Mentor da indústria de fundos, Jakurski vê mercado virar cassino

A “obsessão” por investimentos passivos, como os ETFs, traz riscos sistêmicos, alerta o gestor da JGP Asset Management

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(Bloomberg) — André Roberto Jakurski, 71, um dos pais da gestão ativa de fundos no Brasil, vê sua influência crescer em meio a uma explosão da indústria no país.

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Em uma carreira de mais de 45 anos, ele negociou ações para George Soros, foi mentor do banqueiro bilionário Andre Esteves e fez parceria com o então futuro ministro da economia Paulo Guedes para fundar o hoje chamado Banco BTG Pactual. Em 1998, Jakurski e Guedes iniciaram a JGP Asset Management, uma das primeiras gestoras independentes do Brasil, no momento em que colegas diziam: para que se preocupar?

“Na época em que eu comecei a operar a bolsa aqui, eu tinha um olho e o resto todo mundo era cego”, disse Jakurski, que ficou famoso na década de 90 com um trade arriscado com ações de empresas de telecomunicações que multiplicou dezesseis vezes o capital proprietário do Pactual em um ano. “Naquela época, era quase impossível se movimentar no mercado. Tinha épocas nas quais eu levava três meses comprando, depois mais três meses vendendo. Passava a maioria dos dias no telefone – gritando.”

Vários dos principais gestores de ações no país citam a “escola Jakurski” como fundamental para ajudá-los a atrair dinheiro novo enquanto seus pares no exterior perdem cada vez mais para fundos passivos ou estratégias quantitativas.

Em uma rara entrevista, Jakurski se senta em uma sala de reunião na sede da JGP no bairro de Humaitá, no Rio de Janeiro, sob os auspícios da estátua do Cristo Redentor. De fala mansa e comedido, ele está com um resfriado forte, contra o qual está tomando antibióticos, e reclama para um fotógrafo que começa a tirar fotos enquanto ele está falando. O fotógrafo, no entanto, é convidado a sentar-se e a tomar parte da conversa, que vai do pessoal ao profissional e – às vezes – ao filosófico.

Os juros altos no Brasil significavam que investidores não precisavam fazer quase nada para obter um retorno considerável, enquanto pioneiros da indústria de fundos, como Jakurski, tinham que fazer muito para superá-los negociando ações. A taxa básica de juros, que na média ficou em 14% nas últimas duas décadas e, a certa altura, atingiu 45%, agora está em um nível recorde de baixa, a 4,25%.

Não é coincidência, então, que a cada redução nos juros básicos, mais gestoras de fundos nasçam e mais dinheiro flua em direção a elas. Os fundos brasileiros somavam R$ 5,4 trilhões no final do ano passado, um aumento de quase cinco vezes em relação a uma década, de acordo com a Associação do Mercado de Capitais Anbima. Somente R$ 28 bilhões eram de gestão passiva, os chamados ETFs.

“O Brasil sempre foi uma nação na qual você tinha títulos do governo de risco zero, liquidez imediata e retornos garantidos – então ninguém queria mexer com isso”, diz Jakurski. “O que estamos vendo agora é uma revolução na forma como o dinheiro é alocado.”

Entre conhecidas gestoras que se beneficiam com o novo ambiente estão a Constellation Investimentos, a Verde Asset Management e a BlueLine Asset Management – e cada uma tem um aprendiz de Jakurski. E enquanto o mestre é frequentemente ofuscado pelos seus alunos famosos ou ex-sócios, o fundo JGP Equity Master FIA retornou 34,65% no ano passado, 3,5 pontos percentuais a mais do que o índice de referência do Ibovespa. Com R$ 20 bilhões em ativos sob gestão, a JGP ainda é uma das maiores gestoras independentes de fundos de investimentos no Brasil.

Mas, então, exatamente, o que é a “escola Jakurski”?

Luciano Brandão, chefe de renda variável na BlueLine, define assim: consistência, alavancagem e preservação de capital. Na BlueLine, empresa de fundos de investimento com R$ 220 milhões fundada por ex-executivos do JPMorgan Chase & Co., cerca de 30% da carteira de ações é gerida com isso em mente – em oposição à usual “estratégia de double alpha”, que visa ganhos por meio de posições vendidas e compradas, diz Brandão. O fundo Blue Alpha Master FIM da BlueLine teve retorno de 10,32% desde a sua criação, em 31 de maio, até 12 de fevereiro, em comparação com os 3,82% do seu benchmark.

