O que explica a rejeição de fundos imobiliários de agências bancárias pelo mercado?

Digitalização de serviços bancários e avanço do home office, além de vencimento dos contratos, tornam o futuro incerto para o segmento

Mariana Zonta d'Ávila

(Getty Images)

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SÃO PAULO – Com a pandemia, tendências que já vinham impactando o setor bancário, de avanço do uso de serviços digitais e maior concorrência com fintechs, foram aceleradas, contribuindo para o fechamento de agências no país e colocando em risco os fundos imobiliários do segmento.

Embora o setor seja conhecido por entregar altos dividend yields (retornos com dividendos), em geral acima da média do mercado, a avaliação de especialistas consultados pelo InfoMoney é de que o retorno mais alto no curto prazo não compensa o risco de ver os ativos vagos no futuro.

“Para valer a pena entrar em um ativo com perspectivas complicadas é preciso acertar o timing – e isso é muito difícil”, alerta Daniel Caldeira, sócio da Mogno Capital.

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Ele considera o mercado de FIIs de agências um segmento desafiador, marcado pela pressão de acionistas de bancos em otimizar custos e reduzir as agências físicas e pela pressão de sindicatos em manter os espaços, dado que os fechamentos implicam menos empregos. “No fim, vai ser difícil fugir da busca pela eficiência; não vejo como não seguir nesse caminho”, avalia.

A XP não faz a cobertura de fundos imobiliários de agências por conta da baixa visibilidade para o setor no que diz respeito à taxa de vacância e à rentabilidade, afirma Lucas Hoon, analista de fundos imobiliários da XP.

Com o ritmo mais acelerado de fechamento das agências, a incógnita recai sobre o futuro do segmento, dado que a grande maioria dos contratos de locação dos ativos nas carteiras dos fundos vence entre 2022 e 2023.

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“Fundos com grande parte do portfólio em agências vão ter dificuldades para renegociações e locações dos ativos físicos nos próximos anos. Além disso, os contratos vão ser reajustados para preços mais perto de mercado, levando à queda de rentabilidade”, diz Hoon.

Na carteira mensal compilada pelo InfoMoney com a recomendação de analistas de fundos imobiliários de diversas corretoras, o setor de agências não faz parte das indicações desde 2019, quando foi criada a seleção.

Desempenho e dividend yield

Levantamento feito pela consultoria Quantum Finance a pedido do InfoMoney mostra que existem hoje apenas quatro fundos imobiliários negociados na Bolsa brasileira que investem exclusivamente em agências bancárias ou com uma parcela majoritária da carteira no setor.

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São eles Banrisul Novas Fronteiras (BNFS11), BB Progressivo II (BBPO11), BB Renda Corporativa (BBRC11) e Rio Bravo Renda Varejo (RBVA11). Juntos, eles somam cerca de 120 mil cotistas e um patrimônio líquido da ordem de R$ 3 bilhões.

No passado, o segmento contava ainda com os fundos Agências Caixa (AGCX11) e Santander Agências (SAAG11). O primeiro foi transformado no FII Rio Bravo Renda Varejo, enquanto o segundo foi incorporado pelo RBVA11 no ano passado.

Em 2020, em meio às perdas provocadas pela pandemia de Covid-19 e a notícias de fechamento de agências bancárias, apenas dois dos fundos do setor apresentaram desempenho positivo: BNFS11 e BBRC11, com ganhos de 0,44% e 7,83%, ante queda de 10,24% do Ifix. Do lado negativo, as cotas do RBVA recuaram 24% na Bolsa, enquanto as do BBPO caíram 21,3%.

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Desde o início das negociações na Bolsa, em 2021, o Banrisul Novas Fronteiras tem ganhos de 125% (ante 89% do Ifix); o BB Progressivo II, criado no mesmo ano, tem ganho de 151% (ante alta de 91% do benchmark); o BB Renda Corporativa, lançado em 2011, tem valorização de 152% (contra 175,5% do Ifix); e o Rio Bravo Renda Varejo, de 2012, rende 146% (contra 87% do índice).

Quando analisado o histórico de dividend yield do setor nos últimos cinco anos, a maior parte dos FIIs do setor se mantém em patamares acima da mediana do dividend yield do mercado – percentual que, inclusive, vem caindo desde então, de 10,8%, em 206, para 5%, em 2020, segundo dados da Economatica.

No ano passado, por exemplo, o retorno com dividendos do FII BB Progressivo II ficou acima de 10%, enquanto a mediana do mercado foi de 5%.

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Hoon, da XP, explica que a diferença se dá por conta do histórico do IGP-M, com os contratos sendo atualizados ano após ano com a variação dos preços, levando a maioria desses imóveis a apresentarem hoje um valor de aluguel acima do mercado.

Em 2020, o índice de preços que corrige os contratos de aluguel registrou alta de 23,14%, a maior desde 2002 (25,31%). Em cinco anos, a inflação chega a 51,49%.

