Alexandre de Moraes: quem é o ministro do STF criticado pelo PT no passado e hoje alvo de revoltas bolsonaristas

No Supremo desde 2017 e atualmente à frente da Justiça Eleitoral, magistrado integrou o governo Alckmin em SP

Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes toma posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Nome completo:Alexandre de Moraes
Data de nascimento:13 de dezembro de 1968
Local de nascimento:São Paulo (SP)
Formação:Bacharel em Direito, doutor em Direito do Estado e livre docente em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP)
Ocupação:Advogado, jurista e magistrado
Principais cargos na vida pública:secretário estadual de Justiça de São Paulo (2002-2005); secretário municipal de Transportes de São Paulo (2007-2010); secretário estadual de Segurança de Pública de São Paulo (2015-2016); ministro da Justiça (2016-2017); presidente do Tribunal Superior Eleitoral (desde 2022); ministro do Supremo Tribunal Federal (2017).

Um dos nomes mais criticados e pronunciados de maneira fervorosa por bolsonaristas golpistas durante as invasões ao Congresso Nacional foi o de Alexandre de Moraes, ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Mas qual a razão para tamanha fúria contra essa figura?

A tensão entre Moraes e bolsonaristas não é de hoje: “Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair! Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas, turve a nossa liberdade. [Quero] Dizer a esse ministro que ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá [suas decisões]. A paciência do nosso povo já se esgotou.”

Talvez tenham sido essas as palavras mais duras proferidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o seu mandato – e a concorrência, como se sabe, é grande. No dia 7 de setembro de 2021, em um discurso a apoiadores que lotaram a Avenida Paulista, em São Paulo, o chefe do Executivo traçou uma linha que o opôs frontalmente ao Poder Judiciário e quase deflagrou uma crise política e institucional de consequências imprevisíveis para o país.

Ao ameaçar não cumprir as decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro deixava claro que havia escolhido quem seria seu maior adversário, contra quem insuflara seus simpatizantes a partir daquele momento. De forma inusual, a maior rivalidade da República não envolvia o presidente e um líder político de oposição – mas um magistrado da mais alta corte de Justiça do país.

Dois dias depois do discurso na Paulista, Bolsonaro divulgou uma “carta à nação” – uma iniciativa do ex-presidente Michel Temer (MDB), o próprio responsável pela indicação de Moraes ao Supremo, para apaziguar os ânimos –, na qual afirmou que não tinha intenção de “agredir quaisquer dos Poderes” e reconheceu no magistrado “qualidades como jurista e professor”. Seria apenas mais um recuo nas idas e vindas retóricas do presidente, que jamais deixou de se posicionar, em sua gestão, como antípoda do Judiciário.

Catapultado à condição de protagonista das cenas política e jurídica do país, Alexandre de Moraes despertou a ira de Bolsonaro, sobretudo, por causa do chamado “inquérito das fake news” – aberto de ofício pelo então presidente do STF Dias Toffoli, em março de 2019, com o objetivo de investigar a produção e disseminação de “notícias fraudulentas” nas redes sociais contra a corte e seus integrantes. Moraes assumiu a relatoria do processo por decisão individual de Toffoli.

Em 2021, Moraes acatou parcialmente um pedido apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e decidiu arquivar outro inquérito, sobre atos antidemocráticos, que havia sido instaurado no ano anterior. Entretanto, determinou a abertura de uma nova investigação sobre fake news, apurando a existência de uma suposta organização criminosa que operaria divulgando notícias falsas.

O inquérito das “fake news” tinha como alvo diversos apoiadores de Bolsonaro, entre os quais líderes políticos com e sem mandatos parlamentares. O termo “gabinete do ódio” ganhou as páginas dos jornais, em referência a um suposto grupo liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos filhos do presidente, que teve papel fundamental no trabalho com as redes sociais de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. Carlos sempre negou a existência de tal estrutura. Sentindo-se acuado e perseguido, Bolsonaro saiu em defesa de aliados e decidiu dobrar a aposta contra o que seus simpatizantes chamavam de “ditadura da toga”.

