e, diante dos movimentos de Arthur Lira em busca de uma aproximação junto ao Palácio do Planalto durante a crise, o agrupamento de partidos foi desfeito, com a saída de DEM e MDB.

Desde então, o líder do bloco sustenta que o acordo não teria mais validade, enquanto Maia tenta fazer valer o trato. O impasse tem levado a uma obstrução da pauta da Câmara pelos partidos do “centrão” em uma espécie de antecipação da disputa pelo comando da casa e barrado as discussões sobre as peças orçamentárias do ano que vem.

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Para especialistas, na medida em que a casa se aproxima da data da eleição para a Mesa Diretora, a tendência é que aumente o grau de contágio das pautas pela disputa, hoje protagonizada pelos grupos de Maia e Lira.

Na prática, os novos aliados do governo estão barrando a pauta da casa, obstruindo inclusive agendas de interesse do Poder Executivo. Quanto mais o impasse durar, menos tempo restará para o governo trabalhar para votar sua agenda de interesse ainda em 2020.

“Não sou eu que estou obstruindo, é a base do governo. Se o governo não tem interesse nas medidas provisórias, eu não tenho o que fazer. Eu pauto, a base obstrui, eu cancelo a sessão. Infelizmente, é assim. Eu espero que, quando tivermos que votar a PEC Proposta de Emenda à Constituição emergencial, a reforma tributária, que o governo tenha mais interesse e a própria base tire a obstrução da pauta da Câmara”, disse o Maia na semana passada.

Soma-se a isso obstrução também feita pelos partidos da oposição, que pressionam Maia a colocar em pauta a análise da Medida Provisória 1.000/2019, que reduziu de R$ 600 para R$ 300 o valor do auxílio emergencial até dezembro deste ano. O objetivo do grupo é alterar o texto, ampliando os repasses e impondo nova derrota ao governo.

Maia vinha dando sinalizações de que não pautaria o tema, atendendo a interesse do governo federal no assunto. Mas ontem (2), em entrevista ao jornal Valor Econômico, o deputado disse que incluiria o item na pauta depois das eleições municipais. Seria uma forma de acenar para os partidos de esquerda e trabalhar para desobstruir a pauta da casa.

“Com o sinal, Maia acena à esquerda e força um desgaste entre o governo e sua base de apoio, liderada por Arthur Lira. Apesar da promessa, ainda não há certeza de que a medida será pautada, mas a possibilidade de desentendimento entre o Planalto e sua base é boa para o grupo de Maia na disputa pela presidência da Câmara em fevereiro”, avalia a equipe de análise política da XP Investimentos.

Parlamentares do “centrão” e da oposição somam cerca de 270 votos, mais da metade da casa, o que torna efetiva a obstrução.

“A união do Centrão com o governo rendeu bons frutos ao Palácio do Planalto até pouco tempo. No entanto, o que vinha funcionando a favor do governo começa a prejudicar. O processo de obstrução desencadeado pelo bloco partidário vem impedindo a realização de votações na Câmara. Há quase um mês não se vota nada na Casa em função desse movimento, que tem sido acompanhado pela oposição”, pontuam os analistas da consultoria Arko Advice.

“A permanecer tal quadro, matérias como a PEC Emergencial, a Reforma Administrativa e outras propostas prioritárias devem sofrer atrasos na tramitação. O impasse em torno da CMO também atrasa o cronograma do Orçamento para 2021. Caso nem a LDO seja aprovada, o governo começará o ano sem autorização legal para efetuar gastos com a manutenção da máquina pública, tampouco investimentos. E caso prospere a ideia de não instalar o colegiado e levar as peças orçamentárias diretamente à votação em sessão conjunta do Congresso, a tensão com o Centrão deve se ampliar, podendo afetar até mesmo a deliberação dos vetos”, complementam.

Duas semanas atrás, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, disse que o governo pode ter que suspender todos os gastos no ano que vem, inclusive o pagamento de aposentadorias e benefícios sociais, se ao menos a LDO não for aprovada até o fim do ano.

É a primeira vez em que há risco de o texto não passar pelo parlamento dentro do prazo. Agora, caso apenas a lei orçamentária (LOA) do ano seguinte não tenha sido aprovada até o fim do ano, é possível ser feita a liberação de 1/12 dos recursos previstos por mês até análise do Congresso.

O impasse também amplia os riscos sobre o Renda Cidadã – o novo programa social que o governo federal tenta tirar do papel para substituir o Bolsa Família e suceder o auxílio emergencial. Há dúvidas, no entanto, sobre as fontes de financiamento da medida, que pode não sair do papel em tempo para começar a valer em janeiro.

No Senado Federal, a eleição para o comando da casa também interfere na tramitação de proposições. O presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) tem se empenhado para viabilizar sua reeleição ao posto ‒ com movimentos que, inclusive, influenciam na pauta da casa.

