Gestoras passam a abrir fundos de private equity para investidores do chamado varejo “qualificado”

Estrangeiros e fundos de pensão não devem ter participação significativa em 2023, enquanto famílias endinheiradas mantém interesse pelo segmento

Katherine Rivas

Os investidores do chamado varejo qualificado – como são tecnicamente chamadas as pessoas físicas com pelo menos R$ 1 milhão investido no mercado financeiro – estão cada vez mais na mira das gestoras de fundos de private equity. São carteiras que compram participações em empresas, em geral ainda não listadas na Bolsa.

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Com o interesse dos investidores institucionais, estrangeiros e fundos de pensão – tradicionais clientes do segmento de private equity – direcionado para as aplicações de renda fixa, dado o patamar de juros atual, as atenções se voltam para o público menos habituado a aplicar em produtos de longuíssimo prazo, como é o caso dos fundos de participação.

Esse movimento foi percebido em algumas casas do mercado. Só a XP Asset levou a mercado dois fundos de private equity que permitem a participação de investidores de varejo endinheirados nos últimos dois anos.

O primeiro fundo – XP Private Equity I FIP Multiestratégia – captou R$ 1,4 bilhão em fevereiro de 2020, reunindo mais de 5 mil investidores e sendo um pioneiro na democratização do private equity entre as pessoas físicas.

De lá para cá, o fundo investiu 88% dos recursos captados em oito empresas. O maior valor, de R$ 293 milhões, foi aplicado na Vision One, plataforma focada em clínicas e hospitais oftalmológicos. Outras investidas são a empresa de estética Botoclinic, a marca de cosméticos Beyoung, a BR Supply, a Pottencial Seguradora, o Will Bank, a Alife-Nino e a gestora AZ Quest.

Já o segundo fundo – XP Private Equity II FIP Multiestratégia – encerrou nesta semana uma captação que buscava levantar R$ 2,9 bilhões para investir em empresas de saúde, consumo, varejo, financeiro, agronegócio e educação.

Segundo o prospecto, uma das primeiras alocações, de R$ 300 milhões, deverá ser em uma plataforma de saúde, em que o fundo deverá ter posição de controle. Há ainda discussões sobre investimentos em outras duas empresas do setor de saúde, uma de consumo e outra de tecnologia.

No ano passado, os fundos de participação (FIPs) – categoria que inclui as carteiras de private equity – captaram R$ 17,8 bilhões, segundo dados da Anbima. Nem todos esses recursos foram aplicados nesse tipo de carteira, já que fundos de infraestrutura, por exemplo, também são contabilizados entre os FIPs. Segundo mapeamento da Spectra Investimentos, o número de gestoras de private equity caiu de 54 para 29 nos últimos dez anos.

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Tecnologia, saúde e agro em foco

A XP Asset não foi a única a buscar espaço nas carteiras dos investidores de varejo. A gestora Aqua Capital, focada nos segmentos de agronegócio e alimentos, captou recursos para um fundo em 2022 entre investidores qualificados. Outros dois fundos de private equity que a gestora já possuía só levantavam recursos no exterior com investidores institucionais.

Dos R$ 2,5 bilhões captados pelo Aqua Capital Private Equity Agro FIP Multiestratégia 7, cerca de R$ 500 milhões – valor mínimo necessário para viabilizar a operação – foram levantados apenas entre os investidores de varejo qualificados. Além deles, a gestora também captou junto a investidores institucionais no País e no exterior.

O fundo tem como meta investir em oito a dez empresas nos próximos cinco anos, com posição de controle e foco geográfico no Brasil – mas não descarta fazer investimentos na América do Sul, Central e do Norte, explica Sebastian Popik, fundador da Aqua Capital. O prazo de duração do fundo é de dez anos. Hoje, ele tem 8 mil investidores qualificados, que alocaram a partir de R$ 25 mil.

Segundo Popik, a expectativa é conseguir fazer pelo menos duas aquisições por ano nos primeiros cinco anos de funcionamento do fundo. Até agora, um aporte foi realizado – na SoluBio, com o objetivo de ampliar sua atuação no mercado de bioinsumos. Nos próximos seis meses, a carteira deve anunciar duas novas aquisições.

O InfoMoney apurou que, além dessas gestoras, a Spectra Investimentos também deve lançar um fundo de participações com acesso ao varejo qualificado. Será o sexto fundo da casa, que até então trabalhava apenas com investidores profissionais – aqueles que possuem no mínimo R$ 10 milhões no mercado financeiro.

O objetivo da Spectra seria captar até R$ 2,5 bilhões com investidores brasileiros e internacionais, e pelo menos um terço do valor seria destinado a private equity. Questionado, Renato Abissamra, sócio da Spectra, não se manifestou sobre o assunto.

Segundo Piero Minardi, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), há pelo menos outras duas gestoras com planos de oferecer fundos de private equity para investidores qualificados nos próximos meses.

E quem tem menos de R$ 1 milhão?

Embora as gestoras tenham passado a contemplar o varejo qualificado nas suas estratégias de captação, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que o private equity chegue aos investidores em geral – incluindo aqueles com menos de R$ 1 milhão aplicados no mercado financeiro.

Um próximo passo é regulatório. De acordo com a instrução CVM 578, apenas investidores qualificados podem investir em fundos de participação.