Trajetória política (e nos tribunais) de Alexandre de Moraes

Antes de assumir uma cadeira no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes teve atuação política relevante em São Paulo, onde nasceu, formou-se advogado e construiu sua trajetória profissional.

Depois de atuar como promotor de Justiça do estado entre 1991 e 2002, Moraes aceitou o convite do então governador Geraldo Alckmin (na época, no PSDB) para assumir a Secretaria Estadual de Justiça. Ocupou a pasta até 2005, acumulando durante alguns meses a função de presidente da antiga Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem), atual Fundação Casa.

Em 2005, indicado pela Câmara dos Deputados em vaga destinada aos “cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada”, foi nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o biênio 2005-2007.

O bom trânsito de Moraes na classe política o levou à gestão de Gilberto Kassab na prefeitura de São Paulo. De 2007 a 2010, foi secretário municipal de Transportes da capital paulista. Também comandou a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e a São Paulo Transportes – Companhia de Transportes Públicos da Capital (SPTrans).

Passado o período de intensa participação na cena política brasileira, Moraes viveu uma fase de afastamento a partir de 2010, quando fundou seu escritório de advocacia, destinado a causas relacionadas ao Direito Público. Mas quatro anos depois, foi novamente convidado por Alckmin para exercer papel de relevo no Executivo estadual: comandar a Secretaria de Segurança Pública.

Sua gestão à frente de uma pasta considerada altamente sensível e estratégica foi muitas vezes criticada por setores ligados à esquerda – adversários do governo Alckmin – e organizações de defesa dos direitos humanos, que acusavam a Polícia Militar (PM-SP) de levar a cabo ações violentas, especialmente nas periferias.

Em 2016, em meio ao terremoto político que se abateu sobre o país com o impeachment de Dilma Rousseff (PT), foi convidado pelo novo presidente, Michel Temer (MDB), para assumir o comando do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Aquele era o mais alto cargo político alcançado por Moraes até então.

Mas, em fevereiro de 2017, após a trágica morte de Teori Zavascki, ministro do STF, em um acidente aéreo, foi indicado por Temer para ocupar a vaga do magistrado na Corte. A indicação, que seria chancelada pelo Senado, foi fortemente contestada por parlamentares de esquerda, principalmente do PT, que alegavam que Moraes não tinha isenção para atuar na Suprema Corte, dada sua proximidade política com o PSDB e o governo Temer.

Na época, o partido de Lula classificou a escolha de Moraes para o Supremo como “um profundo desrespeito à consciência jurídica do país”. Segundo a legenda, o novo ministro era “despreparado” e “parcial”.

Apesar do esperneio de setores da esquerda, Moraes contou com o apoio de ministros do STF como Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux, que asseguraram que a trajetória política do magistrado não interferiria em sua atuação na corte. O advogado, formado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, doutor em Direito do Estado e livre docente em Direito Constitucional, chegava ao ponto mais alto de sua carreira na magistratura.

De criticado pelo PT a alvo de Bolsonaro

O recrudescimento da polarização política no Brasil, sobretudo a partir da eleição de Jair Bolsonaro em 2018, levou a um acirramento de ânimos generalizado que muitas vezes desaguou no STF. A mais alta Corte da Justiça brasileira passou a assumir um papel cada vez mais ativo e intervencionista, também provocada por agentes políticos a se manifestar inúmeras vezes a respeito de questões não resolvidas no âmbito do Legislativo ou do Executivo.

O protagonismo político do Judiciário talvez tenha chegado ao ápice em abril de 2018, quando o STF rejeitou um pedido de habeas corpus para impedir a prisão de Lula no processo envolvendo o tríplex no Guarujá (SP), no âmbito da Operação Lava Jato. A decisão abriu caminho para que o então juiz Sergio Moro decretasse a prisão do ex-presidente, àquela altura já condenado por unanimidade em decisão colegiada, decisão que o afastaria da disputa eleitoral daquele ano.