Agências em queda

Segundo dados do Banco Central, o número de agências bancárias registrou queda de 6,7% em 2020, representando o fechamento de 1.394 agências. Em dois anos, a queda é de 10,6%, ou de 2.282 agências.

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Apenas no terceiro trimestre de 2020, o Bradesco fechou quase 400 agências de forma a reduzir custos. Já o Banco do Brasil, que havia anunciado ano passado a devolução de 60% dos edifícios de escritórios no país, disse este ano que planeja fechar mais 112 agências.

A notícia levou à queda da ordem de 6% dos papéis BBPO11 nos três dias após o anúncio, feito em 11 de janeiro. O fundo detém 64 imóveis, entre agências e centros administrativos do BB. No ano, o fundo tem queda da ordem de 9%.

E tudo indica que as instituições financeiras vão seguir nesse caminho de otimização.

Estudo da Federação Brasileira de Bancos (Febrabran) feito pela consultoria Deloitte em 2020 mostra que, na pandemia, entre janeiro e abril do ano passado, as transações bancárias realizadas por pessoas físicas cresceram 22% no mobile e caíram 53% nas agências físicas.

Em abril, ainda no início das medidas de isolamento social, os canais digitais representavam 74% do total de transações, um aumento de 10 pontos percentuais em relação a janeiro. As transações em agências, por sua vez, que já representavam uma pequena parcela do total, de 6%, caíram pela metade.

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Caldeira, da Mogno, lembra que entre 2015 e 2016 as maiores posições na carteira do fundo da casa eram ocupadas por fundos de agências bancárias, dado o cenário de alta da inflação, ciclo imobiliário ruim e maior dificuldade de repassar o IPCA nos contratos de imóveis corporativos.

Como os de agências possuem contratos atípicos firmes (com prazos mais longos do que o típico e sem revisionais até o prazo final), de longo prazo e oferecem bom risco de crédito, eram tidos como proteção na época, lembra.

Conforme os contratos foram ficando mais curtos, contudo, a posição passou a ter maior risco e o fundo começou a desinvestir, conta Caldeira. Hoje, a Mogno não possui mais posições no segmento.

“O investidor que quiser se aprofundar no setor precisa entrar nos demonstrativos dos fundos, ver quais são as agências e tentar entender qual o valor residual dos ativos. Ele precisa entender o que acontece com o imóvel se o banco devolver o espaço, no que é possível transformá-lo caso haja a devolução, quanto vai custar e quanto tempo o investidor ficará sem renda”, afirma.

Relevância para o mercado

Com a maioria dos fundos de agências criados entre 2011 e 2013, ainda no começo do mercado de FIIs, eles tiveram grande importância para o aumento da popularização do segmento.

O BB Progressivo II, por exemplo, levou o número de investidores em fundos imobiliários saltar, em 2012, de perto de 50 mil para algo em torno de 100 mil.

Além da isenção de Imposto de Renda para a pessoa física no pagamento de dividendos, o educador financeiro especializado em fundos imobiliários Nathan Octavio, do site Clube FII, conhecido como “Nod”, cita o fato de o risco de crédito ser baixo, dado que o inquilino é o Banco do Brasil, o que contribuiu para a atratividade do produto.

Ele destaca ainda os contratos atípicos de locação, atrelados ao IGP-M, que foram firmados há cerca de dez anos, o que contribuiu – e contribui ainda hoje – para retornos mais elevados.

Aposta no varejo

Foi de olho na mudança de tendências para o mercado bancário que a Rio Bravo começou, há pouco mais de três anos, a reposicionar o portfólio do fundo Rio Bravo Renda Varejo (RBVA11).

O FII, que nasceu em 2012 como Agências Caixa, teve o seu regulamento alterado em maio de 2018 e passou a permitir também a compra e venda de ativos do varejo, tornando-se um FII híbrido.

“O crescimento expressivo do setor bancário hoje vem dos players digitais, por isso estamos reposicionando o portfólio com outros inquilinos”, afirma Bárbara Lombardi, gestora da Rio Bravo.

No ano passado, o RBVA11 incorporou o fundo de agências do Santander, o SAAG11, dada a boa localização dos imóveis. Com isso, o capital investido em agências representa hoje 61% do total. Já os 39% restantes estão em ativos do varejo, como imóveis do Grupo Pão de Açúcar, Centauro e Lojas Renner.

Segundo Bárbara, o fundo hoje busca oportunidades em todos os setores do varejo que tenham capacidade de resiliência para gerar bons aluguéis aos cotistas. É o caso de lojas de departamento, de especialidades, lojas de varejo alimentar, varejo de vestuário, bem como pontos de alimentação, caso de restaurantes.

Com contratos para vencer em um horizonte próximo, Bárbara afirma que é responsabilidade do fundo rentabilizar o imóvel da melhor forma. “O fundo está sendo reposicionado com novos recursos em ativos bem localizados, com foco em um prazo de dez a quinze anos”, afirma.

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