O desafio também passa pelo cenário macroeconômico e o amadurecimento do mercado de capitais, além do educacional. Segundo Minardi, com juros em 13,75% ao ano como os atuais, a dificuldade para levantar recursos com os investidores aumenta – mas as boas oportunidades de alocação de recursos continuam aparecendo para as gestoras.

A briga com a renda fixa é acirrada. “O ano de 2023 será bom para as gestoras investirem, mas não será tão bom ano para captar recursos”, aponta o executivo.

A baixa liquidez dos fundos private equity é outra questão. Minardi destaca que os investidores de varejo, qualificados ou não, estão acostumados a comprar e vender os ativos com frequência, e muitas vezes não conseguem entender que o retorno de um investimento de cinco anos ou mais pode ser mais vantajoso.

Popik acredita que, além do questionamento da lógica e resultado de investimentos ilíquidos, o investidor deve saber que, mesmo com juros elevados, existem oportunidades no private equity, por conta de empresas precisando de capital.

Minardi aponta que, fora isso, o investidor não está familiarizado com o mercado, porque os gestores de private equity não são nomes conhecidos do grande público.

Uma forma de tornar o investimento em participações mais atrativo são as estruturas alternativas de fundos, diz Minardi. No caso do fundo da XP Asset, por exemplo, estão programadas janelas intermediárias para os investidores resgatarem recursos antes do prazo final da carteira.

Para Abissamra, da Spectra, por alguns anos o segmento de private equity deve se concentrar no varejo qualificado. Isso porque, em sua visão, o Brasil ainda não possui um ambiente de liquidez estável. Ofertas públicas (IPO) e operações de fusões e aquisições não apresentam regularidade, o que demanda um prazo de maturação maior para os fundos de private equity.

“A indústria de private equity precisaria ganhar mais corpo, como nos Estados Unidos, com mais estabilidade do mercado para que o acesso a todo o varejo comece a fluir”, diz. Isso demanda um cenário de juros baixos por mais tempo, uma economia saudável e a perspectiva de liquidez na Bolsa.

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Perspectiva para 2023

Com o varejo qualificado dando os primeiro passos no private equity, os investidores tradicionais dos fundos devem se manter com padrões semelhantes aos vistos nos últimos anos.

De acordo com mapeamento feito pela Spectra, a participação dos investidores estrangeiros em private equity recua desde 1994, quando representava 88% dos recursos. Entre 2017 a 2020, a fatia caiu para 35%. Em contrapartida, o patrimônio das famílias (family offices) passou a representar a maior parte da captação dos fundos, chegando a 59% no período.

Os fundos de pensão também tiveram a sua participação reduzida no private equity para 3%. Segundo Minardi, o movimento foi motivado pela Operação Greenfield, deflagrada em 2016, que investigou crimes de gestão temerária e fraudulenta em quatro dos maiores fundos de pensão do país: Funcef, Petros, Previ e Postalis. Os investimentos tinham sido realizados por meio de FIPs (fundos de Investimentos em Participações) e geraram déficits bilionários.

No caso dos family offices, Minardi destaca que o interesse depende de como esses investidores sentiram a volatilidade do mercado nos últimos meses, além do domínio que possuem dessa classe de fundos. “Acredito que este investidor deve voltar a alocar recursos, mas não sabemos o quanto esse ciclo machucou as famílias, que podem optar por deixar o dinheiro na renda fixa”.

Já no caso do investidor estrangeiro, Minardi argumenta que o apetite pelo private equity local se relaciona com a disposição em investir no Brasil de modo geral, considerando que ainda existe volatilidade e que foi afetado pela variação cambial.

Abissamra destaca que existe uma leve sinalização de que o investidor estrangeiro está começando a olhar o Brasil e América Latina como um local de oportunidades, diante das decepções com a China e a Ásia de modo geral. “Ainda não é um apetite pronunciado, mas acredito que o investidor estrangeiro está menos exposto ao noticiário de curto prazo”, avalia.

O executivo diz que os fundos de pensão devem seguir com a renda fixa entre as preferências. Por isso, a maior parte dos recursos captados pelo private equity deve vir das grandes famílias endinheiradas que alocam capital com visão de longo prazo.

O acesso dos investidores qualificados ao private equity também tem se dado por meio de estruturas menos tradicionais que os fundos. A DXA Invest, por exemplo, intitula-se a primeira gestora fintech de private equity e venture capital do Brasil.

Ela oferta os investimentos por meio de carteiras adaptadas ao perfil de risco de cada cliente. O aporte mínimo é mínimo de R$ 50 mil. O investidor assina um contrato de carteira administrada e é avisado quando surgem oportunidades aderentes a seus interesses.

Uma vez selecionada a empresa, o investidor escolhe o veículo para fazer o aporte, seja via fundos ou outros valores mobiliários.

Oscar Decotelli, sócio-fundador e CEO da DXA Invest, explica que as estratégias presentes nas carteiras têm um horizonte de investimento de longo prazo, de cinco a sete. Contudo, a DXA oferece a chance de vender o ativo em uma espécie de mercado secundário, entre os investidores da gestora.

Atualmente a gestora conta com mil investidores de varejo, mas tem planos de expandir a base baixando o valor mínimo de investimento de R$ 50 mil para R$ 10 mil reais até o final de março.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.