Em 2019, o Supremo mudou de entendimento sobre a condenação após prisão em segunda instância, alterando a jurisprudência vigente e proibindo a execução da pena − decisão que abriu caminho para a soltura de Lula após 580 dias preso no prédio da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR). Finalmente, em 2021, a corte anulou todas as condenações de Lula por entender que Moro, que havia sentenciado o ex-presidente a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex, teve uma atuação parcial e que a 13ª Vara Federal de Curitiba não seria o foro competente para julgar os casos que envolviam o petista. Na prática, o mesmo STF que barrou a candidatura de Lula em 2018 o credenciou para a sucessão presidencial quatro anos depois.

Nesse contexto político conflagrado, Alexandre de Moraes assumiu a parte que lhe cabia no protagonismo adquirido pelo STF e foi praticamente empurrado para o lado oposto àquele em que se situava Bolsonaro. Com o inquérito das “fake news” encurralando figuras próximas ao presidente, tornou-se alvo preferencial dos militantes simpáticos ao governo.

Prisão de Daniel Silveira

Em fevereiro de 2021, Alexandre de Moraes determinou a prisão do deputado federal Daniel Silveira (RJ). O parlamentar foi preso em flagrante em Petrópolis (RJ), e levado por agentes da Polícia Federal (PF).

Silveira havia publicado um vídeo nas redes sociais em que criticava e ameaçava ministros do STF e defendia o Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968 – curiosamente, a data de nascimento de Moraes. A medida determinada pelo governo militar, no auge da ditadura, concedeu poderes quase ilimitados ao Executivo, fechou o Congresso por tempo indeterminado e cassou mandatos.

Na decisão em que justificou o pedido de prisão, Moraes afirmou que eram “imprescindíveis medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito”. A posição na prática impôs limites à chamada imunidade parlamentar e gerou muitos debates no meio político.

O magistrado também destacou que a Constituição não permite a propagação de ideias que coloquem em risco a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. A detenção de Silveira caiu como uma bomba no centro nervoso do governo Bolsonaro. O presidente voltou a subir o tom contra Moraes, e seus apoiadores também endureceram o discurso.

Em abril de 2022, o STF condenou o deputado a 8 anos e 9 meses de reclusão, inicialmente em regime fechado, por participar de atos antidemocráticos e ameaçar as instituições. No dia seguinte, durante uma live transmitida nas redes sociais, Bolsonaro chocou o país ao anunciar que concederia um indulto – a chamada graça presidencial – a Daniel Silveira.

O indulto individual pode ser concedido pelo presidente da República por meio de um decreto, conforme a Constituição, e extingue a punibilidade.

“Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão, decreto: fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira, Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão”, diz o texto do decreto assinado por Bolsonaro.

As principais autoridades de Brasília voltavam a prender a respiração diante da atitude de Bolsonaro. Na prática, o chefe do Executivo se insubordinava a uma decisão do tribunal mais importante do país, embora amparado pela legislação. Ao fim e ao cabo, o STF não reagiu, e Daniel Silveira foi, de fato, indultado e inclusive chegou a disputar um cargo no Senado Federal nestas eleições pelo Rio – apesar do endosso de Bolsonaro, terminou derrotado por Romário (PL). Mas o ambiente político ficou ainda mais carregado.

Alexandre de Moraes assume o TSE

Em agosto de 2022, a dois meses das eleições, Alexandre de Moraes assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – do qual era integrante desde 2020. Caberia justamente ao ministro atacado inúmeras vezes por Bolsonaro conduzir o processo eleitoral no país. O presidente da República seria candidato à reeleição e teria como principal adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A cerimônia de posse de Moraes no TSE foi um dos momentos mais esperados de 2022. Bolsonaro e Lula compareceram, além dos ex-presidentes José Sarney, Michel Temer e Dilma Rousseff. O chefe do Executivo até trocou algumas palavras cordiais com Moraes, mas teve de ouvir um enfático pronunciamento do novo comandante da Justiça Eleitoral sobre o combate às “fake news” e o compromisso com a democracia e as instituições, além de uma destacada defesa às urnas eletrônicas.

Àquela altura, além de confrontar Moraes e o STF por causa do inquérito das “fake news”, Bolsonaro já havia encampado a bandeira do voto impresso, colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral e lançando suspeitas jamais comprovadas acerca do sistema eletrônico de votação.

