Fundos de ações reduzem exposição a commodities e passam a testar papéis ligados à economia local

Fim da alta de juros e resultados melhores que o esperado no 2º trimestre animam gestores, mas rotação ainda ocorre sem dinheiro novo de investidores

Mariana Segala

(GettyImages/Delpixart)

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Há poucas certezas em que se fiar para operar na Bolsa atualmente – as dúvidas claramente são mais abundantes quando o assunto é a inflação global, os juros americanos ou o crescimento chinês. Mas no Brasil, ainda que as eleições presidenciais de outubro mantenham um constante ponto de interrogação sobre o que será o amanhã, agentes financeiros começam a enxergar alguma definição em desdobramentos recentes na economia.

O fim próximo do ciclo de aperto monetário, por exemplo, passou a ser dado como certo desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no início do mês. A sensação de que os piores níveis de inflação já foram atingidos também traz alento, assim como o encerramento da safra de balanços do segundo trimestre – mesmo que os lucros tenham diminuído para o conjunto das empresas listadas na B3, a maior parte delas apresentou resultados acima do esperado.

Imbuídos de um otimismo cauteloso, parte dos gestores de fundos de ações começou a mexer nas carteiras diante desse cenário. Devagar, eles testam a temperatura dos setores ligados à economia doméstica, reduzindo – mas raramente zerando – as posições em empresas de commodities e em companhias defensivas, que foram a tônica durante o primeiro semestre. Alguns dos gestores ouvidos pelo InfoMoney iniciaram o movimento há poucos meses, enquanto outros intensificaram as apostas nas últimas semanas.

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“Empresas como Vale ou Petrobras continuam sendo boas”, diz Isabel Lemos, gestora de ações da Fator Administração de Recursos. “Mas outras companhias já foram tão penalizadas que o trade-off entre quanto ainda posso perder, se comprá-las e elas caírem mais, ou quanto posso ganhar, se elas começarem finalmente a subir, se tornou atrativo”.

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A disposição ao trade-off, no entanto, ainda se concentra nos gestores. Com a Selic em 13,75% ao ano, os investidores parecem não ver vantagem em deixar para trás o rendimento fácil da renda fixa para encarar o sobe e desce da Bolsa.

Os fundos de ações caminham para registrar, em agosto, o 11º mês de resgates líquidos (descontados os depósitos) nos últimos 12 meses. Desde agosto de 2021, as aplicações superaram os saques apenas em junho, segundo dados da Anbima (Associação das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Só neste ano, os resgates acumulados somam R$ 53,8 bilhões.

Por isso, via de regra, gestores que começaram a se sentir um pouco mais confortáveis para adentrar em setores como consumo e varejo têm precisado girar a carteira para montar novas posições – já que dinheiro novo, na maior parte dos casos, ainda não está chegando.

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Da defesa para o ataque

Nos fundos de ações da Fator, a carteira vem mudando lentamente desde março. Isabel explica que zerou a exposição a ações do setor de energia elétrica, que, defensivas como são, já cumpriram seu papel no portfólio por ora. Também reduziu fortemente as posições no segmento de commodities – sobraram, basicamente, os papéis da Petrobras (PETR3;PETR4), dada a geração de caixa e a consequente distribuição pesada de dividendos.

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“Com isso, fomos voltando um pouco para os setores de varejo e serviços”, explica Isabel. A inflação amenizada recentemente e a perspectiva de que os juros parem de subir reduzem parcialmente a aversão ao risco e tendem a beneficiar empresas desses segmentos, segundo a gestora. Por isso, entraram na carteira desde ações do setor imobiliário, como JHSF (JHSF3); passando pelo por consumo alimentar, como Assaí (ASAI3), Pão de Açúcar (PCAR3) e Burger King (BKBR3); e chegando até a Magalu (MGLU3), CVC (CVCB3) e Azul (AZUL4).

“Setorialmente, estou confortável, mas a volatilidade dos papéis ainda está elevada”, diz Isabel. “Na medida que Bolsa der uma sinalização melhor, podemos aumentar essas posições. Mas nada nos impede de rever posições se alguma coisa sair do caminho”.

Na Genoa Capital, o fundo long bias – posicionado para acompanhar a Bolsa, mas com alocação flexível para enfrentar períodos de volatilidade dos mercados – vem aumentando gradualmente a exposição a ações nos últimos meses. As alocações, que chegaram a ser de apenas 20% no primeiro trimestre, alcançaram 90% do patrimônio desde que ficou clara a proximidade do fim do ciclo de alta da Selic.

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Algumas ações que já estavam na carteira tiveram as posições aumentadas. Foi o caso, por exemplo, de Localiza (RENT3). “É atualmente a maior posição do fundo. Como o segmento de locação é bem sensível a variações da taxa de juros, o cenário de queda no próximo ano vai beneficiá-la”, diz Lucas Cachapuz, sócio e gestor da Genoa.

Também ganharam espaço as ações da operadora de planos de saúde Hapvida (HAPV3). Embora tenha recuado no último ano, especialmente após divulgar resultados ruins no primeiro trimestre de 2022, a empresa recuperou o fôlego com o balanço do segundo. Com lucro líquido ajustado de R$ 241 milhões, adição de usuários e redução da sinistralidade, voltou a subir. Houve novas compras também de ações como Equatorial (EQTL3), Eneva (ENEV3) e Itaú (ITUB4).

