Analistas apostam em vitória de Lula no STF em julgamento sobre precatórios

Há divergências, no entanto, se Corte endossará pedido para que pagamento do estoque de dívidas acumuladas possa ser feito por crédito extraordinário

Marcos Mortari

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, durante Instalação da Comissão Nacional do G20 no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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A tese apresentada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Supremo Tribunal Federal (STF) alegando a inconstitucionalidade das Emendas Constitucionais nº 113/21 e nº 114/21, que criaram um teto anual para as despesas com o pagamento de precatórios até 2027, tem boas chances de ser aceita pela Corte, que começa a analisar o tema nesta segunda-feira (27).

É o que avaliam analistas políticos consultados na 50ª edição do Barômetro do Poder, levantamento feito mensalmente pelo InfoMoney com consultorias e analistas independentes sobre alguns dos principais temas em discussão na política nacional.

O estudo, feito entre os dias 13 e 17 de novembro, mostra que 92% dos especialistas consultados acreditam que o tribunal deverá aceitar as alegações da Advocacia-Geral da União (AGU) de que as Propostas de Emenda à Constituição (PEC), encaminhadas pelo governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e aprovadas pelo Congresso Nacional − em um acordo que à época envolveu o próprio Supremo − afrontam princípios da Carta Magna.

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Há, contudo, divergências entre os analistas políticos sobre o alcance da possível decisão do Supremo. Para 46%, o STF deve dar provimento integral aos pedidos do governo − inclusive ao que defende o pagamento do estoque acumulado de precatórios por meio de crédito extraordinário (entenda o caso abaixo). Outros 38% esperam que o tribunal não se manifeste sobre a forma como o Poder Executivo honrará sua obrigação − o que deve empurrar a discussão para o âmbito do Congresso Nacional.

Para 8% dos entrevistados, o STF deve reconhecer a inconstitucionalidade da matéria, mas não se manifestará sobre o pagamento. Apenas 8% dos analistas consultados acreditam que a Corte não se posicionará sobre nenhum dos pedidos relacionados ao caso.

Esta edição do Barômetro do Poder ouviu 10 consultorias políticas – Ágora Assuntos Políticos; Control Risks; Empower Consultoria; Eurasia Group; Medley Global Advisors; Patri Políticas Públicas; Prospectiva Consultoria; Tendências Consultoria Integrada; Vector Relações Governamentais; e Warren Rena – e 4 analistas independentes – Antonio Lavareda (Ipespe); Carlos Melo (Insper); Cláudio Couto (EAESP/FGV); e Thomas Traumann.

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O julgamento envolvendo as duas PECs será feito no plenário virtual − quando os magistrados inserem seus votos no sistema eletrônico do STF e não há debates. Nada impede, porém, que um ministro peça que o tema seja remetido a julgamento no plenário físico. O relator do caso é o ministro Luiz Fux.

Entenda o caso

A medida, tomada como forma de comprimir artificialmente as despesas públicas, foi usada pelo governo anterior para liberar espaço para novos gastos com ações como o aumento do Auxílio Brasil (programa que substituiu o Bolsa Família naquela gestão) e a concessão de auxílios para caminhoneiros e taxistas, entre outros benefícios. A AGU sustenta que a criação de um limite de pagamento e um subteto para os precatórios produziram um acúmulo de R$ 150 bilhões não pagos aos requisitantes com direito adquirido reconhecido pela própria Justiça.

A manifestação foi feita no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 7047-DF e 7064-DF. A primeira foi movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A segunda, por um conjunto de entidades da sociedade civil (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação dos Magistrados Brasileiros, Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais, Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado e Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis) para questionar a constitucionalidade das normas.

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Leia também: Polêmico encaminhamento para precatórios ainda passará por amplo debate e pode envolver Congresso

A posição da AGU encaminhada ao STF destaca que, muito embora o governo anterior tenha utilizado como justificativa para a aprovação das emendas o risco de colapso administrativo caso fosse pago o valor integral dos precatórios previstos para 2022 – estimado em R$ 89,1 bilhões (R$ 33,7 bilhões a mais que no ano anterior) – logo após a abertura artificial e temporária de espaço fiscal proporcionada pela a aprovação de ambas as emendas, “foram criadas despesas obrigatórias com a estimativa de custo adicional de R$ 41 bilhões ao ano”.

O governo alerta que o novo regime de precatórios não só produziu “um volume significativo e crescente de despesa artificialmente represada” que só deverá começar a ser paga em 2027, como “não veio acompanhada de qualquer perspectiva de solução com vistas a equacionar o passivo que será acumulado a médio e longo prazo, de sorte a viabilizar seu pagamento efetivo após a data final estabelecida para a vigência do referido regime”. E pontua que “permanência do atual sistema de pagamento de precatórios tem o potencial de gerar um estoque impagável, o que resultaria na necessidade de nova moratória”.

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Na mesma peça, a AGU pede que o pagamento do valor represado nos últimos anos (estoque acumulado) seja pago por meio de crédito extraordinário − forma de despesa não considerada para os limites estabelecidos pelo novo marco fiscal (Lei Complementar nº 200/2023).

A iniciativa foi recebida de forma dicotômica por especialistas em contas públicas. De um lado, vista como um esforço do governo de desarmar uma “bomba-relógio” com prazo para ser detonada em 2027. Nesta perspectiva, o movimento também poderia dar maior previsibilidade aos agentes econômicos − e ainda reparar a injustiça de a União não honrar com obrigações determinadas pela Justiça e sem possibilidade de novos recursos.

Por outro, o caminho escolhido pelo pedido formulado em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) − órgãos vinculados ao Ministério da Fazenda − gerou contestações externas e desconforto institucional, seja pela forma ou pelo conteúdo.

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No Congresso Nacional, até integrantes da base aliada criticam a decisão de enviar a matéria à Corte. O movimento dá margem para os parlamentares se sentirem desprestigiados em um momento de tensão crescente ente Legislativo e Judiciário. Entre os parlamentares, o encaminhamento da solução pela via legislativa era visto como natural, considerando que esta foi a escolha com a PEC dos Precatórios.

Além dos ruídos políticos gerados pelo caminho escolhido, o conteúdo tem gerado críticas tanto no mercado quanto na política e chamado por muitos de espécie de “contabilidade criativa” por caminhar na contramão do que recomenda o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A ideia de segregar a despesa com precatórios entre primária (para o principal) e financeira (para os juros e encargos) não tem sido avaliada como a solução mais coerente por muitos especialistas. Ainda mais quando se lembra que, para as receitas resultantes de juros, como em boa parte do que se espera arrecadar com a lei do Carf, o cálculo permaneceria no primário.

Críticos também alegam que a falta de dados com a divisão artificial também prejudica as projeções de cenários fiscais e a mudança pode abrir margem para outras alterações de interpretação envolvendo despesas e receitas envolvendo juros.

O assunto divide integrantes da própria equipe econômica. Mas, como pontuou uma fonte do governo com conhecimento sobre o assunto ao InfoMoney, a boa notícia é que o pontapé inicial para as discussões foi dado. E, como todo processo político complexo, o resultado será construído a partir da própria movimentação e pressão dos principais atores envolvidos.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.