Pedro Sales, sócio e gestor de estratégia de ações da Verde, fala mais sobre o método: “Jakurski tem uma visão macro, que vale para o médio a longo prazo, mas, no dia-a-dia, ele usa muito o feeling do mercado”, afirma Sales, cujo fundo Verde Am Long Bias Master FIA registrou um ganho de 37,66% em 2019. “Não é incomum para ele fazer apostas de curto prazo contrárias à visão de longo prazo.”

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Ao longo da entrevista, enquanto fala, Jakurski compartilha algumas dessas visões e sua própria história, e explica por que escolheu Harvard em vez de Stanford (“Não tínhamos muito dinheiro na época, e descobrimos que a passagem de avião para Harvard era mais barata”), como é sua carreira (“Vinte anos em uma mesa de negociação e era sempre um barulho infernal – agora é um silêncio sepulcral”) e por que ele nunca se mudou para São Paulo, o centro financeiro da América Latina (“Eu quero ficar no Rio, fazendo o meu trabalho, me divertindo”).

Jakurski tem um carinho especial pelo Rio de Janeiro, a cidade onde nasceu e para onde seus pais imigraram após a Segunda Guerra Mundial. Eles casaram antes da guerra e foram do movimento de resistência polonês, tendo sido presos em campos nazistas na Polônia, diz ele.

Jakurski se formou em engenharia mecânica na Pontifícia Universidade Católica do Rio e cursou MBA na Harvard Business School. Foi seu pai quem lhe convenceu a obter um diploma em administração, pois ele precisava de Jakurski para gerenciar sua empresa de iluminação pública, que instalava luzes para ruas e estádios de futebol. Quando o jovem Jakurski voltou ao Brasil depois de terminar Harvard, ele estava “apaixonado” por finanças e decidiu não trabalhar na empresa de seu pai. Foi logo recrutado para uma carreira como executivo de banco.

Jakurski começou no Unibanco, que se fundiu com o Banco Itaú em 2008 e agora é o maior banco da América Latina em valor de mercado. Depois de passagens nas áreas de leasing, banco de investimento e comercial, ele recebeu a oferta de uma grande promoção: tornar-se o chefe de tesouraria e trading proprietário do banco. Mas com uma ressalva: ele teria de se mudar para São Paulo. “Eu disse que não, e isso foi o fim da minha carreira no Unibanco”, lembra.

Em 1983, o banqueiro Luiz Cezar Fernandes convenceu Jakurski e Guedes a ajudarem na fundação do Banco Pactual, que se tornou a potência BTG Pactual. Guedes e Jakurski tinham a mesma química de outras duplas famosas de negócios – Jobs e Wozniak ou Gates e Allen -, com Guedes como o visionário temperamental e Jakurski, o trader pragmático.

Em 1991, após um colapso de 70% do mercado de ações com o Plano Collor, Jakurski fez seu negócio mais lendário: ele alavancou fortemente e investiu todo o capital proprietário do Pactual em duas ações de empresas de telecomunicações – a Telesp e a Telebras. As duas subiram de preço, com uma delas, a Telebras, passando de US$ 2 a US$ 32 em um ano, diz ele, entregando ao Pactual e seus clientes um retorno de dezesseis vezes sobre o capital investido.

Tais apostas extremas, nas quais a carteira toda é concentrada em um ou dois ativos, devem ser feitas apenas em “momentos nos quais todas as variáveis ​​estão a seu favor”, diz ele. “Oportunidades como essa são muito raras. Quando elas aparecem, você não pode hesitar — tem de ir para matar.”

Numa época em que os bancos centrais estão injetando liquidez e um tweet do presidente dos EUA, Donald Trump, pode enviar mercados a uma queda livre, essas oportunidades únicas estão ficando cada vez mais difíceis de achar, diz Jakurski.