“A cerimônia de hoje simboliza o respeito pelas instituições como o único caminho de crescimento e fortalecimento da República, e a força da democracia como o único regime político onde todo poder emana do povo e que deve ser exercido pelo bem do povo”, afirmou Moraes em sua posse.

“Somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia. Com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional”, continuou o ministro. “Os brasileiros e as brasileiras declaram com confiança o seu voto, aguardando a apuração, a proclamação do resultado no mesmo dia, para a segurança, tranquilidade e orgulho de nossas eleitoras e eleitores. Esse é o trabalho da Justiça Eleitoral: um constante trabalho de reafirmação dos valores democráticos, dos princípios republicanos e do respeito à soberania popular. A democracia existe exatamente para garantir a todas as brasileiras e a todos os brasileiros a possibilidade de, periodicamente, escolherem seus representantes.”

Moraes afirmou ainda: “A Constituição Federal não permite, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discursos de ódio, de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, tampouco a realização de manifestações pessoais, sejam nas redes sociais ou por meio de entrevistas públicas, visando ao rompimento do Estado de Direito, com a consequente instalação do arbítrio”.

Desta vez, era Alexandre de Moraes quem riscava o chão para delimitar até onde Bolsonaro e seus apoiadores poderiam ir, se quisessem atuar, de fato, “dentro das quatro linhas da Constituição”, como costuma dizer o presidente da República.

Em um momento fortemente polarizado entre Lula e Bolsonaro que ainda tinha como pano de fundo um embate velado entre os presidentes da República e do TSE, era inevitável que o pleito de 2022 fosse marcado por muita tensão, conflitos e uma série de questionamentos à Justiça Eleitoral.

Ação contra empresários por mensagens de WhatsApp

No dia 23 de agosto de 2022, um grupo de empresários abertamente simpatizantes do governo Bolsonaro foi alvo de quebra de sigilos bancários e fiscal e mandados de busca e apreensão. A ação foi determinada por Alexandre de Moraes, que atendeu a um pedido da PF no âmbito do inquérito das milícias digitais.

Mensagens tornadas públicas em reportagem do site Metrópoles mostraram que os empresários interagiam em um grupo no WhatsApp. Nesse ambiente privado, alguns deles escreveram que preferiam um golpe de Estado à vitória do PT nas eleições.

Entre os alvos, estavam os empresários Luciano Hang, dono da Havan; José Isaac Peres, da rede de shopping Multiplan; Ivan Wrobel, da Construtora W3; José Koury, do Barra World Shopping; André Tissot, do Grupo Sierra; Meyer Nigri, da Tecnisa; Marco Aurélio Raymundo, da Mormaii; e Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu. Nem todos se manifestaram ou endossaram os comentários sobre um possível “golpe” – vários sequer participavam efetivamente das conversas.

Além das buscas, Moraes determinou o bloqueio das redes sociais dos empresários. Segundo o ministro do Supremo, as medidas tinham “estrita correlação com o rumo de investigações nos inquéritos”.

De acordo com Moraes, as investigações eram “voltadas ao possível financiamento de notícias fraudulentas, discurso de ódio e de ataques orquestrados às instituições públicas, às urnas e a reforçar o discurso polarizado, provendo do descrédito dos Poderes da República; envolvendo, inclusive, alguns empresários que já estão sendo investigados desde 2019”. “Não é possível ignorar as mensagens trocadas por um grupo de empresários, que repetem o mesmo modus operandi ilícito verificado desde 2019, fomentando o ataque às instituições e ao próprio Estado Democrático de Direito”, anotou o ministro.

A controversa decisão de Moraes sobre os empresários dividiu a comunidade jurídica. “Não há como dizer que meras ideias atentem contra a democracia. O que é a democracia senão a liberdade de expressão? Fico estupefato. Acho que preciso reaprender o Direito, que passou a ser diferente daquele que escrevi, vi e estudei”, ironizou Ives Gandra Martins, em entrevista. “Era uma conversa privada. Penso que não poderia ter havido essa decisão contra os empresários”, argumentou.

Em outra entrevista, desta vez à Jovem Pan, Ives Gandra disse que a Constituição resguarda o direito de livre manifestação do pensamento, principalmente em um ambiente privado como um grupo de WhatsApp.

