CVM não abre mão de registro para tokens de renda fixa; licenças devem levar 3 meses, diz superintendente

Mercado ainda tenta convencer regulador de que alguns tokens não são valores mobiliários, mas tendência é que operações busquem conformidade

Paulo Barros

Bruno Gomes, superintendente de Supervisão de Securitização da CVM

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Empresas que oferecem negociação de tokens de renda fixa, um novo tipo de ativo digital que pode remunerar o investidor em até 1,5% ao mês, deverão funcionar apenas mediante registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em processo que deve ser finalizado nos próximos seis meses.

Apesar do protesto inicial do mercado, o regulador não abre mão de trazer a atividade para baixo do seu guarda-chuva, defendendo que a norma que rege as plataformas de crowdfunding já contemplaria “90%” das emissões, mais especificamente de tokens de recebíveis. A criação de sandbox (ambiente controlado), por enquanto, não é vista como ideal por exigir um processo mais demorado para implementação.

A autarquia divulgou uma orientação ao mercado no começo de abril enquadrando os tokens de renda fixa no conceito de contrato de investimento coletivo, trazendo essas ofertas para sua alçada. Desde então, empresas do setor iniciaram uma agenda frequente de conversas com o regulador na tentativa de obter clareza para evitar a suspensão completa das operações. A CVM ouviu as ponderações e deve divulgar, em breve, orientações complementares detalhando o processo a ser seguido para regularização dessas corretoras.

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Tokenizadoras ainda discutem dispensas de alguns elementos da norma, mas já estariam se preparando para buscar registro junto à CVM no regime de crowdfunding. “Estamos trabalhando com um horizonte de talvez um mês para receber os pedidos de registro, e três meses para dar o registro”, explica Bruno Gomes, superintendente de Supervisão de Securitização da CVM. Segundo Gomes, está ainda em discussão a possibilidade de concessão de licenças provisórias para acelerar o processo caso haja um volume muito grande de solicitações. A solução, no entanto, precisaria de aval do colegiado da CVM.

A disponibilidade da CVM em acelerar a concessão de licenças de crowdfunding atende um anseio de tokenizadoras que decidiram paralisar operações, além de negócios que tiveram aportes suspensos após a publicação de um Ofício Circular da área técnica do órgão no início do mês. “Espero que em até seis meses já tenhamos tudo definido e as tokenizadoras rodando”, conta Gomes.

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As corretoras que oferecem tokens de renda fixa deverão ter que se adaptar a uma alternativa inicialmente criticada pela suposta incompatibilidade com a tokenização. A percepção, no entanto, teria mudado após conversas com o regulador. Uma das críticas passava, por exemplo, pelo teto de R$ 15 milhões para cada oferta, mas a CVM garante que o limite atende à maioria dos tokens lançados atualmente no mercado, cujas emissões giram em torno de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões cada.

Outro entrave apontado pelas corretoras de ativos digitais era a impossibilidade de criação de mercados secundários de tokens, algo que a autarquia também ressalta ser possível via norma de crowdfunding, embora com alguma limitação. “[A regra de crowdfunding] não tem um mercado organizado, mas há possibilidade de [criação de um mercado] secundário, de troca de negociação de valor mobiliário entre investidores monitorado pela plataforma”, explica o superintendente da CVM.

As conversas entre mercado e regulador devem continuar, mas a autarquia ainda não vislumbra flexibilização desse elemento da norma por não enxergar que o mercado de tokens de renda fixa tem a musculatura necessária, dado que os ativos de renda fixa tradicionais, como cotas de FIDCs (fundos de investimento em direitos creditórios), que carregam um volume financeiro muito maior, não podem ser negociados diretamente entre investidores.

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Por outro lado, a CVM ainda está aberta a levar em conta argumentos sobre modelos de tokenização que podem não se configurar como contratos de investimento coletivo. Por ora, o órgão considera que a maioria dos tokens de recebíveis não podem ser deixados de fora de sua supervisão. Um dos pontos de impasse se dá sobre a natureza do token de risco sacado: o mercado defende que esse tipo de ativo não se enquadra como valor mobiliário, mas o regulador discorda.

Para a CVM, a prioridade por ora é acomodar as emissões de tokens que já são realizadas no País ao arcabouço regulatório vigente. À medida que esse mercado ganhar maior dimensão, o regulador está disposto a discutir uma norma específica para o setor. Uma eventual nova regulamentação poderia evoluir lado a lado ao real digital, visto como um facilitador dessa indústria, que tem previsão para lançamento no final de 2024.

Paulo Barros

Editor de Investimentos