“Vemos Davi Alcolumbre querendo fazer sinalizações para todos os lados, e, quando você não quer desagradar ninguém, acaba paralisando [os trabalhos]”, observa Júnia Gama, analista política da XP Investimentos.

Nesta quarta-feira (3), os senadores votam um projeto que confere autonomia ao Banco Central. Há um entendimento entre os parlamentares em torno do estabelecimento de mandatos fixos para os membros da autoridade monetária e da extensão das atribuições da instituição, incluindo compromissos de “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro”, “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica” e “fomentar o pleno emprego”.

O texto, porém, tem chances menores de ser apreciado pela Câmara dos Deputados ainda em 2020. “Uma vez que há acordo entre os líderes partidários sobre o mérito da proposta, é provável a aprovação e o envio para a Câmara, onde, dado o calendário apertado, uma votação deve ser empurrada para 2021”, pontuam os analistas da consultoria Eurasia Group.

Confira algumas pautas pendentes de deliberação no parlamento:

“BR do Mar” (Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem)
Proposição pretende ampliar a oferta de serviços de transporte por cabotagem (navegação entre portos nacionais) na costa brasileira, aumentando a competitividade entre empresas e incentivando o desenvolvimento da indústria naval nacional. O programa visa eliminar travas da atual legislação para aumentar a participação do sistema aquaviário na matriz de transportes brasileira, que hoje representa apenas 11%. O texto foi encaminhado pelo governo ao Poder Legislativo em agosto, com pedido de urgência – regime que dá prazo de 45 dias para votação do tema, sob pena de trancar a pauta de votação da casa legislativa.

Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
Projeto que serve como base para a construção do Orçamento. O texto precisa ser aprovado pela Comissão Mista de Orçamento, ainda não instalada, devido à pandemia do novo coronavírus e ao impasse envolvendo os partidos do “centrão” e o grupo do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Uma vez deliberado pelo colegiado, o texto vai à análise do Congresso Nacional.

Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA)
Determina a alocação dos recursos federais para o exercício do ano seguinte. O texto também precisa passar pela CMO e, depois, ser aprovado pelo plenário do parlamento.

PEC Emergencial
Proposta cria “gatilhos” fiscais emergenciais a serem acionados em situação de descontrole das contas públicas – como redução temporária proporcional de salários e jornadas de servidores. O texto está em tramitação no Senado Federal. Uma vez aprovado na casa, segue para análise da Câmara dos Deputados, onde pode ser apensada a PEC já aprovada na CCJC. O texto pode abrir espaço fiscal importante para o governo federal, sobretudo considerando a previsão de orçamento apertado para os próximos anos.

PEC do Pacto Federativo
A proposição busca estabelecer um novo modelo fiscal para a federação brasileira, criando instrumentos de ajuste aos gestores, conferindo maior autonomia aos entes, possibilitando a ampliação de repasses federais mas aumentando a responsabilidade de governadores e prefeitos no cuidado com as contas públicas. O texto é amplo e tem uma série de pontos considerados controversos pelos parlamentares. Após ficar praticamente parado no Senado Federal por um ano, voltou a ser aposta para aprovação, inclusive com a possibilidade de trazer as linhas gerais do novo programa Renda Cidadã.

Reforma Tributária
Há três proposições principais tramitando sobre o assunto no Congresso Nacional. Todas preveem, em alguma medida, a unificação de tributos para simplificar a cobrança de impostos e conferir maior segurança jurídica ao sistema brasileiro. O conjunto de impostos contemplados nos textos variam, indo dos federais PIS/Pasep e Cofins até IPI, IOF, Salário-Educação e Cide, além do ICMS estadual e do ISS municipal. Os caminhos têm sido discutidos em uma comissão mista informal formada por deputados e senadores, para que se construa um texto único para tramitar nas duas casas – primeiro na Câmara dos Deputados, e, depois, no Senado Federal.

Reforma Administrativa
PEC encaminhada pelo governo ao parlamento altera regras para futuros ingressantes ao funcionalismo público nos Três Poderes, nos níveis federal, estadual e municipal. O texto ainda aguarda análise de constitucionalidade na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, onde também precisa passar por comissão especial e dois turnos de votação em plenário, com apoio mínimo de 3/5 da casa (ou seja, 308 votos).

Há uma tentativa de se encurtar os caminhos da tramitação da proposta apensando-a a uma PEC já analisada pela CCJC, isso porque a comissão não foi instalada neste ano, em função da pandemia de Covid-19. Caso o acordo seja firmado, Rodrigo Maia diz que todos os prazos previstos para a proposta serão respeitados.

Uma vez aprovada pelos deputados, a proposição também precisa passar pelo Senado Federal, onde deve tramitar pela CCJ e ser submetida a dois turnos de votação em plenário com o mesmo quórum (o equivalente a 49 votos em cada). As chances de conclusão de tramitação ainda neste ano são remotas.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.