“É evidente que a liberdade de expressar qualquer que seja a ideia tem de ser colocada no sentido de que, enquanto estou apenas falando, sem intenção nenhuma de tomar nenhuma medida prática contra as instituições, como pegar em armas, essa liberdade pode ser expressa”, afirmou. “É uma liberdade que não havia no regime anterior, de exceção. Nós quisemos garantir. Vivi aquele ambiente [de elaboração da Constituição de 1988] e sei que queriam dar uma liberdade de expressão total.”

Semanas depois da decisão, Alexandre de Moraes desbloqueou as contas dos empresários alvos da operação.

“Superpoderes” da Justiça Eleitoral

Em mais um capítulo do que tem classificado como uma verdadeira guerra contra as “fake news” durante o período eleitoral, o TSE aprovou uma resolução que ampliou os poderes da própria corte para a remoção de notícias falsas nas redes.

De acordo com a decisão, conteúdos com informações falsas ou descontextualizadas agora poderão ser removidos em até duas horas, sem a necessidade de processos judiciais. Para agir, o tribunal não precisará mais ser provocado por partes interessadas, como ocorria até então.

A resolução determina ainda que a corte poderá tirar do ar canais que repliquem “fake news” de forma reiterada. A medida também vetou a propaganda eleitoral paga na internet 48 horas antes da votação e nas 24 horas posteriores ao pleito.

As plataformas digitais também passaram a ter um prazo menor para retirar notícias falsas do ar, de 24 horas para apenas duas horas. Nos três dias anteriores e nos três dias posteriores ao segundo turno, esse prazo se reduz ainda mais, para uma hora.

“É exatamente isso que vamos fazer a partir de agora. Não só reduzir o tempo para as plataformas retirarem as notícias fraudulentas do ar, como também, uma vez que a nossa assessoria de desinformação verificar que aquele conteúdo foi repetido, não haverá necessidade de uma nova ação, de uma nova representação e de uma nova decisão. Haverá a imediata retirada do conteúdo fraudulento”, anunciou Alexandre de Moraes.

Alegando preocupação com eventual censura aos meios de comunicação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, recorreu ao STF para tentar barrar a medida, mas os ministros do Supremo chancelaram os “superpoderes” da Justiça Eleitoral.

Nas eleições de 2022, a postura de Moraes foi permanentemente ativa e aparentemente alheia às críticas cada vez mais frequentes sobre eventual abuso de poder. O presidente do TSE se reuniu com representantes das principais plataformas digitais – Google, YouTube, Meta (responsável por Facebook, Instagram e WhatsApp), Twitter, Twitch, Tik Tok, Kwai, LinkedIn e Telegram – para discutir medidas de combate à propagação das “fake news”.

A corte também analisou uma série de pedidos de direito de resposta dos dois candidatos que polarizaram a disputa. Concedeu, pela primeira vez, direito de resposta a um candidato (Lula) na conta do adversário (Bolsonaro) no Twitter. Permitiu a Bolsonaro que dispusesse de 2 minutos, dentro da propaganda de Lula na TV, para se defender de acusações de que estaria relacionado à corrupção e à criminalidade. Suspendeu uma propaganda do PT em que a atual ministra de Lula Simone Tebet (MDB-MS) participava por tempo acima do permitido pela legislação. Instaurou investigação sobre uma suposta “rede de desinformação” que seria capitaneada por Carlos Bolsonaro. Entre outras dezenas de medidas, favoráveis e desfavoráveis aos dois candidatos.

Na reta final da eleição, dois episódios causaram furor – e temor – na Praça dos Três Poderes: a prisão do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), outro aliado de primeira hora de Jair Bolsonaro, e a denúncia apresentada pela campanha do candidato à reeleição de que emissoras de rádio do Nordeste não teriam veiculado peças de propaganda do incumbente, causando um suposto desequilíbrio nas inserções e beneficiando Lula.