Graças à aposta nas ações da Telesp e Telebras, o Pactual se tornou um importante participante nos mercados brasileiros. O banco pôde assumir grandes posições proprietárias em transações de arbitragem que exploravam a diferença entre taxas de juros internacionais e domésticas por meio de empréstimos em dólares para investir em reais, com ganhos de até 60% ao ano.

A reputação de Jakurski e Guedes crescia na época na qual cerca de 90% dos lucros do Pactual vinham do trading. A dupla decidiu aproveitar sua fama e deixou o banco para criar sua própria gestora. Foi na JGP que o relacionamento entre eles se deteriorou, levando à saída de Guedes, que não quis fazer comentários para essa matéria. Jakurski não quis falar sobre a saída de Guedes da JGP.

Uma geração de gestores e banqueiros famosos teve o início de sua carreira no Pactual sob Jakurski, incluindo Esteves, que começou como técnico em informática em 1989, e Florian Bartunek, ex-estagiário que agora é sócio e diretor de investimentos da Constellation.

Esteves, o maior acionista do BTG, falou sobre a influência de Jakurski em painel durante evento para investidores do banco em julho: “Jakurski foi meu sócio durante muitos anos, meu chefe, e o pai do DNA de gestão de risco do banco, o que deve te dar orgulho até hoje, não é?”

Bartunek diz que também usa parte da metodologia de gestão de risco que Jakurski lhe ensinou. “Com Jakurski, nunca foi apenas uma questão de ensinar o ofício, mas também moldar personalidades”, diz ele. “Ele sempre foi muito duro, mas justo. Não podia ter erro. Ele sempre encontraria o erro, por menor que fosse.” Com um ceticismo que domina grande parte do mundo da gestão ativa de fundos em meio ao aumento do investimento passivo, Bartunek acrescenta: “Ele é uma raça em extinção”.

Mesmo enquanto a indústria cresce no Brasil, os gestores de fundos no país estão bem conscientes sobre o que está acontecendo no exterior. Os EUA tiveram em 2019 mais fechamentos de fundos de hedge do que lançamentos pelo quinto ano, um baque para um mercado de US$ 3 trilhões que já fez nascer muitos milionários. Os investidores tiraram quase US$ 98 bilhões no ano passado, mais do que o dobro do valor em 2018, pois taxas de administração elevadas e retornos medíocres levaram à busca por rendimento em outro lugar, de acordo com os dados do eVestment.

A corrida para os ETFs é apenas uma das mudanças sísmicas que abalam o mundo dos investimentos desde que Jakurski começou. A “obsessão” por investimentos passivos, ele adverte, traz riscos sistêmicos. “Os ETFs oferecem liquidez imediata, mas os ativos que replicam os índices não têm necessariamente esse tipo de liquidez”, diz ele.

Ele fala sobre outras mudanças, que diz terem transformado o mercado em um “cassino”. O relaxamento quantitativo é outro tema que merece críticas de Jakurski. “Só as pessoas mais ricas que têm ativos financeiros se beneficiam”, diz ele. “As pessoas pobres estão bravas, dizendo: ‘Este sistema aí não me interessa.’”

O próprio Jakurski parou de negociar ações fora do Brasil e, em vez disso, planeja retornar às suas raízes de crédito. Ele deseja continuar a desenvolver negócios na JGP para coletar informações sobre preços e volume de negócios da dívida corporativa brasileira no mercado secundário. A empresa já usa hoje esses dados para criar um índice.

Sete minutos depois do início da entrevista de duas horas, o telefone de Jakurski toca. “Espere, espere”, diz ele. No outro extremo da linha, o filho mais novo de Jakurski está ligando de Harvard. Paulo Roberto, nome em homenagem a Guedes, planeja seguir os passos de seu pai de outras maneiras também: ele deve assumir a gestão dos investimentos da família.

Jakurski escuta por um momento. “Eu disse para você não ficar vendido no S&P na véspera de uma reunião do Fed. Você viu a mensagem, mas não tomou atitude, né?” – diz ele, sem mudar seu tom de voz. Outra pausa. “Bem, então zera esse troço.”

O lendário gestor de fundos, ao que parece, ainda tem seus aprendizes – mesmo que nem todos sigam sistematicamente a “escola Jakurski.”

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