Governo pede ao Supremo que declare inconstitucional PEC que mudou regra de pagamento dos precatórios

Dispositivo permitiu que o governo federal limitasse o pagamento dos precatórios aos termos do teto de gastos até 2027

Marcos Mortari

Estátua "A Justiça", escultura de Alfredo Ceschiatti em frente ao edifício-sede do Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

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A Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou, nesta segunda-feira (25), ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma manifestação pedindo a inconstitucionalidade de emenda à Constituição Federal que alterou o regime de pagamento dos precatórios durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) − que à época foi batizada como PEC dos Precatórios.

O dispositivo permitiu que o governo federal limitasse o pagamento dos precatórios (que são dívidas reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de novos recursos por parte do poder público) aos termos da regra fiscal vigente − o teto de gastos, que determinava que as despesas públicas de um ano não poderiam crescer acima da inflação acumulada no exercício anterior.

Pela norma aprovada pelo Congresso Nacional nas emendas constitucionais nº 113/2021 e 114/2021, o teto anual para o pagamento dos precatórios vigoraria até 2027 − o que na prática poderia ampliar o passivo da União nessa rubrica. Na avaliação de especialistas, o adiamento dos pagamentos também representaria uma espécie de “calote” por parte do governo federal, já que tais compromissos já teriam transitado em julgado, e, portanto, não poderiam mais ser revertidos na Justiça.

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No pedido, a AGU alega que a criação de um limite de pagamento e um subteto produziram um acúmulo de precatórios não pagos que alcança R$ 150 bilhões. O montante consta de nota técnica assinada pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e pela Procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, também enviada à Corte. A petição sustenta que as duas emendas contestadas não só afrontam princípios constitucionais, como geram grave desequilíbrio para as contas públicas.

A manifestação foi feita no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 7047-DF e 7064-DF. A primeira foi movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A segunda, por um conjunto de entidades da sociedade civil (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação dos Magistrados Brasileiros, Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais, Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado e Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis) para questionar a constitucionalidade das normas.

A manifestação da AGU encaminhada ao STF destaca que, muito embora o governo anterior tenha utilizado como justificativa para a aprovação das emendas o risco de colapso administrativo caso fosse pago o valor integral dos precatórios previstos para 2022 – estimado em R$ 89,1 bilhões, R$ 33,7 bilhões a mais que no ano anterior – logo após a abertura artificial e temporária de espaço fiscal proporcionada pela a aprovação de ambas as emendas “foram criadas despesas obrigatórias com a estimativa de custo adicional de R$ 41 bilhões ao ano”.

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Na mesma peça, o governo alerta que o novo regime de precatórios não só produziu “um volume significativo e crescente de despesa artificialmente represada” que só deverá começar a ser paga em 2027, como “não veio acompanhada de qualquer perspectiva de solução com vistas a equacionar o passivo que será acumulado a médio e longo prazo, de sorte a viabilizar seu pagamento efetivo após a data final estabelecida para a vigência do referido regime”. E pontua que “permanência do atual sistema de pagamento de precatórios tem o potencial de gerar um estoque impagável, o que resultaria na necessidade de nova moratória”.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propõe que o Supremo dê sinal verde para que ele solicite ao Congresso Nacional a abertura crédito extraordinário, em até 60 dias, para quitar o passivo do atual regime de precatórios, distinguindo o valor principal dos títulos (que devem continuar sendo considerados despesas primárias) dos encargos financeiros fruto da incidência de juros e correção monetária (que, como despesas financeiras, não devem estar sujeitas ao limite de resultado primário previsto no novo regime fiscal, tal como os encargos sobre os títulos da dívida pública não o são).

Na peça, a AGU alterou posição prévia em que defendia o indeferimento das ações contra as emendas constitucionais para defender sua inconstitucionalidade, amparada em nota técnica conjunta elaborada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ambos órgãos vinculados ao Ministério da Fazenda.

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A pasta lembra que na exposição de motivos que acompanhou o envio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 46/2021, o governo anterior alegou “risco iminente de colapso da administração pública federal” para defender a implementação de um limite para a alocação de despesas com pagamentos relacionados a precatórios, evitando que tais compromissos inviabilizassem a continuidade de políticas públicas em curso e o funcionamento regular da máquina pública.

O atual governo, no entanto, argumenta que a nova dinâmica de pagamento dos precatórios produziu “um volume significativo e crescente de despesa artificialmente represada”, que precisaria começar a ser equacionado a partir de 2027, e não veio acompanhada de encaminhamento para a solução do passivo que seria acumulado a médio e longo prazos.

Como consequência, a AGU diz que a suspensão do pagamento integral dos precatórios trouxe, por um lado, um “falso alívio fiscal imediato”, e, por outro, impôs “dificuldades à preservação da sustentabilidade fiscal de longo prazo, além de produzir impactos negativos nas estatísticas fiscais e efeitos econômicos nocivos indiretos”.

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A administração em exercício lista cinco categorias de prejuízos causados pela implementação da nova regra: 1) danos fiscais diretos ocasionados pela criação de despesas permanentes no espaço aberto de forma temporária pela mudança; 2) danos fiscais causados pelo “aumento abrupto nas taxas de juros reais exigidas para financiamento da dívida pública brasileira, decorrente da elevação da percepção de risco”; 3) danos decorrentes da elevação do prêmio de risco embutido nas contratações públicas de obras, serviços e fornecimento de bens, em razão do risco de “calote” de obrigações contratuais; 4) danos à transparência das contas públicas dada a ocultação dos indicadores da dívida pública bruta e liquida; e 5) danos econômicos decorrentes da aversão ao risco de se investir no Brasil.

Ao justificar a busca por uma nova abordagem ao problema, a AGU cita avaliação da Secretaria do Tesouro Nacional, que diz que a manutenção do crescente passivo relacionado ao não pagamento de precatórios que passa à margem da dívida pública poderia, inclusive, prejudicar os esforços do governo para reconquistar o chamado grau de investimento (“investment grade”) − uma espécie de selo de bom pagador junto às agências de classificação de risco.

Em outro flanco, o governo alega que a possibilidade de uso de precatórios para compensar débitos perante a Fazenda Pública (o chamado “encontro de contas”) tornaria imprevisível a disponibilidade financeira da União, “na medida em que subtrai do Governo o controle sobre o momento de liquidação de suas dívidas ou obrigações decorrentes de decisões judiciais, inviabilizando, assim, o seu planejamento orçamentário e financeiro”.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.