Prisão de Roberto Jefferson

No dia 23 de outubro de 2022, a uma semana do segundo turno das eleições, Roberto Jefferson retornou ao presídio por determinação de Moraes. Segundo o magistrado, o ex-deputado violou medidas determinadas pela prisão domiciliar que cumpria. Na semana anterior, Jefferson havia gravado e divulgado um vídeo em que aparece ameaçando e xingando a ministra Cármen Lúcia, do STF. O ex-deputado já era alvo do inquérito que apurava a atuação de “milícias digitais” na internet.

Ao resistir à prisão, Jefferson fez uma série de disparos de fuzil e lançou granadas contra os agentes da PF. Dois policiais ficaram feridos com estilhaços. Outros dois, que estavam em uma viatura alvejada pelos disparos, não sofreram ferimentos.

Em 27 de outubro, a três dias da votação, Moraes decidiu converter a prisão em flagrante de Jefferson em prisão preventiva. Segundo a legislação, a prisão preventiva não tem prazo pré-definido e pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou da ação penal.

Para Moraes, a resistência de Jefferson aos policiais resultou em “um verdadeiro confronto de guerra”. A PF apreendeu mais de 7 mil cartuchos de munição na residência do ex-parlamentar.

Diante da péssima repercussão do episódio e do potencial dano à campanha pela reeleição, Bolsonaro veio a público e repudiou a reação violenta do aliado contra os policiais. “O tratamento dispensado a quem atira em policial é o de bandido”, disse o presidente.

Mas nem por isso Bolsonaro perdeu a oportunidade de criticar indiretamente seu desafeto no STF. “Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a ministra Cármen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP”, escreveu em uma mensagem publicada nas redes sociais.

O caso das inserções de rádio

Um novo choque entre Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes na fase derradeira da eleição girou em torno de inserções de propaganda eleitoral em emissoras de rádio. Um dia após os episódios envolvendo o outrora aliado Roberto Jefferson, a campanha de Bolsonaro denunciou que várias peças publicitárias favoráveis ao incumbente não teriam sido veiculadas, principalmente em veículos da região Nordeste – onde Lula sempre manteve grande vantagem sobre o adversário nas pesquisas.

Moraes negou um pedido da campanha de Bolsonaro para que o TSE investigasse a suposta “manipulação” eleitoral. Segundo o magistrado, não cabe ao tribunal, mas às próprias campanhas, fiscalizar a veiculação das peças de propaganda no rádio e na TV. O presidente da corte entendeu também que a denúncia apresentada careceu de provas e indícios mais robustos que justificassem a abertura de um procedimento investigatório.

“Os autores nem sequer indicaram de forma precisa quais as emissoras que estariam supostamente descumprindo a legislação eleitoral, limitando-se a coligir relatórios ou listagens de cunho absolutamente genérico e indeterminado”, anotou o ministro em sua decisão.

Moraes determinou, ainda, a abertura de uma investigação sobre a conduta da campanha de Bolsonaro, que poderia ter incorrido em crime ao tentar tumultuar o processo eleitoral às vésperas do pleito.

Com uma nova crise instalada, Bolsonaro convocou ministros para uma reunião de emergência e, em seguida, fez um pronunciamento no Palácio da Alvorada, em 26 de outubro, com novas críticas a Moraes e a promessa de recorrer ao STF.

“Está comprovada a diferenciação, o tratamento dispensado ao outro candidato. O senhor Alexandre de Moraes matou no peito o processo, encaminhou para o Supremo, para o inquérito de fake news que ele mesmo conduz. Não segue nossa Constituição e não tem respaldo do Ministério Público”, disse Bolsonaro.

“Da nossa parte, iremos às últimas consequências, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer valer aquilo que a nossa auditoria constatou, Realmente, houve um enorme desequilíbrio entre as inserções. Isso obviamente interfere na quantidade de votos no final da linha. Com toda certeza, o nosso jurídico deve entrar com recurso, já que foi para o STF.”

Alexandre de Moraes permanecerá na presidência do TSE até junho de 2024. O magistrado, em tese, ainda tem mais de duas décadas de Supremo pela frente, até alcançar a aposentadoria compulsória. Nomeado para o cargo em 2017, o ministro pode ocupar uma cadeira na corte até completar 75 anos, o que acontecerá apenas em dezembro de 2043.