Polêmico encaminhamento para precatórios ainda passará por amplo debate e pode envolver Congresso

Caminho escolhido pelo governo gerou contestações externas e desconforto institucional, seja pela forma ou pelo conteúdo

Marcos Mortari

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O pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça a inconstitucionalidade da PEC dos Precatórios e permita o uso de créditos extraordinários para o pagamento do estoque acumulado gerou reações difusas entre os atores interessados no assunto.

Por um lado, foi visto como um esforço do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para desarmar uma “bomba-relógio” com prazo para ser detonada em 2027. Nesta perspectiva, o movimento também poderia dar maior previsibilidade aos agentes econômicos − e ainda reparar a injustiça de a União não honrar com obrigações determinadas pela Justiça e sem possibilidade de novos recursos.

Por outro, o caminho escolhido pelo pedido formulado em conjunto com a Secretaria do Tesouro Nacional e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) − órgãos vinculados ao Ministério da Fazenda − gerou contestações externas e desconforto institucional, seja pela forma ou pelo conteúdo.

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No Congresso Nacional, até mesmo integrantes da base aliada criticaram a decisão de enviar a matéria à Corte. O movimento dá margem para os parlamentares se sentirem desprestigiados em um momento de tensão crescente ente Legislativo e Judiciário. O risco neste caso é o contágio sobre o andamento de outras pautas de interesse do Executivo.

Entre os parlamentares, o encaminhamento da solução pela via legislativa era visto como natural, considerando que esta foi a escolha com a PEC dos Precatórios − que, vale lembrar, foi chancelada pelo Supremo no começo das discussões.

Ficou claro o objetivo do Ministério da Fazenda de não tumultuar a agenda do Congresso Nacional com mais um tema espinhoso para competir com a agenda arrecadatória a três meses do fim do ano. Mas o tiro pode sair pela culatra, seja por movimentação ativa do próprio parlamento avocando a discussão pela via legislativa ou mesmo por decisão do próprio Supremo Tribunal Federal de evitar maior desgaste que seria ingressar em um arenoso debate contábil-fiscal.

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O lado bom, diz uma fonte do governo com conhecimento no assunto, é que o pontapé inicial do debate está dado. Agora a proposta é pública e já vem sendo alvo de críticas e sugestões. E como todo processo político complexo, o resultado será construído a partir da própria movimentação e pressão dos principais atores envolvidos.

Além dos ruídos políticos gerados pelo caminho escolhido, o conteúdo tem gerado críticas tanto no mercado quanto na política e chamado por muitos de espécie de “contabilidade criativa” por caminhar na contramão do que recomenda o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A ideia de segregar a despesa com precatórios entre primária (para o principal) e financeira (para os juros e encargos) não tem sido avaliada como a solução mais coerente por muitos especialistas. Ainda mais quando se lembra que, para as receitas resultantes de juros, como em boa parte do que se espera arrecadar com a lei do Carf, o cálculo permaneceria no primário.

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Críticos também alegam que a falta de dados com essa divisão também prejudica as projeções de cenários fiscais e a mudança pode abrir margem para outras alterações de interpretação envolvendo despesas e receitas envolvendo juros.

Um deputado engajado em pautas fiscais e da própria base aliada argumenta que o ideal seria reconhecer todo o estoque de precatórios como despesa primária − e consequentemente ajustar as metas de resultado primário à nova realidade fiscal fruto do ajuste. Ele alega que a segregação proposta não tem amparo nas boas práticas contábeis.

Conforme apontou a equipe de análise política da XP Investimentos em nota distribuída a clientes, a decisão sobre os precatórios não envolveu outras pastas do governo, como o Planejamento e Orçamento, a despeito do engajamento prévio da ministra Simone Tebet (MDB) sobre o tema, e a própria Casa Civil.

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Os analistas apontam, ainda, que, além do fato de não endereçar o problema via Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o encaminhamento sofre questionamentos pela escolha da divisão das despesas internamente no governo.

“Diante da ausência de negociação prévia com Congresso e governo, é possível que surjam visões divergentes e que isso afete de alguma forma o andamento da saída apresentada pela Fazenda”, observam. Para eles, existe a chance de que, caso o desconforto de Câmara e Senado persista, o Palácio do Planalto pode arbitrar pela alternativa da PEC.

A despeito dos esforços de integrantes da equipe econômica em garantir que o encaminhamento apontado ao Supremo não abriria espaço para novas despesas no Orçamento de 2024, o ceticismo ainda não foi dissipado.

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Nesse sentido, uma crítica que se faz é que a solução apresentada traria um incentivo perverso adicional para o governo não honrar seus compromissos em um primeiro momento. Isso porque, mesmo após reconhecido o precatório com necessidade de ser pago, o governo incluiria como despesa primária apenas o principal deste compromisso − gerando, assim, um efeito menor sobre o resultado primário (indicador de referência para a meta fiscal).

A discussão sobre os precatórios também tem potencial de gerar dores de cabeça para a própria gestão da dívida pública − e adequação a uma das exigências previstas no novo marco fiscal.

O texto, sancionado com vetos há quase um mês pelo presidente Lula, diz que a política fiscal do governo deve garantir “a sustentabilidade intertemporal das contas públicas”. E determina que deverá constar do Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) a indicação de uma “trajetória de convergência do montante da dívida”.

Dependendo de como sair o encaminhamento para os precatórios, há preocupações sobre como a dinâmica da dívida pública se comportará em um horizonte projetado para dez anos.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.