As posições em ações de commodities diminuíram. “São empresas com resultados muito relacionados à economia global, e persistem as preocupações com a economia chinesa”, diz Cachapuz. Foram trocadas por nomes novos, como Grupo Soma (SOMA3), do varejo de moda. “Tínhamos a ação e desinvestimos após a aquisição da Hering. Mas agora está entregando bons resultados e, mesmo sendo uma midcap sem tanta liquidez, voltamos a comprar”, explica o gestor.

Só entram nomes selecionados

Nos fundos da Forpus, as ações de commodities – que chegaram a representar 40% da carteira no primeiro semestre – agora respondem por 25%, divididos entre as metálicas, com empresas como Vale (VALE3) e CBA ([ativo=CBAV3); as energéticas, com Petrobras; e as agrícolas, preferência atual. SLC Agrícola ([ativo=SLCE3]), Boa Safra (SOJA3), Kepler Weber (KEPL3) e ViTtia (VITT3), por exemplo, permanecem no portfólio.

“Começamos o ano com todas as incertezas, então commodities faziam bastante sentido. A partir de junho, a narrativa do mercado mudou, e a preocupação com a inflação global virou preocupação com a recessão global. Por isso ajustamos”, diz Rafael Cintra, analista de ações da Forpus, que se diz animado com Brasil. “Podemos ter um rali de fim de ano, independentemente do vencedor da eleição”.

Ações selecionadas ocuparam o espaço que vagou das empresas de commodities. “Mesmo achando que a Bolsa vai subir de maneira quase generalizada, queremos estar apenas nas melhores opções”, diz Luiz Nunes, CEO da Forpus. Há mais empresas de consumo doméstico, como Hypera (HYPE3), Centauro (SBFG3) e Vulcabras (VULC3); logística e infraestrutura, como Vamos (VAMO3), Login (LOGN3), Santos Brasil ([ativo=STPB3]) e Mills (MILS3); e bancos, como Itaú e Bradesco (BBDC4).

A preocupação em aumentar a exposição doméstica só com o que há de mais ou menos “blindado” na B3 é generalizada entre os gestores. São, de modo geral, empresas cujos resultados dependem menos do vaivém da cena macroeconômica e capazes de gerar caixa no curto prazo.

Os fundos da Mantaro, por exemplo, entraram em ações como Cielo (CIEL3), que sofreu com a concorrência há poucos anos, mas se reposicionou; os shoppings Iguatemi (IGTI11) e Multiplan (MULT3), focados em um público que não perdeu renda apesar da crise recente; além de elétricas e bancos. “Temos Arezzo (ARZZ3), Vivara (VIVA3) e Renner (LREN3), mas não Marisa (AMAR3), Guararapes (GUAR3) ou C&A (CEAB3). Preferimos permanecer na alta renda, que tem uma dinâmica mais própria”, diz Leonardo Rufino, sócio da gestora.

Um pé na realidade

Enquanto parte dos gestores enxerga dias melhores para as empresas expostas à economia doméstica e já se posiciona nesse sentido, outros preferem caminhar com mais cautela. O “combo” de compra de commodities e grandes bancos e venda de empresas mal precificadas na última leva de IPOs (aberturas de capital), que terminou no ano passado, ainda é o preferido de Carlos Calabresi, CEO da Garde Asset.

“Funcionou muito bem até junho, mas virou em julho, dada a rotação entre as ações feita pelos investidores. Mesmo assim, fundamentalmente, não mudamos o conjunto [na parcela direcional da carteira do fundo de valor relativo da gestora]”, diz Calabresi.

Para ele, o peso das incertezas – o cabo de guerra entre inflação e crescimento nos países desenvolvidos, os rumos da eleição presidencial e o impacto dos juros muito altos sobre a economia – supera o respiro oferecido pelas poucas certezas desenhadas no horizonte. “Preferimos ficar nas empresas grandes, com balanços resilientes, bom market share. Estamos defensivos”, afirma o gestor. O pouco espaço que sobra fora disso é ocupado por ações como as de CCR (CCRO3), Hapvida e Natura (NTCO3).

A avaliação de um gestor com R$ 2,3 bilhões sob administração em ações é semelhante. “Realmente parece que o Banco Central vai parar de subir os juros e os resultados do segundo trimestre foram um pouco melhores do que o esperado, mas essa é uma informação sobre o presente. A informação sobre o futuro – que é a política econômica do próximo presidente, o que o novo governo fará com a política fiscal ou com os investimentos públicos – continuamos não sabendo”, diz.

Por isso, ele não fez mudanças recentes no portfólio. Persiste o portfólio defensivo e com foco na liquidez. De consumo, apenas ações muito específicas, como Localiza ou Petz (PETZ3). “Continuamos cautelosos com o nível de atividade. No terceiro trimestre, ainda haverá efeitos do Auxílio Brasil e dos cortes de impostos, que liberam renda real. Mas para a frente teremos problemas, porque o Banco Central precisa arrefecer a atividade para a inflação recuar”.

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Mariana Segala

Diretora de Redação do InfoMoney